04 Janeiro 2017
"Entendo que a exposição de argumentos e motivos já está mais que suficiente, demonstrando mesmo a uma hipotética audiência leitora não treinada, as possibilidades concretas do acionar dos EUA tendo como alvo os conglomerados econômicos cuja cadeia de valor central foca na engenharia pesada. Não por acaso, este oligopólio nacional – controlado por famílias e acionistas majoritários, além de financiados pelos megacontratos com a Petrobrás ou através do BNDES – é um ativo central na criação e projeção de excedentes de poder do Brasil para o Sistema Internacional", escreve Bruno Lima Rocha, professor de ciência política e de relações internacionais.
Eis o artigo.
Existe uma diferença gritante entre “teoria da conspiração” e prática conspiratória. Entendo que bastam algumas observações pontuais para fazer a lógica da obviedade.
O texto que segue tem as devidas ponderações legais, por isso a cautela necessária. Vale observar que ao reconhecer que houve participação do Império no golpe no Brasil, não me alinho ao lulismo, tampouco a condenáveis práticas empresariais, menos ainda ao 'batismo nos contratos' como prática regular brasileira e nem nego a condição de que agentes nacionais (domésticos) possam aplicar golpes e também contra golpes. A conspiração que vem de cima encontra eco ou não, é bem sucedida ou não, de acordo com cada sociedade e seus agentes coletivos nacionais. Infelizmente, no Brasil, o golpe aplicado pelo BraZil deu certo (para eles). Vamos aos pontos.
1) Existem pessoas com certo prestígio cibernético alegando que há uma teoria da conspiração na internet brasileira em relação a participação dos EUA no golpe parlamentar que derrubou o governo reeleito de Dilma Rousseff. Os Estados Unidos, embora correspondam a 12% de nossa balança comercial - perdendo em quase o dobro para os 21% de volume de trocas com a China tem plenas condições de exercer hegemonia e projeção de poder em termos ideológico-culturais, institucionais, militares e financeiros sobre toda a América Latina, o Brasil incluído.
2) A modalidade de participação dos EUA no golpe do Brasil - ou a suposta participação uma vez que os elementos cabais e probatórios estão em documentação sigilosa no Departamento de Estado do Império - seria a de LAWFARE. Esta é uma modalidade onde o emprego de acordos de cooperação e convênios entre órgãos jurídico-policiais-investigativos implicam em uma facilidade de investigação e punição para os alvos domésticos, mas cujas informações centrais são devidamente selecionadas através da vantagem estratégica que os EUA detêm através de sistemas de monitoramento e espionagem como o PRISM. Negar isso é praticamente negar a vigilância sobre a internet e o novo Complexo Industrial-Militar, balizado pelo Ato Patriótico assinado por Bush Jr e em nada modificado pelo governo Obama.
3) Tivemos - temos - evidências de efeitos dos acordos de cooperação tendo o conglomerado da Odebrecht como alvo de investigação e punição em escala mundo. Assim, perdem-se contratos e espaços no Sistema Internacional (SI), setores de difícil acesso e penetração, cuja entrada de capitais brasileiros só pode ser viabilizada através da aliança entre as campeãs nacionais (incluindo a super campeã Odebrecht),o banco de fomento (BNDES) e um governo de centro mas minimamente nacionalista (os do lulismo). Um país da semi-periferia como o Brasil não pode ser visto como candidato a potência média sem imediatamente gerar hostilidade aos EUA - por tabela, não importa o quão 'bem comportado' fora o período de Lula e também o de Dilma no Planalto, à exceção do acertado protesto após o escândalo das denúncias de Snowden.
4) A guarda baixa e a vigilância ausente - por parte das autoridades de Estado brasileiras - teve seu momento de porteira aberta quando do Projeto Pontes, em mega conferência realizada de 4 a 9 de outubro no Rio de Janeiro. Esta Conferência teve amplo alcance dentro do aparelho de Estado brasileiro, em especial na criação da Força Tarefa da Lava Jato aliás, conforme recomendado no próprio link difundido pela própria correspondência diplomática difundida pelo Wikileaks. Detalhe: o Projeto Pontes teve início em fevereiro de 2009 segundo o Departamento de Estado dos EUA. Ou seja, seu desenvolvimento se deu quando o titular da pasta da Justiça era Tarso Genro; revelando que para além das abundantes críticas ao então ministro, a inteligência brasileira e a defesa do Estado eram incapazes para suas atividades-fim.
Vamos entender as obviedades. As maiores empresas de construção pesada, a indústria naval e os conglomerados econômicos complexos do Brasil estão parados. Poderíamos pensar que interromper as obras e suspender os contratos é um ato de Justiça, em função da corrupção endêmica nos contratos “batizados” através de diretores técnicos de carreira e suas indicações políticas. Mas a evidência é oposta. A União poderia decretar a intervenção nas empresas, poderíamos haver tentado aprovar leis que favorecessem o controle – ou maior controle – dos trabalhadores das grandes empresas em suas rotinas produtivas e assegurar a manutenção dos empregos através da sequência das obras e encomendas. Deu-se exatamente o oposto conforme explicado no bom texto de Emanuel Cancella, enviado aos mais poderosos veículos de mídia brasileira e jamais publicado.
O tema é recorrente, mas através das gravações das audiências presididas pelo juiz de 1ª instância federal Sérgio Moro, é possível se dar conta da profundidade do problema. Em bom artigo publicado em O Cafezinho (ver http://migre.me/vOb0e) a sequência de fatos inequívocos é recordada. Ao mesmo tempo, constata-se que o Estadão (O Estado de São Paulo) admite a possibilidade da existência de cooperação informal de membros da Força Tarefa, e em assim sendo, totalmente ilegal. Como já vimos tanto neste site como com este analista que escreve, os acordos de cooperação judicial com outros países precisam ser rigidamente coordenados por uma Autoridade Central. Esta, pela lei brasileira, seria o Ministério da Justiça (MJ) e não a Procuradoria Geral da República (PGR) através de sua Secretaria de Cooperação Internacional (SCI). Acontece uma situação ainda mais drástica, pois nem o decreto presidencial 3810/2001 foi formalmente alterado como tampouco procuradores, magistrados, delegados e auditores federais têm autorização formal para coordenar esforços com seus pares e colegas de outro país. Menos ainda se tais colegas pertencerem aos quadros da superpotência do planeta, com vantagem estratégica sobre todas as demais, e projeção de poder absoluta na América Latina, cujo pivô geopolítico é o Brasil. Tal cooperação informal seria a evidência de um Estado Paralelo no Brasil?
A segurança nacional estaria sendo ameaçada pelo Estado Paralelo, algo evidenciado pela ida do Procurador Geral da República, Rodrigo Janot, em fevereiro de 2015, aos EUA. Na ocasião, Janot foi entregar pessoalmente documentação sigilosa e sensível para os interesses do Brasil. Segundo o portal da Exame Janot visitara ainda sob o governo Dilma no segundo mandato, o Banco Mundial, a OEA e com Leslie Caldwell, o titular da Divisão Criminal do Departamento de Justiça (DoJ, equivalente ao MJ dos EUA). Ainda segundo a publicação do Grupo Abril, o então titular da PGR viajou aos EUA acompanhado de procuradores e peritos que investigaram as possibilidades de propinas em contratos com a Petrobrás ou obras brasileiras financiadas por nosso banco de fomento por mais de uma década.
“A agenda de colaboração do ‘Estado paralelo’ já estava a pleno vapor em 2015, quando o Procurador Geral da República, Rodrigo Janot, encontrou-se com Leslie Caldwell, procuradora-adjunta da Divisão Criminal do Departamento de Justiça dos EUA. Até ser indicada ao cargo pelo presidente Obama, em 2014, Leslie Caldwell havia sido sócia do escritório Morgan Lewis de Nova York, especializado em contenciosos no setor de energia, especialmente nuclear.
Na sequência do encontro nos Estados Unidos, a Operação Lava Jato desviou do alvo central, a Petrobras, e apontou para a Eletronuclear, deflagrando a “Operação Radioatividade”, com objetivo de investigar suspeitas na área nuclear. Em 2 de abril de 2015, dois meses após a visita de Janot aos EUA, o almirante Othon Luiz Pereira da Silva foi denunciado, preso e condenado a 43 anos de prisão – na prática, prisão perpétua, considerando a idade avançada do militar.”
Uma das tarefas permanentes de uma potência hegemônica é de preservar, assegurar e ampliar sua condição de exercício de hegemonia. Para tal, o hegemon, ou a Superpotência – já que a única realmente existente é os Estados Unidos – trabalha com uma lógica de antecipação, usando suas vantagens competitivas em relação a supostos rivais. Tal rivalidade não está diretamente relacionada a um discurso anti-imperialista no Brasil (sendo sincero, quem dera que este existisse) ou ao ‘bom comportamento’ do Estado brasileiro como operador diplomático de primeira grandeza e central na solução de controvérsias em organismos internacionais. O que entra no cálculo permanente são as capacidades exercidas e já instaladas, e as potencialidades que podem vir a existir. Como ativo na competição mundializada, está a complexa engenharia pesada brasileira, cujos conglomerados econômicos têm uma relação umbilical com o aparelho de Estado (como ocorre em escala mundo com todos os países poderosos) e podem avançar seus empreendimentos para cadeias de valor sensíveis, como o beneficiamento de urânio.
O rigor advindo das punições para a Odebrecht ocorridos nas Justiças de EUA e Suíça, não encontram eco nas penas executadas contra os maiores conglomerados de capital estadunidense em qualquer setor da economia. Como diz o ditado gringo: “too big to fail, too big to jail!”. Se algum leitor ou leitora considerar exagero sugiro uma breve leitura nestes dois portais – corporatewtach.org e corporatecrimereporter.com. Se me permitem o neologismo macabro, “compliance é lenga lenga para os mais fracos”. Para reforçar o argumento, trago este trecho do excelente texto de Mauro Santayana “Nota de falecimento: a engenharia brasileira está morta”.
“Leniente com suas próprias companhias, que não pagam mais do que algumas dezenas de milhões de dólares em multa, os Estados Unidos costumam ser muito mais duros com as empresas estrangeiras.
Tanto é que da lista de maiores punições de empresas pelo Departamento de Justiça dos Estados Unidos por corrupção em terceiros países – incluídos alguns como Rússia, que os Estados Unidos não querem que avancem com apoio de grupos europeus como a Siemens – não consta nenhuma grande empresa norte-americana de caráter estratégico.
A Lockheed Martin e a Halliburton, por exemplo, pagaram apenas uma fração do que está sendo imposto como punição, agora, à Odebrecht brasileira, responsável pela construção do nosso submarino atômico e do míssil ar-ar da Aeronáutica, entre outros projetos, que deverá desembolsar, junto com a sua subsidiária Braskem, uma multa de mais de R$ 7 bilhões, a mais alta já estabelecida pelo órgão regulador norte-americano contra uma empresa norte-americana ou estrangeira.”
Entendo que a exposição de argumentos e motivos já está mais que suficiente, demonstrando mesmo a uma hipotética audiência leitora não treinada, as possibilidades concretas do acionar dos EUA tendo como alvo os conglomerados econômicos cuja cadeia de valor central foca na engenharia pesada. Não por acaso, este oligopólio nacional – controlado por famílias e acionistas majoritários, além de financiados pelos megacontratos com a Petrobrás ou através do BNDES – é um ativo central na criação e projeção de excedentes de poder do Brasil para o Sistema Internacional. Tal posição estratégica no ambiente externo e interno, não modifica a natureza destes conglomerados e tampouco dos intermediários políticos profissionais. Assim, simplesmente não estamos negando a existência de corrupção, ou mesmo de corrupção estrutural. Afirmamos sim que para a Superpotência, as acusações de práticas empresariais criminosas são um recurso de guerra, uma arma com emprego tático, assim como o uso da força ou da espionagem. Logo, o alvo estratégico da relação EUA com os frutos das delações da Lava Jato, é o desmonte da Petrobrás e das empresas de engenharia complexa operando a partir do Brasil.
Assim, são duas rodadas simultâneas no meu ponto de vista. Uma, é em escala mundo, onde os Estados capitalistas apostam em suas TNCs e suas áreas de expertise. Nisso os EUA atacam. Outra rodada, interna, pode ocorrer quando o oligopólio local se reposiciona (caso isso ocorra em definitivo), e, em última instância, aceita a quebra da reserva de mercado, os acionistas majoritários vendem seus ativos e financeirizam seus lucros. Entendo que estamos vendo isso ocorrer hoje com as maiores das empreiteiras. Não se trata de uma defesa de classe, e sim de um ataque capitalista contra outra estrutura capitalista de menor envergadura. Por ser de menor envergadura, o oligopólio da engenharia pesada e complexa brasileira se enfraquece e perdemos tanto posições no SI como empregos diretos no país.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Os ataques sofridos em escala internacional pelas empresas líderes da engenharia brasileira: uma análise por esquerda - Instituto Humanitas Unisinos - IHU