09 Dezembro 2016
Foi aberta no dia 2 de outubro e encerrou-se no dia 12 de novembro a 36ª Congregação Geral dos jesuítas, que teve dois momentos maiores na eleição do novo prepósito geral, o Pe. Arturo Sosa Abascal, no dia 14 de outubro (30º sucessor de Santo Inácio), e na visita do Papa Francisco no dia 24 de outubro.
A reportagem é de Lorenzo Prezzi, publicada no sítio Settimana News, 06-12-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O principal órgão representativo, composto por 212 padres capitulares, para uma ordem religiosa de 16.740 membros, aprovou três documentos maiores: sobre a vida comunitária e a missão, sobre o governo nos seus vários níveis, e um texto de apoio aos coirmãos nos lugares mais expostos e difíceis da evangelização. Falamos a respeito com o Pe. Federico Lombardi.
Pe. Lombardi, a Congregação Geral se encerrou recentemente. Ela foi relativamente curta, mas, mesmo assim, durou mais de um mês. Entre os religiosos, muitas vezes surge a pergunta: essas estruturas representativas ainda são necessárias nas suas periodicidades tradicionais? Seria possível fazer de outra forma?
A recente Congregação Geral durou 42 dias, a mais curta dos últimos 50 anos. Mas é preciso levar em consideração que – justamente para simplificar o desenvolvimento geral – tinha sido prevista uma inovação nos procedimentos de preparação que permitia antecipar a constituição de algumas comissões e a elaboração do importante “Relatório sobre o estado da Companhia de Jesus”, que é muito útil como primeira base das reflexões dos participantes. Mas essas antecipações também custaram tempo e esforço, de modo que é preciso avaliar bem se, no fim das contas, realmente se poupou. Em todos os casos, os jesuítas, até agora, nunca pensaram em questionar o sistema das Congregações Gerais como pensado por Santo Inácio nas Constituições, ou seja, sem prazos fixos, mas com uma verificação periódica sobre se elas devem ser convocadas ou não, e com uma representatividade eletiva de todas as províncias do mundo. Embora, quando ocorram, elas requeiram um considerável esforço e empenho, elas sempre se manifestam como momentos de experiência real de união e de discernimento comum do corpo universal da Companhia de Jesus. Justamente por isso, elas requerem um tempo bastante prolongado: 200 pessoas que vêm de países e culturas e atividades apostólicas diferentes levam um certo tempo para se conhecer, se entender, trabalhar e rezar juntas, formar um consenso sobre temas importantes...
Mas, sem isso, a Companhia de Jesus ficaria privada dos momentos mais fecundos e significativos que permitam que a ordem se sinta verdadeiramente unida apesar da sua variedade “desconcertante” (como o padre geral Kolvenbach gostava de dizer!). Não se trata, de fato, apenas de formular belos documentos ou tomar decisões majoritárias, mas é preciso que isso seja o resultado de uma experiência comum, vivida e compartilhada em um mesmo espírito.
O método característico da eleição do padre geral, na conclusão dos quatro dias de “murmurações” da Congregação reunida, demonstra isso do modo mais claro: não é um momento de discussão, debate e formação de partidos, mas sempre um momento de convergência, consenso e unidade vivida.
As tecnologias modernas permitem muitas coisas boas na rapidez e na simplicidade das comunicações, mas o encontro pessoal, ficar e rezar juntos, falar cara a cara, ao menos nas situações mais cruciais e decisivas é insubstituível para a vida e o crescimento de uma comunidade real. Um aspecto sobre o qual se pode refletir é o do número total de membros da Congregação Geral, que, com o sistema representativo atual, supera os 200. É possível reduzi-lo significativamente, garantindo, ao mesmo tempo, uma representatividade eletiva suficiente em nível mundial? Não é simples, mas ainda é possível estudar.
Um momento central foi a eleição do novo geral, Pe. Arturo Sosa. Os poderes fazem do prepósito geral um ponto fundamental da Companhia. Quais são as considerações que favoreceram a sua eleição? Como está estruturada a governança da Companhia?
Em uma ordem em que a obediência religiosa é um aspecto fundamental para o modo de conceber e viver a missão apostólica, a figura do padre geral certamente é central. Os critérios de discernimento por parte dos eleitores são fáceis de imaginar. Podem variar da experiência de governo ao conhecimento da Companhia de Jesus, da sua identidade, espiritualidade e história; dos dons pessoais do ponto de vista humano, cultural e espiritual às capacidades de relações internas e externas à ordem; à consciência da realidade do mundo atual e dos desafios da Igreja nesse contexto, e assim por diante.
Naturalmente, em uma ordem religiosa que sabe que é chamada ao serviço da fé e da justiça em diálogo com as culturas e as religiões do mundo, em sintonia com a Igreja universal hoje guiada pelo Papa Francisco, os eleitores buscam uma pessoa que responda ao perfil adequado para governar nessa perspectiva. Observei várias vezes que não me parecia ser um acaso que os últimos três antecessores do novo geral eram, sim, de origem europeia, mas todos os três com a a sua vida apostólica inteira vivida “em missão”, respectivamente, no Japão, no Oriente Médio, no Japão e nas Filipinas.
Agora, temos um latino-americano que passou grande parte da sua vida envolvido no estudo e na ação na fronteira dos grandes problemas sociopolíticos do seu país: fé e justiça, com aprofundamento espiritual e intelectual das situações e dos problemas. Naturalmente, o padre geral não governa sozinho, mas com a ajuda de um conselho bastante numeroso (ao menos uma dezena de pessoas, entre assistentes regionais e outros conselheiros com tarefas específicas), e, entre esses conselheiros, quatro receberam diretamente da Congregação Geral, mediante eleição, a autoridade de “Assistentes ad providentiam”, já prevista por Santo Inácio para poder dar ao geral os conselhos úteis para o seu bem e o da ordem e, eventualmente, intervir em caso de emergência.
Que decisões caracterizaram o Pe. Sosa no provincialato na Venezuela e no seu serviço nas casas internacionais de Roma?
O Pe. Sosa, como já mencionado, esteve envolvido por muito tempo nas atividades dos jesuítas venezuelanos, mediante um importante centro social e uma revista. Também foi provincial e, depois, reitor de uma universidade católica localizada na região perto da fronteira entre a Venezuela e a Colômbia, dando uma abordagem dinâmica ao trabalho cultural em uma área particularmente rica em tensões e problemáticas sociais. A tarefa, depois, de delegado do geral para as casas e as obras internacionais de Roma (incluindo a Gregoriana, o Bíblico e o Oriental) o inseriu diretamente em atividades culturais e formativas de horizonte eclesial universal, no mundo romano e dos contatos com o Vaticano. Tendo participado de quatro Congregações Gerais, da 33ª, que elegeu o Pe. Kolvenbach, até a última, que o elegeu, ele tem um ótimo conhecimento da Companhia de Jesus também nos outros continentes.
Pode nos dizer algo sobre os documentos aprovados pela assembleia e sobre os horizontes compartilhados para o futuro?
A Congregação, acima de tudo, devia eleger um novo geral e ajudá-lo a formar a sua nova equipe de governo. Não esperávamos muitos novos documentos, porque as Congregações anteriores já tinham feito um amplo trabalho de atualização sobre a nossa vida religiosa e a nossa missão depois do Concílio Vaticano II. Mas, naturalmente, na dinâmica do mundo e da Igreja atual, é preciso desenvolver uma reflexão e um discernimento contínuo, que leve em conta a mudança das situações, dos fenômenos emergentes, do espírito dos pontificados, em particular agora o do Papa Francisco.
Foram aprovados três documentos mais importantes, um dedicado precisamente aos temas da vida religiosa (em especial, da comunidade, do seu discernimento apostólico e do seu estilo de vida) e dos desafios mais atuais da missão, outro sobre os temas do governo nos seus diversos níveis, e um que é uma mensagem de proximidade e de solidariedade aos coirmãos que vivem em situações de risco e de conflito, compartilhando os sofrimentos dramáticos dos povos com os quais vivem.
Nas longas convivências capitulares, ocorreram também intervalos divertidos. Lembra-se de algum?
Desta vez, estávamos em uma sala completamente renovada e equipada com novas ferramentas tecnológicas. Por isso, cada um de nós não podia se separar de um tablet pessoal para ler os documentos, votar, rezar, escutar as traduções simultâneas etc. Naturalmente, a tecnologia é boa enquanto funciona... Mas, às vezes, há alguns inconvenientes, e as votações com as mãos levantadas salvam a situação. Além disso, ficar juntos por longas horas, um do lado do outro, permite uma bela partilha humana e espiritual, mas, no fim, também se compartilharam os micróbios da gripe, e um bom número sofreu as consequências disso...
Quais foram as reações da Assembleia aos encontros com Francisco, o primeiro papa proveniente das fileiras de vocês? O quarto voto (obediência ao papa) foi bastante discutido no passado. Ele surgiu de novo?
O encontro com o Papa Francisco, obviamente, foi um momento culminante da Congregação. Desta vez, ele veio ao nosso encontro, enquanto no passado – como normal – era a Congregação que ia ao encontro do papa. Ele esteve conosco por mais de três horas, entre o seu discurso e a conversa de respostas às nossas perguntas livres. Tempo de grande familiaridade e serenidade, digamos até de fraternidade. Naquela sala, o Pe. Bergoglio tinha participado de duas Congregações Gerais. Alguns de nós esperavam indicações bastante concretas para a missão. Na realidade, ele nos deu uma forte inspiração espiritual para a nossa identidade de jesuítas, mas não nos dispensou do dever de fazer, nós mesmos, o discernimento que nos é exigido. O clima de sintonia entre a Companhia de Jesus e o Papa Francisco é muito forte hoje. Eu diria que é um momento de graça. Ninguém levantava problemas sobre o “sentir com a Igreja”, que, ao contrário, em outros tempos eram sentidos. Mas eu não diria que o “quarto voto” de “obediência ao papa sobre as missões” tenha sido posto em dúvida ou discutido na Companhia de Jesus. No máximo, era possível perceber ou viver problemas de maior ou menor “sintonia”. Hoje, como já disse, a sintonia é particularmente intensa.
A diversa deslocalização mundial da ordem pressupõe a inculturação do carisma de Inácio. Pode nos dar alguns exemplos e alguns critérios para isso? Que papel tem a tradição europeia?
A Companhia de Jesus vive uma situação de “transição demográfica” no sentido de que a maioria dos seus jovens são hoje asiáticos ou africanos. Os jesuítas “ocidentais” no futuro serão uma minoria em número global. Nesse sentido, a Congregação foi um momento muito importante. Por exemplo, a maior parte do numeroso grupo dos indianos se encontrava, pela primeira vez, em contato prolongado com os jesuítas de outras partes do mundo. Assim, dávamo-nos conta, concretamente, do que significa ser e construir um corpo apostólico de natureza verdadeiramente universal e unido, como nós queremos ser para realmente servir a Igreja “universal”. Quais formas concretas e “redes” de colaboração interprovincial podem ser desenvolvidas; como caracterizar a formação de modo a responder às exigências específicas de uma cultura, mas, ao mesmo tempo, sem fechá-la em relação a uma abertura maior; como assumir o objetivo comum do compromisso com a proteção dos menores em contextos culturais diferentes e assim por diante. Os encontros não só na Assembleia Geral, mas também nos grupos de trabalho mais restritos, compostos por jesuítas de diversas regiões e culturas, foram muito valiosos para entender as dificuldades, as interrogações e os desafios, para crescer na escuta recíproca, para entrever como continuar o caminho.
Imagino que a discussão interna deve ter se ampliado para as relações com outras identidades eclesiais (bispos, movimentos, leigos) e em algumas áreas, como a China...
O tema da colaboração com “outros”, sejam estes leigos mas não só, é recorrente há várias décadas. Em parte, foi imposto pela situação e pela diminuição do número de jesuítas, mas, felizmente, é acima de tudo uma expressão do crescimento da sensibilidade eclesial mais ampla, que se seguiu ao Concílio e ao caminho da Igreja no nosso tempo. Há inúmeras atividades promovidas pelos jesuítas em que os próprios jesuítas são uma pequeníssima minoria dos operadores ativos: pensemos nas atividades com os refugiados, mas também nas próprias instituições educacionais, escolas ou universidades etc.
Há também muitas atividades em que os jesuítas colaboram sem terem sido eles os iniciadores ou os inspiradores. Desenvolve-se um serviço para a Igreja ou para os outros, sem querer colocar qualquer rótulo nosso nele. Serve-se e ponto final... Nas suas homilias por ocasião das concelebrações que ocorreram depois da sua eleição, o Pe. Sosa disse isso muito explicitamente. São as exigências da humanidade e da Igreja que devem nos indicar o modo apropriado de servir com muita disponibilidade e humildade, ora tomando a iniciativa, ora colaborando subalternamente, se assim é melhor. A Congregação, em seu conjunto, exceto pela mensagem de solidariedade aos jesuítas em situação de risco ou de conflito, não abordou a missão em regiões particulares. No entanto, naturalmente, os coirmãos envolvidos em situações específicas – por exemplo, os representantes da província da China, ou do Oriente Médio ou de certas regiões africanas – puderam informar ou compartilhar as suas experiências, encontrando muita atenção por parte dos outros.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
O papa e o superior geral da Companhia de Jesus: um momento de graça e de sintonia eclesial. Entrevista com Federico Lombardi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU