Papa Francisco: "Eu escrevo as minhas homilias inspirando-me em Dostoiévski"

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12 Novembro 2016

A escolha do trecho bíblico e os apontamentos, o papa no trabalho em Santa Marta: "Eu leio em voz alta e sublinho. Se me faltam as ideias, durmo sobre elas".

(Foto: Antonio Spadaro)

Acaba de ser publicado o livro Nei tuoi occhi è la mia parola [Nos teus olhos está a minha palavra] (Ed. Rizzoli), organizado pelo jesuíta italiano Antonio Spadaro. A obra reúne as homilias e os discursos proferidos pelo então arcebispo de Buenos Aires, nJorge Mario Bergoglio, nos anos de 1999 a 2013.

O jornal Corriere della Sera, 10-11-2016, publicou alguns trechos. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis o texto.

"Qual é a diferença entre uma homilia e uma conferência?", eu pergunto. "A homilia é o anúncio da Palavra de Deus. A conferência é a explicação da Palavra de Deus. A homilia é o anúncio, é ser o anjo. A conferência é ser o doutor." Eu continuo: "O que é a homilia para o senhor? Qual é a atitude certa que o pastor deve ter?", eu lhe pergunto. "Está ligada ao ser pastor", ele me responde, "às pessoas que estão na comunidade e que estão escutando. E também está ligada à oração do pastor e à Palavra de Deus. Se faltam essas coisas, a homilia não é homilia", responde o papa.

Os círculos sobre as palavras

"E então – continuo – o senhor prepara as homilias de Santa Marta? De onde vêm aquelas palavras?" "Eu começo no dia anterior. Ao meio-dia do dia anterior. Eu leio os textos do dia seguinte e, em geral, escolho uma das duas leituras. Depois, leio em voz alta o trecho que escolhi. Eu preciso ouvir o som, escutar as palavras. E depois sublinho no livreto que eu uso aquelas que mais me tocam. Faço pequenos círculos sobre as palavras que me tocam. Depois, durante o resto do dia, as palavras e os pensamentos vão e vêm, enquanto eu faço aquilo que devo fazer: medito, reflito, degusto as coisas... Há dias, porém, em que eu chego de noite e não me vem nada à mente, em que eu não tenho ideia do que vou dizer no dia seguinte. Então, faço aquilo que diz Santo Inácio: durmo sobre isso. E, então, imediatamente, quando eu acordo, vem a inspiração. Vêm coisas certas, às vezes fortes, às vezes mais fracas. Mas é assim: me sinto pronto." O papa me leva a entender que falar sem folhas na frente não significa não se preparar. Longe disso. Ao contrário, para uma breve homilia, é necessária uma preparação espiritual e de discernimento que pode requerer quase um dia inteiro.

Os autores preferidos

"Ler romances, poesias... pode ajudar o pregador? De que modo? Parece que o senhor tem uma linguagem poética e popular... ou, melhor, poética por ser popular...", eu pergunto. "Sim, ajuda muito", responde. "Dostoiévski me ajudou muito na pregação. Por exemplo, quando, nos Irmãos Karamazov, ele conta sobre um menino de apenas oito anos, filho de uma serva. Ele joga uma pedra e atinge a pata de um dos cães do patrão. Por essa razão, o patrão atiça todos os cães contra ele. O menino foge e tenta se salvar da fúria do bando, mas acaba sendo dilacerado diante dos olhos satisfeitos do general e dos olhos desesperados da mãe. E, depois, ‘Memórias do subsolo’, que é uma joia. Mas também a poesia me ajudou muito como inspiração. Nino Costa é muito caro para mim. Rassa nostrana, dedicada ‘Ai piemontèis ch’a travajo fòra d’Italia’ e ao pai falecido na Argentina, aonde tinha emigrado por trabalho. E depois La Consolà. Lá, o campanário difunde o som dos sinos como uma voz que reza por todas as misérias humanas. E depois citei algumas vezes Dante. É claro, o seu amor a Maria: ‘Virgem mãe, filha do teu filho, humilde e alta mais do que criatura’. Mas assim também Paolo e Francesca: ‘Amor ch’a nullo amato amar perdona...’ Vê? O romance, a literatura lê o coração do homem, ajuda a acolher o desejo, o esplendor e a miséria. Não é teoria. Ajuda a rezar, a conhecer o coração..." E acrescenta ainda: "De ‘Os noivos’, eu citei o frei Cristóvão (...)".

Diante do povo

O papa diz: "Há uma palavra muito maltratada: fala-se muito de populismo, de política populista, de programa populista. Mas isso é um erro. Povo não é uma categoria lógica, nem uma categoria mística, se a entendemos no sentido de que tudo o que o povo faz é bom ou no sentido de que o povo é uma categoria angelical. Mas não! É uma categoria mítica, no máximo. Eu repito: ‘mítica’. Pessoas é uma categoria histórica e mítica. O povo se faz em um processo, com o compromisso em visto de um objetivo ou um projeto comum. A história é construída por esse processo de gerações que se sucedem dentro de um povo. É necessário um mito para entender o povo. Quando você explica o que é um povo, você usa categorias lógicas, porque deve explicá-lo: são necessárias, é claro. Mas você não explica assim o sentido de pertença ao povo. A palavra ‘povo’ tem algo mais que não pode ser explicado de maneira lógica (…)".

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