07 Novembro 2016
“Quem sabe seria bom se nós nos despíssemos, sem cerimônia, perante a nossa base, com vista a buscar um mínimo de unidade política e reconquistar sua confiança”, afirma Tarso Genro, ex-governador do Rio Grande do Sul – PT, em artigo publicado por Sul21, 06-11-2016.
Tarso Genro propõe que dê “uma olhada nas lições que vem do “oriente”, do Estado Oriental do Uruguai”.
Eis o artigo.
Depois do fracasso estrutural da política de alianças do PT, que vem desde - pelo menos – a metade do primeiro Governo Dilma, da continuidade das alianças pragmáticas e até mesmo sem princípios, que tanto nós – como o PCdoB – fizemos nestas eleições municipais; da derivação vergonhosa do PSB para o campo neoliberal; depois, ainda, da falência da política “proletária” pura do PSOL, que variou desde os desejos de aliança com Marina, até demarcações permanentes para se construir “contra o PT” – assumidas com amizades coloridas constrangedoras com a Rede Globo – posições embaladas com promessas de “secretariados técnicos” e extinção de CCs – depois de tudo isso –seria bom dar uma olhada nas lições que vem do “oriente”, do Estado Oriental do Uruguai. Quem sabe seria bom se nós nos despíssemos, sem cerimônia, perante a nossa base, com vista a buscar um mínimo de unidade política e reconquistar sua confiança.
Em 1939 tem lugar em Montevidéu um “Congresso Americano das Democracias”, poucos meses antes da eclosão da 2ª Guerra Mundial. Sua pretensão era encaminhar de forma unitária – a partir dos distintos partidos progressistas e de esquerda no continente – a “luta contra o imperialismo” e a “defesa da democracia”. Foi um fato histórico, que já vem influenciado por uma insuficiência dos partidos tradicionais para encaminhar a questão nacional e pela emergência, no cenário político – desde o início do século- do Partido Comunista e do Partido Socialista uruguaios, que buscam minar a dominação oligárquica dos partidos tradicionais.
Uma grande manifestação de massas “Por uma nova Constituição e Leis Democráticas” (julho de 1938) influenciaria decisivamente a convocação daquele Congresso. Para esta manifestação confluíram, além das forças de esquerda em emergência, o Batllismo e o Nacionalismo independente, todos os opositores frontais ao governo do general Alfredo Baldomir, segundo Miguel Aguirre Bayley, “um dos colaboradores mais próximos do ditador dr. Gabriel Terra”. A questão democrática e a questão nacional passam a definir, a partir dali, o avanço, as alianças e os retrocessos da forças políticas do país: um país que varia entre Raul Sendic e o General Seregni, do dr. Gabriel Terra ao ditador-comissário Bordaberry, de José Henrique Rodó a Jorge Batlle.
Depois de cinco anos de ausência – entre 1940 e 45 – de qualquer impulso frentista para a criação de um campo político alternativo aos partidos tradicionais, as movimentações de esquerda dos partidos Socialista e Comunista – com a criação da “Unión Popular” e da “Frente Izquierda de Liberación” na metade dos anos 50 – colocam em pauta novamente o frentismo e são estimuladas por uma série de dissensos nos partidos tradicionais. Nesta década também surge a União dos Trabalhadores Açucareiros de Artigas, tendo à testa a figura emblemática de Raul Sendic. É o mesmo período em que o dr. Ariel Collazo, líder importante do Partido Nacional dissente, assume posições próximas às ideias revolucionárias que assolam a América Latina. Enrique Erro, outro líder importante do blanquismo – depois senador pela Frente Ampla – neste mesmo período também faz uma pesada inflexão à esquerda, fundando a denominada “União Popular”.
Ali são criadas as bases para a formação da Frente Ampla que, à medida que avança a globalização, se transforma no receptáculo político da maioria das forças de esquerda -inclusive comunistas-socialistas e depois dos próprios Tupamaros – que compreendem a defesa do Estado Social Direito, como instrumento apropriado para a implementação do projeto nacional -democrático. Transitam portanto, as forças de esquerda, com seus aliados – já depois da queda da URSS – de uma visão clássica de “libertação nacional” que buscava um projeto socialista-estatista de natureza soviética, para a defesa do Estado Social, com democracia política plena: afunda a visão de “democracia popular” com partido único e partidos fantoches e recupera-se, perante as próprias classes trabalhadores e a inteligência política de todas as classes, a democracia burguesa sem adjetivos, com versões evidentemente apropriadas a cada condição de classe.
Vem a época em que Enrico Berlinguer, o grande renovador do PCI, diz que o socialismo só pode avançar com a democracia política. Não “contra ela.” Dissolvem-se todos os padrões da revolução proletária, propostos de forma consequente para a sociedade da segunda revolução em industrial, e recupera-se a ideia menchevique de longa transição. Esta, para um socialismo que não seja um mero regulador da carência pela força, mas para uma sociedade em rede, não numa sociedade industrial de produção estritamente verticalizada. É a constatação daquilo que vem formatando a crise das esquerdas em todo o mundo, gostemos ou não do seu resultado, que a Frente Ampla uruguaia soube enfrentar até agora.
Deste quadro vem a substituição da visão de “libertação nacional” inspiradora tanto da Revolução Argelina, como da Cubana e Vietnamita, pela proposta realista – permitida pela nova configuração geopolítica do mundo – que pauta, ao invés da libertação nacional, a “cooperação interdependente com soberania”, no mundo já “globalizado” sob a tutela do capital financeiro. A vitória do capitalismo sobre o socialismo soviético, portanto, impulsionou, de um lado, a democracia política e, de outro, as restrições ao Estado Social, cuja obrigações centrais deixaram de ser -pela tutela já referida- “sociais”. Passam a ser “privadas”, pois comprometidas eternamente com o pagamento da dívida, não mais com respostas aos direitos fundamentais.
Composta por partidos, frações de partidos, movimentos sociais expressivos, coletivos de base com força política reconhecida, organizações sindicais representativas, personalidades políticas, intelectuais e castrenses, representações institucionais -reconhecidas no campo democrático e de esquerda- a Frente Ampla se instalou em 5 de fevereiro de 1971. A sua Mesa Executiva foi presidida pelo senador colorado Zelmar Michelini, alguns anos depois assassinado na Argentina, a mando da ditadura uruguaia, como o foi o senador blanco Hector Guitierrez Ruiz, também dirigente da Frente Ampla. Os estatutos da Frente, sua Declaração Constitutiva, Compromisso Político e Bases Programáticas, se enlaçam num Regulamento de Organização que, ao mesmo tempo que estimula a unidade, mantém a autonomia das organizações que a compõem e que permanecem nela, à medida que acatarem as suas diretrizes gerais na política.
Depois da década de sessenta, dos duros noturnos ditatoriais e das lutas sem trégua contra a ditadura, creio que pode se dizer que a Frente Ampla é uma experiência exitosa, de como os partidos de esquerda e organizações democráticas da sociedade, forjaram uma alternativa popular e democrática, dentro da ordem, para valorizar a democracia e enfrentar a vocação totalitária do capital financeiro, que programa derrotar o Estado Social. Nesta experiência é que o PT e os demais partidos de esquerda e democrático -progressistas – ouso dizer – deveriam se inspirar, para enfrentar os duros anos que seguem ao golpismo no Brasil e à aprovação da PEC 241. Inspiração não é cópia, mas busca de fontes para pensar o presente, de forma a que se condensem, nas suas conclusões, passado e futuro.
Isso poderia começar pela preparação unitária de uma prévia, para a escolha de um possível candidato deste campo à Presidência – convocada por uma Mesa Unitária – em que se votassem, não apenas somente o nome do indicado, mas também um programa político e social, de recuperação do país e da dignidade da sua democracia, ligado aos nomes indicados. Como as utopias andam em baixa, creio que esta seja uma “utopia realista” – naquele sentido do velho Bloch – que, se não nos tira agora do isolamento e da inércia, pelo menos muda nossa atitude perante elas.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Pensar de forma ampla, pela esquerda, a nossa Frente - Instituto Humanitas Unisinos - IHU