11 Agosto 2016
A infraestrutura viária e logística na América Latina e no Caribe está à beira do colapso, ameaça as exportações de recursos naturais e encarece as importações, o que coloca a região diante de um combinado desafio de investimento, inteligência e capacidade de liderança, advertem especialistas.
A reportagem é de Orlando Milesi, publicada por Envolverde/IPS, 09-08-2016.
“Os temas da infraestrutura para os recursos naturais estão muito bem escondidos dentro da agenda política”, afirmou Gabriel Pérez, da Divisão de Recursos Naturais e Infraestrutura da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal). E garantiu à IPS que “isso ocorre principalmente pela organização dos próprios Estados, que possuem uma visão compartimentada entre ministérios que muitas vezes não conversam entre si e fazem com que essas temáticas fiquem ocultas”.
Segundo Pérez, “muita infraestrutura para setores como mineração e graneleiro, e em geral de recursos extrativistas, possui um padrão semelhante desde os tempos de colônia, quando se extraia esses recursos naturais para exportá-los rapidamente e não era necessário acrescentar-lhes valor”.
Nos anos 1960, 90% das exportações da América do Sul correspondia a produtos agrícolas, minérios ou derivados do petróleo. Atualmente estes, junto com outros produtos primários, seguem dominando o comércio exterior e contribuindo de maneira significativa o produto interno bruto (PIB) dos países da região.
A infraestrutura desempenha um papel crucial como facilitador das atividades econômicas e historicamente se desenvolveu em função das exigências dos setores de exportação mais relevantes.
Segundo o estudo Para uma Nova Governança dos Recursos Naturais da América Latina e do Caribe, realizado pela Cepal, uma infraestrutura eficiente repercute em todas as atividades econômicas e, no contexto dos recursos naturais, isto inclui não somente os exportadores de produtos básicos, mas também os fornecedores locais e as indústrias relacionadas. Além disso, destaca o custo das importações, desde tecnologias até alimentos.
Entre 2003 e 2011, a demanda de transporte dos principais recursos naturais da região aumentou 56%. No entanto, desde 2012, com a desaceleração da economia mundial, ficou atrás dos preços máximos registrados nos anos 2007 e 2011, justo antes e depois da crise financeira mundial de 2008 e 2009. Mas muitos bens primários continuam registrando níveis de preços e volumes de exportação significativamente superiores às suas médias históricas dos últimos 30 anos.
Porém, a América Latina e o Caribe têm custos logísticos que podem ser até quatro vezes maiores do que os dos países da organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômicos (OCDE), que agrupa 34 grandes economias do mundo, entre elas dois da região, Chile e México.
Nesse cenário, propiciar uma logística adequada para os recursos naturais é um tema de especial importância para o desenvolvimento da região, já que falta de infraestrutura ou os altos custos logísticos imperantes dificultam a possibilidade de realizar encadeamentos produtivos ou reexportações com valor agregado. Ou seja, “não haverá uma integração produtiva na região sem uma integração logística que a sustente”, diz o estudo.
Para isso a Cepal impulsiona, desde 2014, o projeto Integração Logística Para uma Exploração Mais Sustentável dos Recursos Naturais na América Latina e no Caribe, que busca incrementar o conhecimento dos governos da região sobre o papel da logística para o uso mais diversificado e a exploração sustentável de suas riquezas. Essa agência da ONU estima que eliminar seu déficit de infraestrutura custaria à região o equivalente a 6,5% de seu PIB.
Mas, Pérez afirmou que, se forem aproveitadas as potencialidades da integração em infraestrutura entre países vizinhos, o investimento necessário cairia significativamente. Citou, como exemplo, uma ferrovia ligando vários países, que movimentaria um volume maior e melhoraria o resultado tanto econômico como social desse investimento. Melhoraria a conectividade, desenvolvendo turismo e, por fim, avançaríamos em integração.
De concreto, o projeto propõe melhorar a distribuição modal dos fluxos internacionais, hoje concentrados no transporte por estrada em detrimento da ferrovia e do transporte fluvial. Bolívia e Paraguai, cuja via natural é a fluvial, utilizam mais o transporte viário devido aos problemas com o uso dos rios navegáveis internacionais, explicou Pérez.
“O caminhão tem um papel fundamental na logística moderna, mas é eficiente em determinadas distâncias e para determinados tipos de carga. A combinação de diferentes modos de transporte, que chamamos de ‘comodalidade’, é fundamental para se ter um transporte mais sustentável”, acrescentou Pérez.
“Estamos realizando ações importantes para recuperar essa infraestrutura fluvial natural que a América do Sul tem, que a conecta praticamente com todos os países e que permitiria movimentar uma quantidade importante de recursos naturais com externalidades ambientais bem reduzidas”, apontou Pérez.
José Joaquín Jara, diretor do Centro de Estudos do Cobre e da Mineração (Cesco), do Chile, disse à IPS que no futuro “os projetos privados de exploração de recursos naturais serão menos competitivos, com custos mais altos, maior investimento e menor retorno. Isso leva a avaliar como tornar esses projetos mais atraentes, e aí o tema de infraestrutura, transporte e logística do país ganha especial relevância”.
Para o diretor do Observatório Latino-Americano de Conflitos Ambientais, Lucio Cuenca, o projeto da Cepal tem um limitador: só aponta para “expandir e consolidar a lógica atual da integração que objetiva seguir extraindo matérias-primas para colocá-las no mercado internacional”. Ele afirmou à IPS que esta é a fonte de “uma grande quantidade de conflitos sociais na América Latina porque esses projetos não estão sendo levados adiante com a participação ou com o consentimento das pessoas que podem ser afetadas”.
Cuenca acrescentou que as dificuldades para avançar em infraestrutura não se baseiam “somente em falta de vontade política ou problemas de financiamento, mas também têm a ver com o fato de serem megaobras que causam um forte impacto”.
Apesar das críticas como as de Jara, o projeto de integração logística já tem planos-piloto na Costa Rica, com uma cadeia agrícola, no Peru com uma cadeia de mineração, e no Paraguai o mesmo acontece com a soja. Além disso, no Caribe insular e de língua inglesa se trabalhará com um país importador e exportador de hidrocarbonos. Por outro lado, El Salvador e Honduras também implantam iniciativas relacionadas ao projeto.
“Estamos nos esforçando para uma iniciativa de integração de infraestrutura logística com os países vizinhos, particularmente na América Central, apoiando a criação de uma política sub-regional onde não haja apenas a provisão da infraestrutura, mas também que regule seus serviços para serem muito mais eficientes nas cadeias logísticas”, pontuou Pérez.
De acordo com um estudo conjunto do Banco Interamericano de Desenvolvimento, Banco Mundial e Cepal, no preço de importação de um produto agrícola em países da América Central há 50% de acréscimo por problemas de facilitação, cruzamento de fronteira e falta de infraestrutura.Com o projeto da Cepal, “há uma oportunidade de vender o dobrodo lado exportador, e do ponto de vista do importador poderíamos reduzir o custo pela metade”, resumiu Pérez.
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Infraestrutura latina à beira do colapso - Instituto Humanitas Unisinos - IHU