08 Agosto 2016
Theotonio dos Santos, aos 79 anos, pode dizer que viveu os grandes processos políticos regionais na própria carne, desde seu exílio no Chile, após o golpe de 1964, no Brasil, e seu novo destino no México, em 1973, até o regresso a sua pátria com a volta da democracia, em 1985. É um dos pilares da Teoria da Dependência e, depois, do conceito de Sistema Mundial. Agora, de passagem por Buenos Aires, convidado pelo Conselho Latino Americano de Ciências Sociais (CLACSO), do qual foi um dos fundadores, ficou com a tarefa de explicar as razões pelas quais o governo de Dilma Rousseff esteja em seus últimos estertores e a região sofra um retorno ao neoliberalismo, que já parecia estar distante da região.
“Eu vejo a situação na América Latina como parte de uma ofensiva mais geral, em nível mundial”, disse, no escritório da CLACSO, onde o elemento determinante é uma perda de controle econômico e político por parte do centro hegemônico do sistema mundial, que são os Estados Unidos.
A entrevista é de Alberto López Girondo, publicada por Resumen Latinoamericano, 04-08-2016. A tradução é do Cepat.
Eis a entrevista.
Como esta ofensiva se manifesta?
Há uma postura muito desesperada de recuperação de poder e embora não tiveram o resultado que pretendiam, houve efeitos locais bastante destrutivos. É o caso do Oriente Médio, onde deixou uma crise profunda e a Rússia, que integrou um projeto de colaboração, acaba retornando a sua condição de grande inimiga da Europa.
Este novo enfrentamento começa na Síria?
Veem a Rússia como uma ameaça, principalmente por causa de sua aliança com a China, que a coloca outra vez dentro de um esquema de disputa mundial. Até o momento, só conseguiram criar algumas condições realmente difíceis no antigo mundo soviético, mas os Estados Unidos não possuem o controle da situação.
O ataque contra o governo de Dilma se explicaria, então, pela aproximação com os países BRICS?
Tudo o que não está sob o controle dos Estados Unidos passa a ser uma ameaça e os BRICS são uma ameaça estratégica para os Estados Unidos. E, em certo sentido, têm razão, porque ocupa um espaço que antes eles ocupavam. No caso latino-americano, sua preocupação passa pelo petróleo, basicamente pela Venezuela, que possui as maiores reservas do mundo, e o Brasil, após a descoberta do Pré-Sal, que tem comprometido parte das rendas em saúde, educação, ciência e tecnologia.
Frearam e boicotaram o governo de Dilma, encheram o Congresso de imprestáveis...
Isso não é difícil (riso).
A pergunta é: por que o PT não pôde fazer nada contra isso (?).
O PT sempre apostou em uma carta de negociação e uma das consequências desta política era baixar a intensidade da mobilização social e política.
Esse foi o seu grande erro?
Sempre que pude conversar com Lula sobre estas coisas, disse que era preciso haver uma unidade de esquerda, mesmo que se negociasse com quem fosse, mas era necessário ter uma base bem forte para a negociação. Se você se restringe a si mesmo, o resultado é que começa a depender cada vez mais da negociação. Lula tinha uma capacidade muito alta de negociação e havia uma expectativa de que o PT e o PSDB governassem em alternância. Este era o plano de Fernando Henrique Cardoso, depois que rompeu com a Teoria da Dependência. Mas, houve muitas concessões desnecessárias e muito negativas. Porque um país não pode se dar ao luxo de patrocinar a criação e o fortalecimento de uma minoria financeira que vive da improdutividade e da especulação.
Mas, o PT nunca atacou esses grupos financeiros.
Ao contrário, o presidente do Banco Central de Lula, Henrique Meirelles, agora é ministro da Economia (de Michel Temer) e vinha da época de Fernando Henrique. É uma figura do banco internacional. Isso ajudou a consolidar a relação de Lula com o sistema financeiro, mas o resultado é catastrófico.
O que aconteceu depois? Dilma não tem a mesma capacidade de negociação?
Existem algumas questões, primeiro a baixa no preço do petróleo pelo aumento na produção nos Estados Unidos, através do fracking, que teve um grande impacto, mas por um período localizado. Formou-se em torno de Dilma um grupo muito crítico para que o PT tentasse enfrentar essas situações negativas, e disseram que era necessário fazer um ajuste. Tudo isto em um quadro em que diziam que estávamos vivendo uma crise muito perigosa e uma inflação em expansão, que não existia – era de quatro e pouco por cento –, mas passou a existir com o aumento da taxa de juros.
Isso foi em janeiro, quando assumiu seu segundo mandato.
Em 2013, ela já começou a aceitar a ideia, forçada pelo Banco Central, de aumentar a taxa. Estava abrindo caminho para a diminuição do crescimento e não da paralisação da inflação. Pelo contrário, uma coisa que eu discuto há anos com diferentes correntes do pensamento econômico burguês, é essa história de que a inflação é o resultado de um excesso econômico que só pode ser contido através de um aumento da taxa de juros.
Uma receita clássica monetarista.
O resultado dramático é que aumenta a inflação. Que conclusão se retira? Que a teoria e a aplicação são ruins, mas não, eles dizem que a taxa de juros aumentou muito pouco. Fez-se um clima para tudo isso e já estávamos com 14% de juros e um crescimento cada vez menor.
Como será este futuro, Dilma volta ou não?
A sensação é que não havia condições para voltar, porque a campanha foi muito forte, mas o governo de transição fez muitas coisas detestáveis e, além disso, paradoxais, porque um líder sindical que apoia um governo tão antissindicalista e anti-trabalhadores tem um custo não só eleitoral, como também dentro de sua própria classe. Os líderes sindicais, inclusive os que estiveram com a direita e o impeachment, estão retrocedendo para não parecerem a favor de um aumento na idade da aposentadoria e coisas assim. É muito violento que se proponha aumentar as horas semanais trabalhadas e que se afete o próprio salário mínimo, que Lula havia aumentado em quase 200%. Isso tem uma dimensão muito grande na vida das pessoas. Se você começa a acreditar que pode propor isto em um regime de exceção, imagine o que poderia fazer, caso seja confirmado no poder. Isto está criando uma situação difícil, que ainda não teve uma fórmula de apoio a Dilma, mas no PT dizem que há possibilidade de voltar. A diferença é bem pequena, são seis votos de senadores. Claro, cada senador é um mundo e Dilma não é fácil. Ela dificilmente negociará em termos de compra-venda de votos, vem do movimento revolucionário, tem ainda uma certa fidelidade a isso, mesmo que, ao mesmo tempo, sabe que é necessário fazer estas coisas.
Mas, não gosta.
Não gosta, essa é a questão.
Dá a impressão que o Brasil renuncia a um destino histórico de liderança, que vinha sendo cumprido pelo Itamaraty, após o ingresso nos BRICS.
São 200 anos de luta pela independência da América Latina. Os pró-hispânicos e pró-portugueses lutaram por anos para se manter no poder, mesmo quando Espanha e Portugal já eram apenas um instrumento da Inglaterra. Tais tipos ainda acreditam que sua sobrevivência como classe dominante depende dessa aliança histórica. E eles acreditam que os Estados Unidos estão acima de tudo e não veem muito como operar com a potencialidade que a China traz, por exemplo, como demandante mundial. E isso é grave porque os chineses negociam de forma coletiva, em grandes projetos e, portanto, de Estado para Estado. Os empresários contam, mas como auxiliares de um planejamento estatal. Nossa burguesia não acredita nisso. Estas pessoas são como a anti-independência da América Latina.
Como vê o futuro da região? Por que o triunfo de Mauricio Macri, certamente, acelerou o golpe no Brasil e a investida contra a Venezuela.
Parece que há uma fase muito favorável para eles. Mas, quando surgir uma resistência efetiva, duvido muito de suas capacidades para controlar a situação. Porque tudo isso está acima de um mundo criado pelos meios de comunicação, por uma negação de realidades, pela criação de situações psicológicas com pessoas muito especializadas e que sabem muito bem transmiti-las às massas. Realmente, a ideia de manipular o mundo como se o livre mercado fosse a fonte do crescimento econômico, do desenvolvimento, é uma coisa absurda. Não é possível citar nenhum setor econômico que não seja dirigido pelo investimento estatal e nenhum processo de enriquecimento que não passe pela transferência de recursos do Estado. O que nos leva a uma falsa questão a respeito da qual a esquerda também deve aprender: a de que é preciso cortar gastos para transferir para essa minoria que está basicamente no setor financeiro. No Brasil, pagamos 40% a mais do gasto público para uma dívida criada explicitamente por razões macroeconômicas.
Este cenário significa que em algum momento pode haver grandes levantes. Isso não poderia levar a situações como as do Oriente Médio?
Em último caso sim, mas não acredito que os Estados Unidos queiram, porque o custo é muito elevado em um momento em que eles estão retirando tropas para fazer uma coisa que soa incrível e que dizem claramente: cercar a China. No Oriente Médio, os resultados foram desastrosos. Pode ser que a estratégia fosse a do caos criativo. Se foi, já conseguiram.
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“O que não está sob controle dos Estados Unidos passa a ser uma ameaça”. Entrevista com Theotonio dos Santos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU