03 Agosto 2016
"O naufrágio do Atol das Rocas vai acontecer mais cedo do que o imaginado. O aquecimento global está acontecendo de maneira mais rápida do que se previa até pouco tempo atrás. O ano de 2015 bateu o recorde de temperatura da história do Holoceno por larga margem. E os 6 primeiros meses de 2016 foram ainda mais quentes do que a média de 2015. Artigos científicos recentes mostram que os oceanos podem subir mais de um metro até o final do século XXI. Isto seria suficiente para fazer desaparecer o Atol das Rocas. Mas com a continuidade das emissões de gases de efeito estufa o nível dos oceanos podem subir muito mais no século XXII e adiante. Assim, o engolimento do Atol das Rocas é apenas uma questão de tempo", escreve José Eustáquio Diniz Alves, Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE, em artigo publicado por EcoDebate, 02-08-2016.
Eis o artigo.
Imagem: Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio)
O Brasil vai diminuir de tamanho. Fisicamente não será muito. O país vai perder um território pequeno, porém, um dos pedaços mais bonitos e ricos da biodiversidade brasileira. O Gigante “deitado eternamente em berço esplêndido, ao som do mar e à luz do céu profundo” vai perder o Atol das Rocas para o aquecimento global e o aumento do nível dos oceanos. Quem vai invadir o Atol das Rocas não é nenhuma outra potência internacional, mas a perda de soberania deve ocorrer para as mudanças climáticas e a invasão das águas salgadas, em decorrência do degelo das águas doces dos glaciares.
Os Atóis são ilhas formadas pelo crescimento de recifes ao redor do cume de vulcões submersos e se concentram principalmente nos oceanos Pacífico e Índico. O Atol das Rocas é o único existente no Atlântico Sul, fazendo parte da lista de patrimônios naturais da humanidade da Unesco.
Reportagem de Herton Escobar, para o Estadão, mostra que o Atol das Rocas fica no topo de um monte submarino de origem vulcânica, de aproximadamente 4 mil metros de altitude. Mas sua estrutura não é vulcânica. Toda a ilha é de origem biogênica, construído por organismos vivos. O atol é essencialmente um recife circular que começou a se formar há mais de 5 mil anos, crescendo como uma coroa ao redor do pico da montanha, que hoje está 25 metros abaixo da superfície, como pode ser visto pela figura abaixo. Os principais responsáveis pela construção do recife, curiosamente, não foram os tradicionais corais, que são minoria em Rocas. Cerca de 70% da obra foi realizada por algas coralinas incrustantes, que têm a mesma capacidade para precipitar carbonato de cálcio da água do mar. A área do atol é de 5,5 km², suficiente para acomodar cerca de 70 Maracanãs.
Imagem: Gisele Oliveira Glauco Lara/EcoDebate
O naufrágio do Atol das Rocas vai acontecer mais cedo do que o imaginado. O aquecimento global está acontecendo de maneira mais rápida do que se previa até pouco tempo atrás. O ano de 2015 bateu o recorde de temperatura da história do Holoceno por larga margem. E os 6 primeiros meses de 2016 foram ainda mais quentes do que a média de 2015. Artigos científicos recentes mostram que os oceanos podem subir mais de um metro até o final do século XXI. Isto seria suficiente para fazer desaparecer o Atol das Rocas. Mas com a continuidade das emissões de gases de efeito estufa o nível dos oceanos podem subir muito mais no século XXII e adiante. Assim, o engolimento do Atol das Rocas é apenas uma questão de tempo.
O Atol das Rocas é uma estrutura natural muito frágil para suportar a acidificação dos mares, o aumento da temperatura das águas e a elevação do nível dos oceanos. As tartarugas marinhas não vão ter como botar os ovos nas areias e esquentá-los ao sol. As aves não vão ter onde pisar em solo firme. A presença humana na Ilha do Farol e na Ilha do Cemitério ficará inviável.
O pedaço do território que o Brasil vai perder no seu extremo nordeste é pequeno. Mas o Estado brasileiro se preocupa com a perda de soberania sobre o mar territorial. A Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, de 1982, fixou a extensão do mar territorial a um limite de até 12 milhas marítimas, medidas a partir da linha de base aplicável, onde o Estado costeiro exerce plena soberania, que se estende ao espaço aéreo sobrejacente, ao leito e ao subsolo do mar, permitindo, porém, a passagem inocente (inofensiva) para todos os navios de todos os Estados. O limite superior da Zona Econômica Exclusiva (ZEE) definido pela Convenção sobre os Direitos do Mar foi estabelecido em 200 milhas marítimas, a partir das linhas de base que mede a extensão do mar territorial (Figura abaixo).
Segundo o ICMBio (2007), na ZEE, o Estado costeiro tem direitos de soberania para fins de exploração, aproveitamento, conservação e gestão dos recursos naturais, vivos ou não, das águas sobrejacentes ao leito do mar, do leito do mar e seu subsolo. Trata-se do exercício de direitos de soberania sobre recursos naturais. Portanto, o naufrágio do Atol das Rocas vai significar uma perda de soberania marítima muito maior do que o pequeno território perdido.
Imagem: EcoDebate
Evidentemente, o Atol das Rocas será apenas uma primeira perda territorial. Outras ilhas e partes do litoral brasileiro também vão desaparecer em decorrência do avanço do mar e da força das ondas e das marés. Se o nível do mar continuar aumentando, no futuro, também o Arquipélago de São Pedro e São Paulo que está a quase mil quilômetros do Rio Grande do Norte, pode praticamente desaparecer. Praias como Ponta Negra em Natal estão fadadas a desaparecer em pouco tempo. Mesmo a famosa “princesinha do mar” pode desaparecer. No último fim de semana antes das Olim-piadas do Rio 2016, a ressaca em Copacabana jogou areia nas instalações olímpicas e na avenida Atlântica. Isto é só um sinal do que vem por aí no futuro.
Como mostrou o ambientalista Roberto Malvezzi, o Gogó, aqui no Ecodebate, o Brasil pode dar adeus a várias de suas maravilhas:
Adeus, Maravilhas Brasileiras
Adeus,
Canoa Quebrada, Ipanema e Princesinha do Mar,
Boa Viagem.
Vem o mar te engolir.
Adeus,
Tibau, praia de Iracema, coqueirais de Maceió,
Itapoã, Rio Vermelho, Farol da Barra.
Boa Viagem.
Vem o mar te engolir.
Adeus,
Foz do rio São Francisco,
Delta do Parnaíba,
Lençóis Maranhenses
Boa Viagem.
Vem o mar te engolir.
Adeus,
Manguezais,
Restingas,
Lençóis freáticos do litoral.
Boa Viagem.
Vem o mar te engolir.
Adeus,
Recife, cidade baixa de Salvador,
Lagoa dos Patos,
Balneário Camboriú,
Boa Viagem.
Vem o mar te engolir.
Adeus,
Praias de Noronha,
Ilha do Marajó,
Atol das Rocas,
Boa Viagem.
Vem o mar te engolir.
Adeus,
Comunidades de Diogo Lopes e Barreirinho,
– Vocês que deram a vida pela reserva extrativista –
Marisqueiras do Recôncavo,
Pescadores da Bahia de todos os santos,
Nem com todos os santos.
Boa Viagem.
Vem o mar te engolir.
Adeus,
Litoral brasileiro,
Onde as crianças brincavam,
Os turistas pasmavam-se,
Onde tomávamos sol,
Jogávamos futebol
E as garotas de Ipanema
Desfilavam sua beleza.
Boa Viagem.
Vem o mar te engolir.
Adeus,
Sertão nordestino,
Ser tão bonito,
Ser tão musical,
Ser tão feliz.
Vem o deserto te engolir.
Boa Viagem.
Adeus,
Floresta amazônica,
Paraíso onde o espírito pairava sobre as águas,
E os espíritos habitavam as árvores,
Onde Deus descansava do seu longo trabalho criador.
Vem a savana te engolir.
Boa Viagem.
Adeus,
Maravilhas brasileiras,
Perdemos para a razão irracional.
Ficareis guardadas nas fotos dependuradas nas paredes,
Armazenadas em discos rígidos de computadores,
Na música de Tom Jobim
E nos poemas de Drummond.
Guardaremos a memória dessa infinita tristeza,
Da perda irresgatável da infinita beleza.
Boa Viagem.
Referências
ICMBio. Plano de manejo para a reserva biológica do Atol das Rocas, 2007
Herton Escobar. Reportagem Especial: Atol das Rocas, SP, 26/09/2012
Greenpeace. À deriva. Um panorama dos mares brasileiros
Adeus, Maravilhas Brasileiras, por Roberto Malvezzi (Gogó), Ecodebate, 10/04/2007
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