01 Junho 2016
“As despesas com juros e swap cambial alcançaram em 2015 valor equivalente a mais de quatro vezes o orçamento da educação e da saúde, mais de cinco vezes o déficit da previdência, 18 vezes o Bolsa Família e 25 vezes o orçamento de transporte”, escrevem Luiz Gonzaga Belluzzo e Gabriel Galípolo, economistas, em artigo publicado por CartaCapital, 01-06-2016.
Segundo eles, “no liberal EUA, aproximadamente 45% da carga tributária incide sobre a renda, lucros e ganho de capital e menos de 20% sobre bens e serviços. Na desenvolvida Dinamarca, a participação da tributação sobre renda, lucros e dividendos chega a quase 65% da carga. No Brasil, a tributação sobre renda e lucro representa menos de 20% da carga, enquanto a incidente sobre bens e serviços responde por mais de 50%”.
“A imposição de um teto para o crescimento do gasto primário será insuficiente para domesticar a relação dívida/PIB, se a política monetária permanecer como sujeito oculto da narrativa dos economistas – afirmas os economistas. Ademais, o debate acerca do gasto público precisará superar a questão da quantidade, analisar sua qualidade e incluir o questionamento da estrutura tributária. Para os homens de boa-fé, isso significa discutir quem paga e quem recebe”.
Eis o artigo.
O “ajuste econômico” até agora anunciado pelo governo Temer é qualitativamente distinto do ensaiado em 2015 pelas “mãos de tesoura” de Joaquim Levy. A revisão da meta fiscal autorizou quase dobrar o valor do déficit primário. A mudança obedece a uma lógica oposta à de cortes nas despesas discricionárias, com o propósito de converter o déficit fiscal em superávit a curto prazo. No primeiro ano do segundo mandato de Dilma Rousseff esse objetivo foi obstado pela queda acentuada da receita.
Alguns analistas já atinaram: a ladina ampliação do déficit primário para mais de 170 bilhões de reais sinaliza a ampliação dos gastos no ano em curso, em vez do esperado e alardeado corte. A meta de superávits primários como porcentual do PIB foi substituída pelo conceito de limite ao crescimento do gasto primário, cuja ampliação deverá ser proporcional à da inflação do ano anterior.
A nova métrica do “equilíbrio fiscal” busca impedir o crescimento real do gasto primário de um ano para o outro. A redução de sua participação porcentual no PIB não será obtida pelo corte absoluto a curto prazo, mas pela perda da participação relativa decorrente de um crescimento inferior ao da expansão do PIB ao longo dos anos.
A nova perspectiva procura contornar os percalços do austericídio fiscal de 2015. Nesse ano, em cenário de retração econômica, a busca de superávits primários exigia mais cortes, desatando uma espiral viciosa, pró-cíclica, que derrubava ainda mais a arrecadação e tornava distante a obtenção dos resultados pretendidos.
O equilíbrio da relação entre dívida e PIB exige que a dívida bruta do setor público cresça à mesma taxa que o PIB nominal. Para evitar a majoração da razão fatal é preciso quitar a diferença entre o crescimento do numerador (dívida) e denominador (PIB nominal). Isso exige que a arrecadação do governo supere suas despesas em montante proporcional ao serviço da dívida (superávit primário). Caso o setor público consolidado apresente, por hipótese, um déficit nominal de 10% do PIB em 2016, e o crescimento nominal da economia seja de 5%, seria necessário um superávit primário de 5% para a manutenção da relação dívida/PIB.
Ao longo de 15 anos (1998 a 2013) os superávits primários não foram capazes de impedir o salto da dívida bruta do setor público. A indigitada saltou de 40%, em 1998, para quase 58% do PIB, em 2013, acompanhada da elevação de 6% na carga fiscal, também medida em relação ao PIB.
Essa dinâmica perversa decorre dos efeitos da política monetária no resultado fiscal: em 2016 aproximadamente 90% do déficit nominal que engorda a dívida bruta é devido ao pagamento de juros nominais, e não ao déficit primário.
As despesas com juros e swap cambial alcançaram em 2015 valor equivalente a mais de quatro vezes o orçamento da educação e da saúde, mais de cinco vezes o déficit da previdência, 18 vezes o Bolsa Família e 25 vezes o orçamento de transporte. Caso os economistas insistam em tentar ocultar o paquiderme debaixo do tapete, a nova meta fiscal promete ser tão insuficiente quanto a anterior na contenção da trajetória da dívida bruta.
Aí, entra na festa a convidada principal que, num ritual de prestidigitação, estava ausente. No mundo da finança globalizada as políticas econômicas “internas” estão limitadas pela busca de condições atraentes para os capitais em movimento. A estratégia brasileira é seduzir os investidores “estrangeiros” com os juros mais altos do mundo e apreciar a moeda doméstica para ajudar no combate à inflação.
Desde os anos FHC, a abertura da conta de capitais à brasileira é o fio desencapado que detona choques de juros na instância fiscal e traumas de valorização/desvalorização do câmbio que desorganizam as expectativas de longo prazo, leia-se, as decisões de investimento. Libertar a economia dos grilhões da armadilha monetária exige a adoção de políticas prudenciais para administrar os fluxos de capitais.
A imposição de um teto para o crescimento do gasto primário será insuficiente para domesticar a relação dívida/PIB, se a política monetária permanecer como sujeito oculto da narrativa dos economistas. Ademais, o debate acerca do gasto público precisará superar a questão da quantidade, analisar sua qualidade e incluir o questionamento da estrutura tributária. Para os homens de boa-fé, isso significa discutir quem paga e quem recebe.
No liberal EUA, aproximadamente 45% da carga tributária incide sobre a renda, lucros e ganho de capital e menos de 20% sobre bens e serviços. Na desenvolvida Dinamarca, a participação da tributação sobre renda, lucros e dividendos chega a quase 65% da carga. No Brasil, a tributação sobre renda e lucro representa menos de 20% da carga, enquanto a incidente sobre bens e serviços responde por mais de 50%.
Nas despesas, preocupa especialmente a ameaça aos gastos com saúde e educação, bem como a tentativa de relativizar os direitos adquiridos. O exame das contas da Previdência, sistematicamente acusada como a razão de todos os males, apresenta superávit no setor urbano desde 2009, por causa do aumento do emprego formal.
A previdência rural apresenta um componente de assistência social. Quem passou a vida trabalhando no campo tem direito à aposentadoria por idade, mesmo sem ter contribuído para o INSS, comprovando o exercício da atividade rural por um período mínimo exigido. O valor do benefício é de um salário mínimo. Os aumentos diferenciados para o salário mínimo desempenharam papel central na redução da desigualdade no Brasil.
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