03 Mai 2016
Detenho-me em três parágrafos do texto do último capítulo da Encíclica Louvado seja, onde Francisco fala de “conversão ecológica”. “Desejo propor aos cristãos algumas linhas de espiritualidade ecológica que nascem das convicções de nossa fé, porque o que o Evangelho nos ensina tem consequências sobre o nosso modo de pensar, de sentir e de viver”.
O comentário é de Alberto Olivetti, publicado por Il manifesto, 29-04-2016. A tradução é de Benno Dischinger.
Refere-se a um ponto do magistério de Bento XVI que, na Caritas in veritate [Caridade na verdade] reflete sobre as implicações morais de cada ato econômico quando, considerando que “o tema da degradação ambiental chama em causa os comportamentos de cada um de nós” (Mensagem para a Jornada Mundial da Paz), constata que “os desertos exteriores se multiplicam no mundo, porque os desertos interiores se tornaram tão amplos” (Homilia para o solene início do ministério petrino). Segue daí, diz Francisco, que “a crise ecológica é um apelo a uma profunda conversão interior”. Uma mudança espiritual que “comporta o deixar emergirem todas as consequências do encontro com Jesus nas relações com o mundo” que nos circunda. A encíclica exorta os cristãos a entesourar o “modelo de São Francisco de Assis, para propor uma sã relação com a criação como uma dimensão da conversão integral da pessoa”.
É no espírito da mais autêntica inspiração de São Francisco que a evocação evangélica encontra o seu cotejo na “criação”. Criação e palavra divina de salvação coincidem. Francisco reconhece em todo lugar a presença divina de tal modo que interioridade e exterioridade se refletem uma na outra, se compenetram, se dissolvem se fazendo um. Recordamos o passo capital das Considerações sobre os estigmas. No site da Verna é registrada, uma vez para sempre, a permanência da hora da paixão e morte de Cristo que imprime em todo o entorno, na natureza, o sinal do seu acontecer e do sempre de novo o seu persistir.
Leiamos, por extenso, a célebre página: “Foi a poucos dias, estando-se santo Francisco afastado da dita cela e considerando a disposição do monte e maravilhando-se das grandes fendas e das rochas grandíssimas, se pôs em oração; e então lhe foi revelado por Deus que aquelas fendas tão maravilhosas tinham sido feitas milagrosamente na ora da paixão de Cristo, quando, segundo o que diz o Evangelista, as pedras se romperam. E isto quis Deus que singularmente aparecesse sobre aquele monte da Verna, a significar que nesse monte se devesse renovar a paixão de Jesus Cristo, na alma sua por amor e compaixão, e no seu corpo por impressão dos Estigmas”. Impressão, ou melhor, marca e sinal, tanto no corpo de Francisco como no lugar que o acolhe, onde mora, a significar uma harmonia, uma reciprocidade, uma plenitude de “espiritualidade ecológica”. Lá onde o místico e o contemplativo se convertem numa operante e ativa inter-relação homem-natureza.
Hoje atua uma poderosa demolição do ambiente. Ela responde a imposições de ordem econômica, mas é conduzida para encher de escórias e detritos que iludem o bem-estar com um vazio interior alimentado pela “obsessão por um estilo de vida consumista”. Os “desertos interiores” que nos anulam exigem a recusa de toda moderação e negam o reconhecimento de qualquer limite, enquanto acolhem e exaltam o exercício permanente da violência, pondo em obra destruições contínuas. Diz Francisco: “A espiritualidade cristã põe um modo alternativo de entender a qualidade da vida e encoraja um estilo de vida profético e contemplativo, capaz de desfrutar profundamente sem ser obsessionados pelo consumo”.
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Espiritualidade ecológica - Instituto Humanitas Unisinos - IHU