Por: André | 25 Abril 2016
As “classes a meia” que emergiram na América Latina são vulneráveis e reivindicativas de uma cultura popular e étnica própria, são democratas e protestam para comunicar demandas.
O artigo é de Cecilia Güemes e publicada por Open Democracy, 19-04-2016. A tradução é de André Langer.
Cecilia Güemes é pesquisadora García Pelayo do Centro de Estudos Políticos e Constitucionais, doutora em Ciências Políticas (Universidade Complutense de Madri), mestre em Ciências Sociais orientação Sociologia (FLACSO-Argentina). É coordenadora e co-fundadora do Grupo de Pesquisa em Governo, Administração e Políticas Públicas (GIGAPP, Espanha).
Eis o artigo.
Há quatro meias verdades que se difundiram amplamente nos últimos anos na academia, na imprensa e nas conversas do dia a dia em relação às classes médias na América Latina:
1) As classes médias aumentaram de maneira espetacular na última década;
2) Existem notáveis diferenças entre as classes médias tradicionais e as novas classes médias ou classes médias emergentes;
3) A insatisfação com os serviços públicos e as demandas sociais das classes médias colocam em perigo o apoio à democracia;
4) As classes médias foram atores centrais dos protestos cidadãos.
Mas é necessário matizar e fazer uma reflexão sobre estas meias verdades.
A primeira afirmação supõe certo orgulho para os governos da região. Segundo dados de consumo do Banco Mundial, em 1995 duas de cada 10 pessoas podiam ser consideradas de classe média, ao passo que em 2009 eram três de cada 10 (consumo entre 10 e 50 dólares por dia). As classes médias experimentaram um notável crescimento e isso não se atribuía apenas a uma conjuntura econômica favorável para a região, mas também às políticas sociais de transferência monetária condicionada desenvolvida pelos governos.
Fonte: http://bit.ly/1NyYH1B |
Fonte: Banco Mundial.
No entanto, a alegria com que se difunde a saída da pobreza de milhões de pessoas oculta a vulnerabilidade da classe média emergente, a persistência de uma dolorosa desigualdade e as diferentes oportunidades de inserção e futuro que têm este novo estrato social. Quem faz parte do que denominamos classe emergente sente-se feliz enquanto ganha em identificação e integração social simbólica, mas em alguns países não tem garantidos os direitos elementares das classes médias tradicionais, como a saúde ou a educação, nem tampouco a suficiente capacidade de economia para prevenir-se em caso de mudança de ciclo.
Fonte: http://bit.ly/1NyYH1B |
Segundo, vinculado ao ponto anterior, as diferenças objetivas entre as classes médias tradicionais e as novas classes médias se vislumbram claramente em termos de renda e de distância da linha de pobreza. Nas primeiras, o chefe de família desempenha uma ocupação não manual e o ingresso familiar total flutua entre o equivalente a quatro linhas de pobreza, como nível inferior. Nas segundas, seus integrantes têm uma ocupação manual que depende em maior medida do autoemprego, ou então têm um emprego que não é regido por contrato nem goza de cobertura de segurança social, e seus ingressos per capita estão acima da linha de pobreza, mas abaixo do limiar de 10 dólares.
Os sociólogos e observadores destacam, além disso, diferenças em termos de atitudes e aspirações entre estas velhas e novas classes médias. À classe média tradicional – integrada por empregados em trabalhos não manuais, citadinos, ocidentalizados, que vivem em bairros tradicionais próximos das classes altas – contrapõe-se este grupo de trabalhadores manuais, com gostos ocidentalizados, mas matizados por um toque cultural reivindicativo, onde o componente racial está mais presente e têm valores socialmente mais conservadores (em relação ao aborto, ao divórcio, ao uso de preservativos, etc.).
No entanto, em termos de percepções sobre as instituições e o desempenho do governo, as diferenças quase não se apreciam. Ambos os estratos desconfiam das instituições, estão insatisfeitos com os serviços públicos, consideram o governo ineficiente e corrupto e estão aterrorizados com a insegurança cidadã. Em 2015, a confiança no Congresso beirou os 29% entre aqueles que se sentem fazendo parte da classe média tradicional e 27% entre os da classe média baixa, ao passo que a confiança no Governo está por volta de 35% e 34% em média e a confiança social ou interpessoal, 18% e 16%, respectivamente.
Fonte: http://bit.ly/1NyYH1B |
A satisfação com os serviços públicos para 2015, segundo dados do Latinobarómetro, é quase sempre inferior a 50%. Especialmente preocupante é a insatisfação com instituições fundamentais do Estado de Direito. Em média, 66% das classes médias tradicionais e emergentes estão insatisfeitas com o funcionamento da polícia e 67% com o funcionamento dos tribunais.
Terceiro, tomando em consideração a insatisfação das classes médias com os serviços públicos e o desempenho estatal, teme-se que as demandas das novas classes médias coloquem em risco a estabilidade democrática e desestabilizem o próprio sistema e os governos que as tornaram possível. Aqui cabe esclarecer que o apoio à democracia em comparação com qualquer outra forma de governo é de 64% entre a classe média tradicional e de 65% entre aqueles que se sentem classe média baixa, ao passo que a satisfação com o funcionamento da democracia é de 42% e 41%, respectivamente. Valores que não variaram chamativamente no tempo se se tem em conta as respostas de outras ondas do Latinobarómetro.
Em seguida, ao contrário do estimado, os modelos estatísticos que desenvolvemos provam que a satisfação com a democracia não se vê afetada de modo significativo pelo descontentamento e pela má avaliação dos serviços públicos. Pelo contrário, o principal fator que parece condicionar a satisfação com a democracia é a confiança no governo e a percepção da desigualdade. De modo que a performance do governo não seria determinante na satisfação com o regime e, ao contrário, sim o seria sentir que a sociedade segue sendo desigual ou o Governo não merece confiança.
Fonte: http://bit.ly/1NyYH1B |
Em quarto lugar, e associado ao anterior, considera-se que as classes médias são as protagonistas dos protestos sociais enquanto demandantes de direitos e bens que consolidem seu status.
No entanto, os resultados de pesquisas realizadas sustentam que se sentir de classe média ou baixa não levaria à maior ou menor participação nos protestos sociais. Se bem que os níveis educativos são significativos para explicar a participação política não formal. Maiores níveis educativos advertem uma maior probabilidade de unir-se a um protesto. Isto poderia indicar que a educação contribui para um melhor conhecimento dos direitos cidadãos e sua reivindicação.
Por outro lado, a confiança nos partidos políticos e no governo mostra-se relevante para explicar a participação nos protestos e marchas autorizadas. Com isso, perde peso a hipótese segundo a qual os protestos sociais se explicam como decorrência de classes médias que querem consolidar seu status alcançado e ganha força a ideia de que as classes médias não buscam desestabilizar os governos nem são antissistema, mas que utilizam os protestos como via de comunicação com os mesmos.
Em síntese, estas classes médias ou “classes a meia” que emergiram na América Latina são vulneráveis e reivindicativas de uma cultura popular e étnica própria, são democráticas e protestam para comunicar demandas.
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Classes médias na América Latina. Mitos e realidades - Instituto Humanitas Unisinos - IHU