06 Abril 2016
Ex-ministro da Educação da presidente Dilma Rousseff, Renato Janine Ribeiro acredita que o ex-presidente Lula seria o único com capacidade de articulação para promover uma conciliação e destravar a crise política, mas avalia que mesmo se ele conseguisse, não chegaria como favorito nas eleições de 2018.
Para ele, a ferida do Partido dos Trabalhadores depois dessa crise é muito grande e o partido não conseguirá se recuperar para o pleito presidencial.
Mesmo com a nomeação aclamada por especialistas, Janine foi demitido depois de cinco meses no cargo para "acomodar" a saída de Aloizio Mercadante da Casa Civil. Ele diz que nenhum dos lados conseguirá governar por loteamento de cargos - nem a presidente Dilma Rousseff, nem o vice Michel Temer, caso assuma a presidência.
A entrevista é de Néli Pereira, publicada por BBC Brasil, 05-04-2016.
Eis a entrevista.
Qual a sua avaliação do momento atual para o governo – dá para pensar na continuidade do mandato da presidente Dilma Rousseff?
Imprevisível agora. Todos os sinais das últimas semanas caminham na direção do fim do mandato dela, mas ao mesmo tempo, há fatores que vão na outra direção, está tudo muito oscilante de um ano e pouco para cá. No fim do ano passado parecia que o impeachment estava afastado, que a oposição havia cometido um enorme erro se associando à extrema direita, e que o governo tinha conseguido um êxito ao colar a imagem do Eduardo Cunha nas iniciativas do ex-candidato Aécio Neves. De lá para cá uma série de medidas mudou essa percepção, ações no Supremo, decisões judiciais, a má repercussão da indicação do ex-presidente Lula como ministro. Mas continua sendo uma contagem do olho eletrônico para saber o que vai acontecer. O fato é que se ela conseguir evitar o impeachment, não resolverá os problemas do Brasil e se o impeachment passar, também não. As questões estão excessivamente colocadas no protagonismo político quando o grande problema que temos hoje é redefinir uma política econômica, que é uma demanda especialmente da oposição, preservando os programas sociais e até os ampliando, que é o que defende o PT. E juntar essas duas metas está extremamente difícil, está um certo diálogo de surdos agora.
Para tentar barrar o impeachment o governo vem tentando apoios individuais, promovendo uma espécie de leilão, varejão dos cargos. Pode ser que isso realmente consiga reunir os votos necessários para evitar o processo, mas é possível pensar num governo pós essas articulações, com essa nova base? Como governar pós esse "saldão"?
Minha experiência de acompanhar política há muito tempo mostra que nunca o resultado é tão ruim quanto o que foi propalado. Eu não acredito que o varejão vai ser como estão dizendo. Mas já houve casos assim delicados, como a retirada do ministro Arthur Chioro da Saúde para entregar a pasta a um representante do PMDB que não tem o mesmo nível e que não agrega votos para a presidente. Fala-se de entregar a Saúde e a Educação para um desses menores - pode ser que haja troca desse tipo, e pode ser que isso faça diferença nos votos. Mas é evidente que, para ter um governo, vai ser necessário que o lado vitorioso veja bem como faz com essas concessões – o governo vem fazendo isso e a oposição faz igual – quando a oposição apoia o Cunha, ou quem o apoia, se abraça em gente igual, ou pior. Se Michel Temer assumir a presidência vai conseguir governar com um governo loteado pelo PMDB e outros partidos? Se Dilma continuar, vai governar com o ministério loteado por partidos desse nível? Nenhum dos lados terá condições de governar o Brasil pelo loteamento. Por outro lado, esses partidos menores, essas forças políticas pequenas conseguiram espaço porque o Executivo e o Legislativo se enfraqueceram, nunca os vi tão fracos, e isso abriu esse tipo de espaço, para preencher esse vazio. Tudo isso está ligado ao esvaziamento de lideranças.
O jornal Folha de SP neste fim de semana pediu a renúncia da presidente, e se fala também em novas eleições. Ela mesma já disse que "não tem cara de quem vai renunciar". Conhecendo a presidente como você conhece, se pode imaginar um anúncio de renúncia por parte dela, ou a convocação de novas eleições?
Uma renúncia eu acho muito difícil, uma pessoa que já passou pelo o que ela passou, que tem frieza e tranquilidade mesmo em circunstâncias muito difíceis, acho muito improvável ela ceder a isso até porque o jogo é colocado na base do tudo ou nada. É bom notar que o editorial da Folha significa, antes de qualquer coisa, que há reconhecimento, por parte deste jornal, de que não há provas suficientes para o impeachment, e que isso poderia gerar problemas sociais muito maiores do que os de agora, então não é um ataque contra a presidente apenas. Penso que seria muito importante introduzir novos atores nessa discussão – vejo o empresariado e os movimentos sociais muito fracos na discussão que está sendo protagonizada nesse momento por parlamentares, alguns com representatividade escassa. Um dos aspectos terríveis dessa crise, para além do fato de que a própria presidente não exerce uma liderança respeitada pela maior parte da população brasileira, é que o mesmo vale para o Congresso. Então, é preciso fazer novas injeções de representatividade aí. Mas não acredito que nesse momento novas eleições seriam benéficas, no clima de raiva e ódio que o Brasil está hoje é possível que acirrasse as tensões mais do que poderia colaborar para construir um futuro para o país. Muito mais importante é dialogar, ver como se sai desse impasse. O que eu estou vendo nos atores políticos é que eles parecem preferir perder a negociar.
Que avaliação o senhor faz do impacto disso tudo no PT e na esquerda brasileira?
A esquerda não fez um balanço adequado do que foi o governo Lula – para boa parte foi de grande sucesso, mas os acordos dele com o empresariado e com o capital são vistos como uma mancha, como algo que poderia e deveria não ter sido feito. Muita gente que pensa em refazer a esquerda, pensa numa esquerda sem o compromisso com o capital, quando na verdade foram esses acordos que permitiram a ele ter ganhos sociais. A esquerda vai fazer o que quando sair do governo? Vai retomar política de reinvindicações e solicitações sem dizer de onde virá esse dinheiro? Ou vai tentar outra política, que no fundo seria uma social democracia? O PT teria que fazer um bom reexame da sua trajetória, ver para quem ele é um partido – para os trabalhadores, políticos, classe média? E escolher mais de um desses grupos. E piora o fato de que algumas lideranças do PT, totalmente contra a vontade do Lula e da Dilma, desenvolveram um clima de ódio à classe média. Então a classe média, sobretudo em São Paulo, tem uma hostilidade até selvagem ao PT.
Há uma crítica grande da postura da presidente de colocar o Lula como ministro-chefe da Casa Civil de que ela teria feito isso para tirá-lo das investigações em Curitiba, concedendo ao ex-presidente foro privilegiado. Há quem diga que a decisão foi tomada por que ele teria uma grande capacidade de articulação política. Pegou mal para o governo? Tem uma questão ética aí?
Tem um fato que eu conheço, que é o seguinte: em agosto do ano passado o nome dele já era cogitado para um cargo de ministro importante. Isso é um fato. Então não vejo um problema ético já que era uma questão antiga e que não envolvia blindá-lo contra um juiz. O Lula tem uma posição única. Ele é uma pessoa que pode chegar aos trabalhadores e aos movimentos sociais e convencê-los de que certos sacrifícios são necessários. A economia está fraca, está definhando. O Lula tem essa possibilidade, e eles confiariam no Lula como não confiariam num líder de direita que dissesse a mesma coisa. E dentro do PT é o único que conquistou credibilidade junto ao empresariado, que era maior antes do segundo mandato Dilma, mas quanto dessa credibilidade foi desgastada é difícil mensurar. Mas ele é o único que poderia promover uma política de diálogo, de conciliação entre as duas forças principais da sociedade que são capital e trabalho. Isso seria mais profundo do que articulação dos partidos. Mas mesmo se ele tiver sucesso em fazer isso, não acredito que conseguiria reverter a coisa a ponto de ser candidato favorito em 2018, creio que a ferida no PT foi muito grande, não vejo o partido com chances de se recuperar a ponto disso.
Você fala em novos atores - seria o momento de aparecer uma nova liderança dessa crise?
Se você olhar grandes movimentações populares, em 92, época do impeachment do Collor, somente uma liderança emergiu, o então presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE) e agora senador, Lindberg Farias – único nome que veio de 92. Em 2013, toda movimentação das ruas não gerou ninguém. Ano passado e agora você não tem nenhum nome viável, você tem criaturas que estão se construindo pelo ódio e claro que não se pode pensar no Bolsonaro como uma liderança nova, promissora de futuro, que poderia unificar o país. Além disso, temos partidos que não se empenharam em construir novas lideranças. Pense que o PT tem como ideal de candidato em 2018 o homem que o fundou – são quase 40 anos a mesma pessoa. O PSDB oscila em três nomes há pelo menos dez anos. A pessoa que eu tinha esperança em uma nova liderança, que seria a Marina (Silva) não consegue comunicar aquilo que é o texto essencial dela: a defesa do verde, da sustentabilidade, que agrada o meio empresarial, mas isso não é o tema das campanhas dela. Não foi em 2014, em que se focou mais no Banco Central, e não foi em 2013. A única liderança nova que eu vejo hoje no Brasil é o Fernando Haddad, independentemente de gostarem ou não do partido dele, acho que teria capacidade de ser um novo líder promissor. Mas para renovação mesmo, não consigo ver no PT, PSDB ou na Rede esse horizonte.
E no PMDB? Eles se colocam quase como uma alternativa, não?
É um partido complicado, porque funciona nas coxias, garante governabilidade porque atua apoiando quem quer que esteja no governo.
Que desfecho você acredita que pode ser menos prejudicial para a crise? O governo está demonstrando uma incapacidade de governar por uma série de razões que parece irreversível...
Está difícil porque veja: a economia caiu. Minha experiência como ministro foi numa fase que não havia dinheiro, como hoje em dia não há. E a demanda era quase toda era dinheiro, e a impressão que me dava é que as pessoas estavam desinformadas porque não acreditavam que não havia dinheiro. Minha impressão é que o Brasil demorou muito a acreditar que estava numa crise. No ministério, a minha experiência é que somente em setembro de 2015 é que começou a cair uma ficha que estava na mídia desde janeiro e isso exigiu revisar uma série de investimentos e programas. E isso não é fácil de fazer quando você tem setores que foram acostumados a crescer, e com recursos, nos últimos anos e quando você diz que esse dinheiro não virá, fica muito difícil. Há dificuldade do Brasil acreditar que está numa crise e que sacrifícios serão necessários.
Mas o governo também poderia ter alertado sobre a crise antes, tem uma parcela de responsabilidade aí, não?
Sim. As eleições foram em outubro, e somente em setembro do ano seguinte uma parte significativa da sociedade se deu conta do problema. É claro que o fato do governo não ter anunciado a situação econômica antes das eleições aumentou o problema, mas governo nenhum em lugar nenhum do mundo entra numa eleição falando: estamos em crise. Eu acho que a base de tudo é a crise econômica, se estivéssemos indo de vento em popa, a queixa seria menor. Agora, isso somado a uma crise de liderança política pronunciada, se torna explosivo.
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Ferida no PT foi grande, partido não se recupera para 2018, diz ex-ministro de Dilma - Instituto Humanitas Unisinos - IHU