28 Março 2016
“No Brasil da Avenida Paulista, além das heranças e sestros da casa-grande, pulsavam os desconfortos com a crise econômica deflagrada pelos aloprados dos mercados financeiros, em contubérnio com um governo aturdido por suas próprias incoerências. Vou repetir o aconselhamento da revista Der Spiegel: “A estratégia de apresentar uma solução única e incontestável deve ser reavaliada.
Caso contrário, o mundo estará encarando uma era na qual serão cada vez mais fortes aqueles que não oferecem qualquer solução, os que só oferecem rejeição e medo”, escreve Luiz Gonzaga Belluzzo, economista, em artigo publicado por CartaCapital, 26-03-2016.
Eis o artigo.
Nos Estados Unidos, o grotesco e cada vez mais provável candidato republicano Donald Trump faz vibrar a corda sensível da alma dos americanos brancos e subempregados. Os últimos 40 anos prometeram a prosperidade. Entregaram a pobreza escorada no Food Stamps, o programa de subsídio alimentar.
“A América vai ser grande outra vez” ou “Vamos devolver os empregos aos americanos”. Em suas arengas, Trump promete impor uma tarifa de 35% sobre produtos chineses, além de promover a volta das empresas americanas (des)localizadas no México.
Para espantar a estupefação, os economistas conservadores e os idiotas liberais gritam: “Protecionismo! Populismo!” Os subempregados e precários estão se lixando para o que pensam os economistas adeptos do livre-comércio. Querem seus empregos de volta.
Vou relembrar o “fechamento” das economias nos anos da Grande Depressão. Sugiro uma olhadela na lei americana Smoot-Hawley, de 1930, que elevou brutalmente as tarifas. Em seguida, a Inglaterra abandona o padrão-ouro em 1931, os Estados Unidos caem fora em 1993. As tarifas e as desvalorizações competitivas produziram uma brutal contração do comércio internacional. A deflação de preços das commodities e produtos industrializados comprovou o óbvio: se todos tentam desvalorizar, ninguém consegue, ainda que alguns consigam mais que os outros.
Na Alemanha, Hjalmar Schacht, o banqueiro de Hitler, lançou em 1934 o “Novo Plano”. O “Plano” impunha uma brutal centralização do câmbio. Transações em moeda estrangeira não poderiam ser efetuadas diretamente entre residentes e não residentes. Tudo tinha de passar pelo controle e pela permissão da burocracia do Reichsbank. A violação dessas normas era considerada “crime de alta traição à Mãe-Pátria”. Os métodos extremos de controle cambial incluíam a adoção de práticas de comércio bilateral com os países da periferia europeia e sul-americana, que estavam praticamente alijados dos negócios internacionais desde o crash de 1929.
Um livre-cambista pode degustar o texto do Tariff Act saboreando a releitura da biografia de Schacht. Desgraçadamente, as baboseiras do liberalismo econômico empurram as sociedades e suas democracias para a destruição do liberalismo político.
Penso nos Estados Unidos e na China empreendendo uma escalada protecionista na era da globalização. As palavras de ordem do protecionista e populista Trump são proclamadas em meio a insultos aos latinos e ameaças de violência contra os adversários.
O establishment americano está à beira do pânico. Diante da agressiva campanha eleitoral, a classe dominante e dirigente já não fala apenas dos riscos envolvidos numa possível eleição de Trump. Depois dos confrontos entre apoiadores e oponentes do desvairado, republicanos “moderados” e seus financiadores tratam de impedir a vitória do simulacro de Hitler.
Na Europa, a extrema-direita surrou Angela Merkel nas eleições regionais. Na opinião da revista Der Spiegel, Frauke Petry, a jovem líder do partido Alternativa para a Alemanha, não oferece alternativas. Só negativas: contra os refugiados, contra a Europa, contra o euro, contra o Tratado Transatlântico de Comércio e Investimento. Contra, contra, contra. A revista Der Spiegel não apalpa: “A estratégia de apresentar uma solução única e incontestável deve ser reavaliada. Caso contrário, o mundo estará encarando uma era na qual serão cada vez mais fortes aqueles que não oferecem qualquer solução, os que só oferecem rejeição e medo”.
No Brasil da Avenida Paulista, além das heranças e sestros da casa-grande, pulsavam os desconfortos com a crise econômica deflagrada pelos aloprados dos mercados financeiros, em contubérnio com um governo aturdido por suas próprias incoerências. Vou repetir o aconselhamento da revista Der Spiegel: “A estratégia de apresentar uma solução única e incontestável deve ser reavaliada. Caso contrário, o mundo estará encarando uma era na qual serão cada vez mais fortes aqueles que não oferecem qualquer solução, os que só oferecem rejeição e medo”.
O arguto leitor de CartaCapital há de constatar, por aqui são raros os meios de comunicação que conseguiram resistir à mesmice das soluções únicas e incontestáveis. Isso quando não fomentam reações que prometem levar o País para um conflito. Os editoriais e os articulistas se esmeram na arte de repetir banalidades abstratas que se chocam com os movimentos da economia concreta e com as realidades da vida das pessoas de carne e osso.
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