17 Março 2016
Um jovem, de 16 anos, talvez 20, se postou com uma pistola na porta da frente de uma casa em San Pedro Sula, Honduras. A residência pertencia a Stiveen Sanchez, pai solteiro de dois meninos e não muito mais velho do que o jovem que o confrontava.
“Paga ou eu te mato”, disse o jovem a Sanchez, de 27 anos.
A reportagem é de J. Malcolm Garcia, publicada por National Catholic Reporter, 16-03-2016. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Um migrante reza na capela do abrigo La 72 onde cruzes na parede celebram os 72 migrantes mortos em Tamaulipas em 2010(J. Malcolm Garcia)
O jovem pertencia ao grupo Mara Salvatrucha (ou simplesmente MS), uma gangue criminosa internacional iniciada na cidade de Los Angeles na década de 1980 e que, desde então, espalhou-se pela América Central. Ele queria que Sanchez pagasse 300 dólares por semana à MS em troca de uma proteção para manter a sua carpintaria aberta. Caso contrário, ele o mataria.
“Eu disse não”, lembrou Sanchez em seu quarto no La 72, abrigo para migrantes. Localizado na principal estrada do pequeno município de Tenosique no estado mexicano de Tabasco, o La 72 – assim chamado após o assassinato de 72 migrantes em 24-08-2010 em San Fernando Tamaulipas, no México – acolhe de 400 a 1 mil migrantes por mês, dependendo da época do ano, sendo que a maioria está fugindo da violência na América Central. O abrigo é um projeto da Província Franciscana de San Felipe de Jesús. A ordem religiosa aposta no apoio aos migrantes durante a passagem deles pelo México, dispondo ajuda humanitária, proteção e promovendo os direitos humanos.
“Eu não tinha como pagar aquela quantia de dinheiro”, continuou Sanchez. “Decidi sair. Primeiro eu me senti bem. Daí então eu pensei nos meus pais, na minha casa, no meu trabalho, e fiquei triste. Eu ainda me sinto triste”.
Sanchez e os dois filhos, com 4 e 9 anos de idade, estão no abrigo La 72 desde outubro. A maior parte dos migrantes abrigados nesse projeto também vem de Honduras para escapar da violência entre gangues e para buscar oportunidades econômicas. Há anos Honduras detém o título ignominioso de a capital mundial de homicídios. O comércio de drogas, práticas de extorsão e corrupção política contribuem para a péssima reputação do país.
“Por três anos eu paguei para as gangues”, diz Freddy Cruz Bolina, 40, de Tegucigalpa, capital de Honduras. Ele se sentou em uma cadeira no La 72 rodeado por brinquedos e fraudas para o seu filho Dylan, de 12 meses de idade. A esposa, Marina Elizabeth Hernandez Gonzalez, 36, sentou-se ao seu lado. “Então esse menino veio e me disse: ‘Se não pagar mais, eu te mato’ Eu pagava 400 dólares por semana para manter aberto o meu restaurante. Ele queria 600. Daí tivemos de desistir. A minha mãe está triste. Agora, viemos para cá”.
Quando o abrigo La 72 foi aberto, oferecia umas poucas camas na parte de trás de uma igreja. Hoje, o local se expandiu para um complexo extenso de edifícios de alvenaria coberto de murais. Estes murais contam com imagens de Che Guevara, das Escrituras e da Virgem de Guadalupe com uma bandana zapatista ao rosto, entre outras imagens. Na capela, 72 cruzes brancas estão penduradas na parede. Cada uma representa um cadáver encontrado após o massacre de 2010. A maioria das cruzes carrega nomes e uma ladainha sombria da morte.
Hoje, o La 72 oferece abrigo a mães solteiras e a famílias. Mas os jovens formam a maioria da clientela e o comportamento de paquera deles com algumas das solteiras demonstra que, mesmo nas situações mais difíceis da vida, é a testosterona quem manda. No entanto, estes mesmos impulsos podem causar inquietação, frustração e um comportamento inaceitável tal como o assédio sexual. Buscando ajudar a afastar os problemas, o abrigo retira as mesas e cadeiras nos sábados à noite, transformando o local de janta em uma pista de dança para qualquer um que tenha a vontade de acompanhar a batida de músicas eletrônicas e gastar a energia reprimida.
As tensões, e às vezes os desejos, liberados através da dança e das gargalhadas aliviam os desafios que os migrantes vivem rotineiramente. Por vezes, não há camas o suficiente. As mulheres grávidas disputam por prioridade com as mulheres que não estão grávidas. Fora do complexo, policiais ficam em seus carros. Embora o La 72 seja reconhecido como uma zona segura para os migrantes, a presença destas autoridades lembra-lhes dos perigos que o mundo lá fora impõe. Eles estão a apenas um passo de distância de serem presos. Estão a um passo de que algum traficante lhes faça alguma chantagem. Estão a um passo de que alguém lhes tire a vida.
A maioria dos migrantes fica no abrigo somente alguns dias ou semanas. Outros ficam mais tempo, esperando por um veredito a respeito de um pedido de asilo ou vagas de emprego, decisões que podem levar semanas ou meses. No ano passado, funcionários do La 72 submeteram 108 pedidos de visas humanitários às autoridades mexicanas, informou a administradora Emilei Viklund. Somente 14 foram concedidos.
“A gente fica com a sensação de que eles irão levar adiante os nossos pedidos, mas raramente isso acontece”, disse Viklund. “Eles são sempre educados. A política é manter a gente feliz submetendo-nos ao processo legal”.
Se não recebem um visto ou permissão para trabalhar e perdem suas apelações, os migrantes têm 20 dias para deixar o México. Mas, segundo ela, a lei não diz qual fronteira um migrante deve atravessar. Consequentemente, muitos viajam para o norte com a esperança de entrar nos EUA e pedir asilo aí.
“Eu estou fugindo”, disse Josselyn Portillo, de 20 anos, natural de San Pedro Sula. “Quero viver nos Estados Unidos. A gangue MS matou o meu primo. Ele era membro e quis sair. Eles querem matar a família inteira”.
A amiga de Portillo, Paola Regalado, de 16 anos, veio com ela para o La 72. Falou que a MS havia assassinado os seus pais. Um dos membros da gangue a atacou com um facão”.
“Eu ainda penso na minha família”, disse Paola. “Sonho com os meus pais. Eles estão no céu, olhando para mim”.
Um mapa do México pintado num muro próximo do portão de entrada do La 72 mostra as rotas para os Estados Unidos. Exibe locais onde os migrantes podem encontrar abrigo e alimentos. Outras seções indicam um terreno menos hospitaleiro: uma pistola pintada indica lugares onde migrantes têm sido atacados. Desenhos de dinheiro em outras localidades significam que os migrantes correm o risco de que cartéis locais exijam o pagamento de taxas para deixá-los continuar na caminhada.
Muitos dos migrantes tentam pegar o “tren da la muerte”, trem que passa em Tenosique não muito distante do La 72. Este nome ominioso se refere aos comboios de mercadoria mexicanos que viajam pelo país e são usados por migrantes para chegar aos EUA. O trem é também chamado de “La Bestia”, a besta, e de “el tren de los desconocidos”. Milhares de migrantes pegam o trem apesar dos perigos. Pessoas se machucam, ou mais do que isso, ao correr tentando saltar para dentro da composição em movimento. Outros caem ao lado dos vagões em movimento mutilando-se ou morrendo.
Posto de lado o risco de acidentes físicos, o trem apresenta outros perigos. Ele não carrega somente migrantes, mas predadores exploradores de migrantes via roubo, extorsão e coerção.
“Eu não vou pegar o trem”, disse Oscar Velasquez, de 38 anos de idade, migrante de Tegucigalpa. “Eles sequestram pessoas. As gangues fazem os migrantes telefonarem para as famílias. Eles nos fazem dizer: ‘Eu preciso de 5 mil dólares’. Eu nem quero pensar nisso. Em Palenque [município ao norte do La 72], eles exigem da gente pague só 100 dólares para nos deixar continuar”.
Mas os perigos colocados pelo trem dissuadem somente uns poucos. Em uma tarde no mês de fevereiro, um migrante no La 72 grita: “El tren! El tren!” e dezenas de homens e mulheres correm estrada abaixo em direção a um conjunto de edifícios que ficam em frente aos trilhos do trem, oxidados e cobertos por ervas daninhas. Depois de alguns instantes, o farol da composição iluminou os trilhos. Com um gemido baixo, o trem segue adiante e os migrantes se debatem em busca de um lugar para pular a bordo. Eles correm ao lado do trem, subindo nos carros que por ali se encontram, passam entre acoplamentos, agarrando-se em todo o que está ao alcance. Quem consegue subir senta-se por sobre os vagões e tenta não ser derrubado por um outro migrante.
“É bastante perigoso”, admitiu Elias Enamorado, de 32 anos, sobre viajar em cima de uma das composições, “mas vou tentar mesmo assim”.
Enamorado veio em janeiro para o La 72 para se afastar da violência entre gangues em San Pedro Sula.
“Eu tenho que tentar”, disse ele. “As pessoas me dizem: ‘Não vai, é perigoso’. Eu digo: ‘Eu tenho que tentar. Por mim. Por minha autoestima’”.
Para outros, como Stiveen Sanchez, a escolha é aguardar no La 72 e esperar pela aprovação do visto humanitário mexicano ou da permissão para o trabalho.
“Vim para cá em busca de ajuda”, falou Sanchez. “Talvez eu consiga. Tavez não. Eu tenho de aguardar. Mas aguardar é melhor do que viver em Honduras”.
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Abrigo ajuda migrantes hondurenhos a escapar da violência entre gangues - Instituto Humanitas Unisinos - IHU