23 Fevereiro 2016
O papa está à porta do paraíso. Está tendo problemas com a chave. "Que diabos é isto? A porta não abre. Devem ter mudado a fechadura. Ou está com defeito." O papa se enfurece, enche a porta de socos e chutes: "Minha bile borbulha! Ei! Alguém abra esta porta imediatamente!" Pedro, do lado de dentro, se recusa: "Em nome de Deus, que fedor é este que eu sinto? Não convirá abrir a porta imediatamente. Vou ter uma ideia de quem é esse flagelo a partir daqui, olhando para fora por esta fenda." O guardião do paraíso observa o seu sucessor. A chave de prata, pensa, é "muito diferente das que o pastor da Igreja, o verdadeiro, Cristo, me confiou." Ele não gosta da coroa, do manto imperial cravejado de ouro e de pedras preciosas, as tropas no séquito. Assim começa um diálogo cáustico entre Pedro e o Papa Júlio II.
A reportagem é de Marco Ventura, publicada no caderno La Lettura, do jornal Corriere della Sera, 21-02-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Textos como esse, datado de 1513, revolucionaram o cristianismo: trouxeram um ataque radical à autoridade romana, aos fundamentos da teologia, do direito canônico, da relação entre poder temporal e espiritual. Mais ainda, textos como esse revolucionaram o modo pelo qual as ideias circulavam.
Não eram mais manuscritos, mas livros impressos. Viajavam rápido, alcançavam mais pessoas, custavam menos e rendiam mais. Com a conquista de um novo público, renovava-se a língua. O diálogo de 1513 entre Pedro e Júlio II ainda é em latim, mas os protestantes logo publicariam Bíblias em francês, em holandês, em alemão e em inglês.
Nasce aqui o Índex dos livros proibidos. É a resposta romana ao livro moderno e à nova ideia de Deus e de Igreja que com ele se propaga. Primeiro, são as universidades que publicam listas de leituras proibidas em Paris, Louvain, Salamanca. Depois, cabe à autoridade eclesiástica.
O arcebispo Della Casa, o autor da etiqueta, é um dos primeiros a compilar uma lista. Durante o Concílio de Trento, entre 1557 e 1559, Paulo IV publicou o primeiro Índex. No dia 26 de fevereiro de 1562, os Padres conciliares tridentinos verbalizam o seu alerta: "O número dos livros suspeitos e perigosos, nos quais está contida uma doutrina impura, por eles difundida ao longo e ao largo, cresceu demais."
Dois anos depois, recém-terminado o Concílio, foi publicada uma nova lista, e nasceu a Congregação do Índex, símbolo da tutela eclesiástica sobre um povo em que não se confia.
O Índex é o catálogo das obras das quais são proibidas a publicação, a venda, a compra, a conservação, a tradução, a difusão e, principalmente, a leitura. Ao mesmo tempo, o Índex é o dispositivo, a burocracia, as normas e os procedimentos. Todas as vezes em que uma ameaça é percebida, o grande corpo se move: encadeiam-se denúncia, instrução, processo, sentença, proibição e repressão.
À cadeia de movimentos, corresponde à cadeia de conceitos. A obra a ser censurada é perniciosa para a moral, para a teologia, para a eclesiologia, para a ordem estabelecida, social e política, para o direito canônico e civil que o preservam. Basta a ameaça em um ponto da cadeia para vetar, porque o perigo está justamente no contágio que se difundiria de um ponto aos outros, particularmente da heresia teológica à política.
Assim, acabam no Índex os livros dos hereges, as edições dos Padres da Igreja e das escrituras, a teologia em vulgar, as publicações obscenas, os tratados de magia e de astrologia. O Índex percorre os séculos, oscilando entre a sua abstração e o impacto sobre a realidade. Os resultados são os mais diversos. A obra proibida, precisamente como tal, estimula a curiosidade. A intransigência e a rigidez, muitas vezes, se transformam em negociação, retrações parciais, penas que apagam algumas frases e não outras. Obstinações e descuidos coexistem. O que importa são as trajetórias individuais, as personalidades de censores e autores. O importa é a história dos povos.
Na Europa dos cristianismos nacionais, a maior ou menor docilidade coletiva ao braço do censor determina a eficácia do Índex. Se os católicos do outro lado dos Alpes são relutantes a se curvar, a Itália está na vanguarda no braço de ferro que Roma engaja com a modernidade ocidental. Um olho muito romano e muito italiano seleciona os volumes e os autores que entram e saem do Índex.
Só quando a "Crítica da Razão Pura" foi traduzida ao italiano, em 1827, é que Immanuel Kant acabou no Índex. E, mais tarde, em junho de 1853, o processo contra "A cabana do pai Tomás" nasceu do sequestro por obra do zeloso inquisidor de Perugia de mais um lote de livros contrabandeados pelo Grão-Ducado de Toscana no Estado Pontifício.
O Pai Tomás foi poupado da censura ao término de uma discussão que resume as contradições do Índex. Sobre a obra antirracista e sobre a autora metodista, desencadeiam-se o carreirismo dos prelados, a sua obtusidade, o cálculo político. Porém, o debate entre os consultores é um laboratório cultural rico, onde os conteúdos, no caso da "Cabana do Pai Tomás" o preconceito racial, são objeto de um acalorado debate de argumentos, metodologias e retóricas.
Entre o fim do século XIX e a primeira metade do século XX, a Igreja lança os últimos golpes na sua batalha contra o livro moderno. Em 1917, entre a aparição da Virgem em Fátima e a Revolução de Outubro, morreu a Congregação do Índex, agora englobada pelo Santo Ofício. Escapam do Índex Marx, Lenin e Stalin, e também Hitler e Mussolini, parceiro das concordatas. Acabam nele, ao contrário, Giovanni Gentile e alguns teóricos do nazismo.
Quem pagou o preço mais alto foram os teólogos que lançavam pontes ao novo saber, dos modernistas franceses e britânicos a Ernesto Buonaiuti, até o biblista Jean Steinmann, cuja "Vida de Jesus" foi o último livro que acabou no Índex, em 1961.
Depois do encerramento do Concílio, Paulo VI redimensionou o Santo Ofício, agora Congregação para a Doutrina da Fé. O destino do Índex permaneceu suspenso até a publicação, na revista Gente, no dia 13 de abril de 1966, de uma entrevista com o cardeal Alfredo Ottaviani.
O prefeito da Doutrina da Fé declarou que o Índex já estava desprovido de valor jurídico, que não sairiam novas versões dele, que ele já era apenas um interessante "documento histórico". O Índex morre porque mudou a atitude da Igreja para com a história.
Mas não só. Em uma entrevista de junho de 1966, o mesmo cardeal Ottaviani explicou como o Índex já estava fora de lugar em um mundo em que "a palavra escrita não é mais o único instrumento de difusão das ideias". O Índex morre porque mudou a transmissão do pensamento; porque não há mais o livro como o Ocidente o conheceu a partir do século XVI.
O "Júlio", o diálogo de 1513 entre Pedro e Júlio II nas portas do Paraíso, se conclui sem que o papa consiga entrar. Pedro o aconselha a construir outro paraíso. O pontífice se retira ameaçando: "Quando eu incrementar o meu exército, vou expulsá-lo à força!".
Na mais recente edição crítica de "Júlio", em 2013, Silvana Seidel Menchi demonstrou que o misterioso autor do diálogo é Erasmo de Roterdã. É três anos posterior ao "Júlio", isto é, de 1516, o Novo Testamento editado por Erasmo, a obra que revolucionou a compreensão da palavra de Deus, obra do Índex por excelência.
Caíram em 2016 ambos os aniversários. Cinco séculos desde o Novo Testamento de Erasmo. Cinquenta anos desde o fim do Índex.
É feita de proibição e de gênio, de homem e de Deus, a memória do livro.
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Quando o Índex dos livros acabou no Índex - Instituto Humanitas Unisinos - IHU