22 Janeiro 2016
O Haiti enfrenta uma preocupante escalada de violência às vésperas das eleições presidenciais - marcadas para domingo - segundo relatou à BBC Brasil o general brasileiro Ajax Porto Pinheiro, comandante das forças de paz da ONU no país.
A reportagem é de Luis Kawaguti, publicada por BBC Brasil, 22-01-2016.
"Desde terça-feira houve um aumento considerável de incidentes (de violência) no país", afirmou o general. Segundo ele, foram registrados episódios de grupos armados ligados a partidos políticos entrando em choque entre si e gangues tentando incendiar locais de votação com coquetéis molotov.
O general disse que as tropas internacionais e a polícia local estão posicionadas nas principais cidades do país para garantir o pleito. "Estamos prontos. A eleição vai acontecer", disse o general.
O país vive uma profunda crise política; o principal candidato oposicionista retirou sua candidatura e promove um boicote eleitoral.
Na quinta-feira, tropas brasileiras foram despachadas com urgência para a cidade de Jacmel, no sul do país, para proteger urnas eleitorais armazenadas em um aeroporto. Grupos locais ameaçavam incendiar o local para prejudicar a realização da eleição.
Militares do Chile tiveram que destruir um grande fosso cavado em uma das principais estradas do Haiti para interromper o tráfego. Além disso, a capital, Porto Príncipe, vive uma rotina praticamente diária de protestos, barricadas e choques de manifestantes com a polícia.
Crise política
A recente crise política do Haiti foi deflagrada no segundo semestre do ano passado, junto com o início do processo eleitoral.
Os primeiros distúrbios, ainda em pequena escala, começaram durante o primeiro turno das eleições parlamentares em agosto.
Em outubro, quando houve votações simultâneas para o segundo turno das eleições parlamentares e o primeiro turno da corrida presidencial, a violência cresceu.
Segundo autoridades da Missão da ONU para a Estabilização do Haiti (Minustah), grupos armados ligados a partidos políticos provocaram tiroteios em redutos eleitorais de seus opositores. Eles tentavam impedir que a votação ocorresse em locais estratégicos, para assim prejudicar seus oponentes.
Os grupos foram reprimidos por autoridades locais e internacionais e a votação ocorreu com elevados índices de comparecimento de eleitores às urnas, segundo autoridades da ONU.
Oficialmente, o candidato Jovenel Moïse, apoiado pelo presidente Michel Martelly, teve 32% dos votos e o oposicionista Jude Célestin, que participou do governo do ex-presidente Renè Preval, 25%.
Mas a crise política se agravou após a divulgação dos resultados.
A oposição fez denúncias de supostos casos de fraude eleitoral - como eleitores votando mais de uma vez, pagamento de propina a autoridades eleitorais e adulteração de cédulas e folhas de apuração.
Isso deu origem a uma série de manifestações de rua e a debates no Parlamento, controlado pela oposição ao presidente Martelly.
Uma comissão de apuração do governo analisou posteriormente parte das urnas e documentos eleitorais. O grupo concluiu que apenas 8% das folhas de apuração não continham erros, 30% tinham votos de pessoas que não constavam na lista de eleitores e metade tinha números de identificação de eleitores incorretos, segundo o jornal New York Times.
Contudo, essa comissão afirmou que os erros não haviam sido causados por fraudes, mas sim por falta de precisão e profissionalismo de mesários e pessoas envolvidas na organização da eleição.
A OEA (Organização dos Estados Americanos) também analisou os registros da votação e constatou irregularidades. Mesmo assim, o órgão endossou o resultado do primeiro turno.
Segundo turno
A polêmica sobre a fraude levou ao adiamento do segundo turno da eleição presidencial. Ele deveria ter ocorrido em 27 de dezembro do ano passado, mas só vai se realizar neste domingo - próximo do prazo limite para que o novo presidente tome posse: em 7 de fevereiro, como manda a Constituição do Haiti.
O candidato oposicionista Célestin anunciou que, por causa das supostas fraudes, não participaria do segundo turno. Mas ele não oficializou essa decisão e seu nome aparecerá nas cédulas de votação no domingo. Célestin convocou a população a boicotar a eleição.
De acordo com a agência de notícias Associated Press, soma-se a esse cenário uma iniciativa do Senado, que aprovou uma resolução (não vinculante) para cancelar o pleito de domingo. O presidente Martelly disse porém que a votação seguirá em frente.
Analistas locais dizem que se a eleição for adiada, o presidente terá que deixar o cargo em fevereiro e será substituído por um governo provisório até a realização de um novo pleito.
Por outro lado, há a possibilidade de uma intensificação da violência caso a eleição ocorra e de seu resultado ser contestado.
Missão
"Para a comunidade internacional e para nós (militares da ONU) a eleição vai ocorrer", disse Ajax Pinheiro.
A missão do general brasileiro é apoiar a Polícia Nacional do Haiti e garantir que as urnas e cédulas eleitorais cheguem aos 1.508 locais de votação até sábado.
"Nos dois dias anteriores à eleição (esta sexta-feira e sábado), por informações que temos, esperamos um aumento das tensões, dos ataques, das tentativas de bloqueio de estradas e até o uso de coquetéis molotov contra os centros de votação numa tentativa de que não haja eleições", disse o general.
Segundo ele, até a noite de quinta-feira, o cenário de violência era crescente, mas ainda menos grave que o ocorrido dias antes da votação de outubro de 2015.
Além de lidar com esse cenário pré-votação, a ONU e as autoridades locais terão então que garantir a segurança dos eleitores no domingo e recolher as urnas o mais rápido possível para evitar que sejam destruídas após a votação.
A tarefa de garantir a segurança é oficialmente da polícia local, que tem 11 mil agentes. Mas Ajax Pinheiro precisa usar seus 2.370 militares para garantir que a operação vai dar certo.
Ele já enviou pelotões para 16 cidades críticas - em seis dos nove departementos (Estados) do Haiti. Cada uma dessas unidades é formada por 40 combatentes (infantaria e tropas de choque), dois blindados, dois jeeps e um caminhão de transporte.
Eles carregam armas de controle de multidões (gás lacrimogênio, spray de pimenta e balas de borracha) para agir em caso de distúrbios urbanos. Além disso possuem armamento letal para eventuais combates contra grupos armados e têm suprimentos para resistir a nove dias, até a chegada de reforços.
Essas unidades são formadas por militares do Chile, Uruguai, Peru e Brasil.
Na região da capital, uma das áreas mais críticas, a segurança será tarefa do batalhão brasileiro, da polícia da ONU e de unidades de choque da ONU.
Além disso, há uma "Força de Reação Rápida" da ONU - 60 militares distribuídos em cinco helicópteros de grande porte que podem se mobilizar em 30 minutos e voar para pontos do país onde haja problemas.
Voltando para casa
O general Ajax Pinheiro está otimista e disse que a realização do pleito no domingo pode influir positivamente no cronograma de retirada das tropas internacionais da missão de paz no Haiti.
O Brasil lidera a missão militar no país há 11 anos e foi um dos principais responsáveis, entre 2004 e 2007, pela desarticulação dos grupos rebeldes e gangues que motivaram o estabelecimento da missão de paz há mais de uma década.
A violência atual no país ocorre em escala bem menor do que a presenciada nos anos iniciais da missão, segundo o general.
Se as forças de segurança conseguirem manter a paz no país até o fim do processo eleitoral, aumentam as chances das tropas brasileiras começarem a voltar para casa a partir de 15 de outubro - a atual data estimada pelas Nações Unidas para o fim da missão de paz.
"Pode significar a volta em outubro de todo o componente militar da ONU, de todos os países, inclusive, lógico, dos brasileiros", disse.
Mas Ajax Pinheiro afirmou que essa não é uma decisão definitiva. Em março, uma comissão da ONU reavaliará a situação e deve decidir sobre o futuro da Minustah.
Na opinião dele, a projeção de cenário mais provável é que a votação do domingo ocorra de forma relativamente tranquila e que em outubro a missão não acabe definitivamente, mas mude de perfil.
Dessa forma, a maioria dos militares retornaria a seus países, mas um pequeno contingente seria mantido no Haiti para cuidar da segurança de funcionários civis da ONU. Não se sabe se haverá brasileiros nesse grupo.
"O país está progredindo economicamente depois de um choque muito grande que teve em 2010 com o terremoto. O turismo tem melhorado e as eleições fazem parte desse grupo de medidas que vão sinalizar que a missão da ONU teve sucesso".
"E tendo sucesso é natural, como em todos os países onde a ONU tem missões de paz, que ela reduza o seu componente militar e até civil".
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Violência e boicote preocupam comandante brasileiro da ONU no Haiti às vésperas de eleição - Instituto Humanitas Unisinos - IHU