11 Janeiro 2016
Símbolo da Pastoral do Povo de Rua, em São Paulo, o padre Júlio Lancellotti se diz decepcionado com a gestão do prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, na assistência social e admite até votar contra sua reeleição.
"Não sei que quadro vai se pôr [na disputa], mas não gostaria de repetir essa experiência", afirma.
A reportagem é de Catia Seabra e publicada no jornal Folha de S. Paulo, 10-01-2016.
Lancellotti – tradicionalmente apontado como apoiador do PT – se queixa do estilo centralizador de Haddad e de sua administração "compartimentada" na área social. "A sociedade merecia resposta mais articulada", diz.
Ao reconhecer sua frustração, ele relata uma conversa com o secretário de Habitação, João Withaker, de quem teria ouvido ser "melhor Haddad do que Datena (PP).
"Eu disse para o Withaker: 'melhor um inimigo declarado do que um inimigo disfarçado'", conta.
Sentado num banco da paróquia São Miguel Arcanjo, Lancellotti descreveu, na quinta-feira (7), suas tensas reuniões com o Haddad. Ao final de uma delas, tomou uma atitude que admite impulsiva: bateu com a ponta dos dedos na têmpora de Haddad e perguntou:
"As coisas não entram na sua cabeça, prefeito?".
Em outra discussão com Haddad, Lancellotti o comparou ao ex-prefeito e hoje senador José Serra (PSDB) para reclamar do uso de força para a remoção de população na rua. "Não levei gás de pimenta na cara na gestão do Serra, mas levei na sua".
Seu desabafo expressa uma insatisfação com o setor hoje comandado pela secretária Luciana Temer. Titular da pasta de Desenvolvimento e Ação Social, Luciana é filha do vice-presidente Michel Temer (PMDB).
Segundo o censo Fipe (Fundação Instituto de Pesquisa Econômica), no governo Haddad, houve um aumento da população em situação de rua na cidade –passou de 14.478 em 2011 para os atuais 15.905.
Por intermédio de sua assessoria, Luciana Temer afirma que o aumento desse número acompanha o crescimento populacional.
O argumento não agrada aos movimentos sociais, que se queixam não só da secretária mas da desarticulação do time de Haddad.
Atualmente, a Guarda Civil Metropolitana tem sido destacada para negociar com os moradores de rua, o que incomoda os tradicionais apoiadores do PT.
Há dois meses, o prefeito pediu que o secretário de Direitos Humanos, Eduardo Suplicy (PT), não vá mais às tendas ocupadas pelos sem-teto, depois que o petista deu dois cheques a duas famílias de moradores de rua durante uma remoção no bairro da Mooca.
Suplicy diz que os cheques – um de R$ 800 e outro de R$ 400 – foram uma contribuição pessoal. Ele explica ainda que o prefeito o orientou a não ir às áreas ocupadas porque sua presença "gerava maiores demandas".
Outras críticas
Lancellotti não é o único a criticar. "A realidade terrível do povo das ruas nunca será caso de polícia. É uma questão de humanização dos excluídos e humanização da cidade mais rica do Brasil", diz Antônio Marchioni, o padre "Ticão", da Pastoral da Moradia.
Ticão diz ter trabalhado bastante pela eleição de Haddad. "Sobre a eleição de 2016 estamos debatendo aqui na Comunidade. Vamos ver nos próximos meses", afirma.
Já o coordenador do Movimento pela Moradia Leste II, Dalcides Neto, afirma que a relação com Haddad melhorou após a saída do PP do comando da secretaria de Habitação de São Paulo.
Ainda segundo Neto, o prefeito anunciou para este ano R$ 700 milhões em estoque de terra para projetos habitacionais a serem fechados com a União. "Ainda temos problemas. Mas o governo avançou", elogia ele.
Para Lancellotti, a marca do governo Haddad ficará centrada nas ciclovias.
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Decepcionado, padre ligado ao PT rompe com prefeito Fernando Haddad - Instituto Humanitas Unisinos - IHU