08 Janeiro 2016
O deputado federal Jean Wyllys (PSOL-RJ) tem postado, em sua página do Facebook, relatos de uma viagem que está fazendo a Israel, a convite da Universidade Hebraica de Jerusalém. Ele conta ter ido ministrar uma palestra “sobre as relações entre a homofobia e o antissemitismo”. A Frente em Defesa do Povo Palestino, que congrega diversas entidades brasileiras sobre a causa, lançou nota criticando a viagem do deputado: “Ao aceitar esse convite, infelizmente, você se coloca na contracorrente da campanha global de BDS (boicotes, desinvestimento e sanções) a Israel, a qual tem a adesão inclusive do PSOL, sempre atuante na solidariedade ao povo palestino e denúncia da ocupação”.
A reportagem foi publicada por Sul 21, 07-01-2016.
A campanha de boicote a Israel é uma tática baseada na que foi realizada contra o apartheid sul-africano, em que empresas, intelectuais, pessoas e governos deixam de ir ou de manter relações com o país para protestar contra as medidas tomadas pelo Estado. No caso israelense, a campanha reivindica o direito do povo palestino à terra onde vivem, a qual é ocupada por Israel, que impõe uma série de restrições de direitos aos árabes que lá vivem. “Suas demandas são pelo fim da ocupação, derrubada do muro do apartheid, direitos iguais aos palestinos e cumprimento do legítimo direito de retorno às terras de onde vêm sendo expulsos há mais de 67 anos – ou seja desde a criação do Estado de Israel em 1948, a nakba (catástrofe palestina)”, explica a Frente.
O muro ao qual eles se referem também é citado no texto que Jean Wyllys divulgou em sua página no Facebook. “Visitamos bairros israelenses e palestinos e tivemos a oportunidade de ver com nossos próprios olhos o que a frieza dos mapas com as diversas fronteiras (as anteriores e as posteriores à guerra dos seis dias, e também as que impõe o muro construído por Israel para impedir os atentados terroristas, com efeitos desumanos para os palestinos)”, afirmou o deputado, sem mencionar que o muro já foi condenado inclusive pela Organização das Nações Unidas. Ele também cita o Hamas, grupo que comanda a Faixa de Gaza, definindo-o como um grupo terrorista, porém o Brasil, como país, não o considera como tal.
A Frente explica que “a tática de Israel de convidar personalidades e autoridades a participarem de palestras em suas instituições acadêmicas – cujo histórico de cumplicidade com a ocupação é amplamente comprovado – objetiva transmitir ao mundo a ideia de normalidade, enquanto mantém o apartheid, a colonização e ocupação de terras palestinas”. Jean afirmou ser favorável à existência de um Estado palestino, mas atribuiu as violações de direitos cometidas por Israel apenas às políticas do atual governo. “A ultra-direita israelense, hoje no governo, e os grupos terroristas e fundamentalistas islâmicos conspiram contra a paz e o medo ajuda ambos os extremos a manter muito poder, mas ainda há muita gente sensata tentando construir pontes de diálogo”.
O deputado diz ainda ser solidário ao povo judeu, visto que, como os homossexuais, estes enfrentam “um ódio antiquíssimo e os preconceitos e incompreensões da direita e da esquerda”. Por fim, ele se colocou contrário ao boicote, embora o seu partido tenha sempre se manifestado favorável. “Eu sou contra boicotes contra qualquer povo. Acho equivocado confundir governo, estado e população. O boicote detona as pontes e favorece os extremistas de ambos os lados, seja o Likud [partido de direita israelense] ou o Hamas [grupo que comanda a Faixa de Gaza]. E vou repetir aqui o que falei no final da minha palestra na universidade: da mesma forma que sou contra o boicote a Israel, acho uma contradição imperdoável que o governo israelense apoie na ONU o bloqueio norte-americano a Cuba!”, disse.
A nota da Frente também contesta essas colocações. “Você afirmou ser contra o boicote, então, vale o questionamento: ‘Você se oporia ao boicote ao apartheid na África do Sul, que foi decisivo para derrubar o regime de segregação de negros no país?’ A campanha de BDS se baseia nessa ação e é legítima. Estamos à disposição para um encontro assim que retornar, em que podemos apresentar-lhe com detalhes a campanha”, colocam, afirmando que, pelos posts feitos por ele, Jean aparenta desconhecer a história e a ocupação, além de não ter ido aos territórios ocupados. “Reiteramos convite feito por palestinos de que aproveite sua ida para conhecer a realidade da ocupação, colonização e apartheid. Ao conhecer a realidade, estamos certos que se engajará na campanha de BDS a Israel”, completam.
Confira a íntegra:
Querido companheiro Jean Wyllys,
É com surpresa que tomamos conhecimento de sua ida à Universidade Hebraica de Jerusalém para participar de palestra sobre temas como homofobia, anti-semitismo e diversidade. Ao aceitar esse convite, infelizmente, você se coloca na contracorrente da campanha global de BDS (boicotes, desinvestimento e sanções) a Israel, a qual tem a adesão inclusive do PSOL, sempre atuante na solidariedade ao povo palestino e denúncia da ocupação.
Lembramos que a campanha atende a chamado da sociedade civil palestina feito em 2005 e é a principal ação em solidariedade ao povo palestino na atualidade. A campanha não é de boicote a indivíduos, mas contra os vínculos institucionais e a cumplicidade com os crimes israelenses. Conta, inclusive, com apoio de israelenses e professores da Universidade Hebraica de Jerusalém. Suas demandas são pelo fim da ocupação, derrubada do muro do apartheid, direitos iguais aos palestinos e cumprimento do legítimo direito de retorno às terras de onde vêm sendo expulsos há mais de 67 anos – ou seja desde a criação do Estado de Israel em 1948, a nakba (catástrofe palestina).
A tática de Israel de convidar personalidades e autoridades a participarem de palestras em suas instituições acadêmicas – cujo histórico de cumplicidade com a ocupação é amplamente comprovado – objetiva transmitir ao mundo a ideia de normalidade, enquanto mantém o apartheid, a colonização e ocupação de terras palestinas.
Um dos instrumentos que Israel utiliza nesse sentido é o chamado pinkwashing. Como explica Gabriel Semerene em artigo de sua autoria intitulado “Israel lava mais rosa”, o termo significa “lavar de rosa” a imagem de Israel. “Essa lavagem, em linha com o mito autoproclamado de ‘única democracia do Oriente Médio’, retrata o país como um ‘paraíso LGBT’. Ela também tem a vantagem de reafirmar um imaginário orientalista, no qual todas sociedades árabes e/ou muçulmanas seriam retrógradas e tirânicas. Apesar do apartheid e da ocupação colonial promovidos por Israel, o pinkwashing permite ao país promover-se como um porto seguro LGBT em meio à barbárie, um bastião de valores liberais ocidentais num ‘oceano de tirania’.”
Semerene explica ainda que “a ocupação colonial da Palestina e o apartheid implantado pelo Estado de Israel afetam igualmente pessoas LGBT palestinas, que não são um grupo social à parte. Têm familiares, amigos e parceiros discriminados, encarcerados e assassinados por Israel, e são elas mesmas visadas pela ocupação.” Dessa forma, Israel sequestra a justa causa contra a homofobia para justificar seus crimes contra a humanidade. Jean Wyllys, ao aceitar o convite, lamentavelmente você cai nessa armadilha e contribui para isso.
As instituições acadêmicas de Israel têm histórico de cumplicidade com a colonização e ocupação de terras palestinas. A Universidade Hebraica de Jerusalém não só não é exceção, como tem campus construído em área da qual palestinos foram expulsos em 1968 – franca violação à IV Convenção de Genebra.
Na lógica da ocupação, a Universidade Hebraica de Jerusalém restringe a liberdade de expressão e manifestação a estudantes palestinos e destina-lhes tratamento desigual, incluindo aos que têm cidadania israelense. Não fornece ensino aos residentes em Jerusalém e áreas próximas ou cursos em árabe. Proíbe atividades que relembrem massacres, como os mais recentes em Gaza. Em compensação, oferece benefícios a militares israelenses que participaram dessas operações.
Além disso, essa universidade participa do Comitê de Supervisão e Promoção de estudantes e pessoal da Universidade de Ariel, construída na área em que está instalado o assentamento ilegal de Ariel, o maior de todos. Reconhece graus acadêmicos obtidos por essa instituição, mas não os pela Universidade Al-Quds, situada nas proximidades.
As instituições acadêmicas israelenses produzem em seus campi pesquisas militares e testam tecnologias bélicas ali desenvolvidas. A serviço da limpeza étnica do povo palestino e da ocupação, essas tecnologias são posteriormente testadas sobre os palestinos – como se pode observar nos recentes ataques a Gaza, que resultaram em 2.200 mortos, dos quais mais de 500 crianças – e apresentadas ao mundo.
Vimos em um post em sua página que você desconhece a história e a ocupação, por não ter tomado contato com os palestinos que vivem sob ocupação racista há mais de 67 anos. Embora em outros momentos já tenhamos entrado em contato contigo para falar de Palestina – e você tenha se pronunciado contra o genocídio em Gaza em 2014 –, por seu relato de viagem, também constatamos que não conhece a fundo a campanha de BDS a Israel. Você afirmou ser contra o boicote, então, vale o questionamento: “Você se oporia ao boicote ao apartheid na África do Sul, que foi decisivo para derrubar o regime de segregação de negros no país?” A campanha de BDS se baseia nessa ação e é legítima. Estamos à disposição para um encontro assim que retornar, em que podemos apresentar-lhe com detalhes a campanha.
Além disso, reiteramos convite feito por palestinos de que aproveite sua ida para conhecer a realidade da ocupação, colonização e apartheid. Ao conhecer a realidade, estamos certos que se engajará na campanha de BDS a Israel.
Os parlamentares do PSOL sempre apoiaram a causa palestina e a campanha de BDS. É muito importante para nossa luta que continuemos com sua importante presença.
Cordialmente,
Frente em Defesa do Povo Palestino
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Frente Palestina critica viagem de Jean Wyllys a Israel: "o PSOL sempre apoiou o boicote" - Instituto Humanitas Unisinos - IHU