Por: André | 03 Dezembro 2015
“É preciso constatar: o comércio de direitos de emissão e os outros dois “mecanismos flexíveis” cimentam com sua lógica neoliberal o sistema econômico baseado em fontes de energia fósseis (e nucleares). As alternativas estão sendo bloqueadas. Enquanto na política climática existirem mecanismos flexíveis e supostamente favoráveis ao mercado, estará garantida, sobretudo, uma coisa: o poder das empresas mineradoras, dos grupos energéticos e industriais, assim como dos governos que os sustentam”.
A análise é de Ulrich Brand, catedrático de Política Internacional na Universidade de Viena, e publicada por Página/12, 02-12-2015. A tradução é de André Langer.
Eis o artigo.
O Protocolo de Kyoto, assim como o sistema europeu do comércio de direitos de emissão, está em vigor desde 2005, mas o consumo de combustíveis fósseis, especialmente do carvão, aumentou no total. A razão disso são os preços baixos para carvão, gás e petróleo devido, entre outros fatores, à exploração – problemática do ponto de vista ambiental – de fontes de energia “não convencionais” procedentes de areias betuminosas ou mediante fraturação hidráulica.
O comércio de direitos de emissão e os outros dois mecanismos “flexíveis” de Kyoto foram uma falácia desde o princípio. Nas negociações do Protocolo de Kyoto de 1997 a União Europeia havia se pronunciado a favor de limites máximos claros para as emissões, mas os Estados Unidos e o Japão se impuseram. Os principais partidários do comércio de direitos de emissão foram, diga-se de passagem, a BP e a Shell.
Não devemos esquecer que ao final das árduas negociações do Protocolo de Kyoto, o comércio de direitos de emissão foi visto como uma solução transitória que deveria ser substituída a partir de 2020. Agora é declarado como única opção. Isto não deve ficar assim.
A União Europeia instalou, ao mesmo tempo, um sistema semelhante. Mas, dado que foram expedidos muitos certificados às empresas, o comércio dos direitos de emissão não serviu como incentivo para investimentos em tecnologias com emissões menores ou livres de emissões de CO2. Dessa maneira, os preços para uma tonelada de CO2 deveriam estar entre 20 e 30 euros. Em meados de novembro de 2015, o preço estava em 8 euros.
Mas o que é ainda pior: estudos para o ano de 2012 mostram que a maior parte do comércio com certificados de emissão foi realizada por investidores financeiros que comercializam com fins lucrativos. Estes investidores obtêm lucros maiores na compra e venda quando há grandes flutuações. E eles não têm interesse direto na redução das emissões de CO2. O sistema, no entanto, baseia-se precisamente em que não haja apenas preços bastante elevados, mas também em que estes sejam estáveis e as empresas possam planejar.
Os outros dois chamados “mecanismos flexíveis” do Protocolo de Kyoto permitem aos poluidores nos países industriais liberar-se dos esforços em política climática investindo em outros países do Norte Global ou do Sul Global. A isto se chama de “aplicação conjunta” ou “mecanismo de desenvolvimento limpo”. Em relação aos países em desenvolvimento isto é descaradamente imperialista, porque os projetos climáticos muitas vezes são contrários aos interesses da população local. É por isso que em muitos lugares surgiram resistências locais. O pesquisador de política climática Achim Brunnengräber fala com maior precisão de “comércio moderno de indulgências”, porque as empresas mais ricas e poderosas do Norte podem continuar contaminando graças ao fato de que apóiam projetos muitas vezes duvidosos em outros lugares.
O último em termos de política climática internacional, as “Contribuições Previstas e Determinadas em Nível Nacional” (em inglês INDC, em meados deste mês todos conheceremos este termo), são uma nova rodada de voluntariedade não vinculante. Se quisermos saber o que significa “voluntariedade”, basta olhar, atualmente e na Alemanha, para o escândalo relacionado à Volkswagen.
Do ponto de vista político, não se trata de negociar eternamente limites máximos, mas de acabar com métodos de produção destrutivos. Por isso, é preciso constatar: o comércio de direitos de emissão e os outros dois “mecanismos flexíveis” cimentam com sua lógica neoliberal o sistema econômico baseado em fontes de energia fósseis (e nucleares). As alternativas estão sendo bloqueadas. Enquanto na política climática existirem mecanismos flexíveis e supostamente favoráveis ao mercado, estará garantida, sobretudo, uma coisa: o poder das empresas mineradoras, dos grupos energéticos e industriais, assim como dos governos que os sustentam.
Uma reforma fundamental da economia energética e da economia em geral não deve ser submetida aos interesses de atores com poder de mercado. Os êxitos reais em política climática e contra a mudança climática, como a lei de promoção das energias renováveis na Alemanha, foram implementados contra a resistência inicial da indústria.
O abandono da energia do carvão, atualmente na agenda política na Alemanha, necessita de um debate político concreto na Alemanha. Por isso, são importantes os debates críticos públicos e os movimentos locais de resistência contra as iniciativas de fraturação hidráulica ou a construção de centrais térmicas de carvão. O movimento Ende Gelände (Terreno Final) a favor do fim da extração e exploração de carvão está se perfilando como o sucessor legítimo do movimento antinuclear.
Atualmente, existem muitas iniciativas que já praticam um modelo de prosperidade diferente: abandonando o automobilismo, os alimentos procedentes de fábricas de carne e da agricultura industrializada e muitas outras.
Trata-se de reconstruir fundamentalmente o modelo de produção e o estilo de vida; trata-se de uma transformação social e ecológica. Que esta transformação não se faça a expensas dos fracos, mas que se pense no social e no ecológico conjuntamente com as questões do poder e da propriedade é o ponto de inserção específico da política progressista.
No âmbito internacional, isto significa oferecer alternativas a médio prazo para os países cujas economias se baseiam na extração e venda de petróleo, gás e carvão. Trata-se, portanto, de uma economia mundial ecológica e solidária.
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O porquê do fracasso do Protocolo de Kyoto - Instituto Humanitas Unisinos - IHU