20 Novembro 2015
Fernanda Bragato apresenta dados sobre a violação de Direitos Humanos de indígenas. Para ela, se já não estamos vivendo o genocídio, estamos na iminência de um
No final de sua fala, numa tarde que acabou em muita chuva e vento, a professora e pesquisadora do Programa de Pós-graduação em Direito da Unisinos Fernanda Frizzo Bragato resumiu o que está por trás das disputas entre índios e brancos: “a grande batalha com os indígenas é uma visão de mundo”. É assim que a professora explica que a cosmovisão dos índios segue outra lógica, diferente da racionalidade ocidental. Isso faz com que brancos não consigam entender, por exemplo, suas relações com a natureza. Na saída da conferência, realizada na quinta-feira, 19-11, muitos reclamavam da chuva forte, dos transtornos, sentiam-se presos diante do temporal. Talvez, se entre eles estivesse um índio, a relação poderia ser de reverência a essa manifestação da natureza que abrandou a mormacenta tarde de primavera.
Fernanda Bragato: "25 assassinatos no Mato Grosso do Sul" |
O processo de disputa se dá, em grande parte, pelo silenciamento do governo brasileiro diante da causa indígena. A pesquisadora recorda o contexto histórico, em que o Brasil queria colonizar áreas de mata em nome de um projeto de desenvolvimento. Sem entender a cosmovisão indígena, o poder público tirava os povos da terra e os entregava à produção agrícola. “Só que depois, com a Constituição de 1988, houve um reconhecimento de direitos e empoderamento de povos indígenas que passaram a reivindicar suas terras originais”, explica. Entretanto, se por um lado a Constituição devolve as terras a povos originários, por outro, dispositivos jurídicos, como o Marco Temporal, e a inabilidade do Governo Federal em tratar a questão entravam e arrastam a solução para o problema. “Enquanto isso, os povos são sitiados em meio às fazendas, ameaçados pelos proprietários, sofrendo violações físicas e culturais”, destaca Fernanda.
Genocídios ou genocídio iminente?
Foto: Canal Ibase
Fernanda Frizzo Bragato olha para a questão indígena brasileira pelo Quadro de Análise da Organização das Nações Unidas – ONU sobre Fatores de Risco para Crimes de Atrocidade. É um instrumental metodológico que indica fatores que apontam para ocorrência de crime contra a humanidade. Com base na sua incursão pelo Mato Grosso do Sul e na análise documental, a pesquisadora detecta a presença desses fatores, sujeitando os povos indígenas a perversidade de crimes de violação previstos na legislação internacional de Direitos Humanos. “Nos perguntamos se já vivemos um genocídio. Ora, se já não estamos vivendo o genocídio, estamos na iminência de um. Estamos diante de vários fatores de risco. Não quer dizer que haja, mas nunca houve um genocídio que não fosse antecedido por esses fatores”, analisa.
O que a pesquisadora evidencia, é que, nesse caso, pouco importa se estamos à beira do genocídio ou no genocídio de fato. As violações e crimes vêm ocorrendo e já está mais do que na hora de o Estado Brasileiro reconhecer os direitos indígenas, cessando com o esquema de violência. “São 25 assassinatos de índios em Mato Grosso do Sul só no ano passado. São 50% dos homicídios indígenas do país, fora casos de desaparecimento”, lamenta a professora, ao revelar a face mais sangrenta do conflito que ainda arrasa com a cultura e forma de vida dos povos primários.
Rompendo a monocultura de pensamento
Da plateia, o professor de Ciências Sociais da Unisinos Walmir Pereira destaca que para vencer essa barreira e reconhecer o que é direito aos índios é preciso acabar com a “monocultura de pensamento”. Para ele, a política econômica nacional baseada no desenvolvimentismo e alicerçado na produção de commodities internacionais deve ser rompida. “Não tem saída, precisamos bater nesse modelo de política econômica que não privilegia outras formas de culturas, de relações de produção com a terra”, dispara, ao recordar que também é preciso um exercício de aceitação da cultura do outro.
Para a mestranda do Programa em Pós-Graduação de Direito da Unisinos, Bianka Adamatti, o modelo desenvolvimentista e a cultura ocidental só não impedem a compreensão de uma outra lógica de pensamento, de vida, como ainda geram preconceito. “Dizem que o índio quer muita terra, não produz e ainda quer andar de celular. Mas não é assim também, precisamos respeitar a cultura deles e aceitar as transformações. Se fosse assim, ainda andaríamos como Adão e Eva”, pontua.
Fernanda Bragato também reconhece as dificuldades, os limites culturais incrustrados na sociedade ocidental. “As pessoas não entendem por que abandonar hectares de lavouras de soja para dar para índio deixar o mato crescer”, destaca. Para ela, o Estado ainda vive o erro do passado ao apostar no confinamento de índios em reservas, numa falsa perspectiva de integrar os indígenas à nação. “Os índios mudam, mudam sim. Mas isso ocorre de acordo com sua cosmovisão e não para se integrar e ser como um de nós, ou habitantes de um periferia das cidades”, resume.
Por João Vitor Santos
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Genocídio Guarani Kaiowá: uma guerra de dois mundos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU