17 Novembro 2015
"Essas áreas então desocupadas, e que coincidem hoje com a mancha de lama que pode ser vista em imagens aéreas pós-rompimento, seriam então utilizadas para funções de baixa presença humana, como bosques florestados e parques. Ou seja, inaceitável que nessas áreas de extremo risco tenha-se convivido todo esse tempo com a instalação urbana de residências, escolas, comércio, etc", escreve Álvaro Rodrigues dos Santos, geólogo, em artigo publicado por Portal UOL, 16-11-2015.
Eis o artigo.
Não resta dúvida da determinante participação de inaceitáveis descuidos com fatores de ordem hidráulica e geotécnica entre as causas essenciais do rompimento de duas barragens de rejeito da SAMARCO (Vale + BHP Billiton) no município de Mariana – MG, e que vai tragicamente se consagrando como uma dos mais graves e letais desastres em obras da engenharia brasileira.
No entanto, há um fator importantíssimo que não vem sendo considerado, que se refere à inadmissível ausência no âmbito da empresa de procedimentos inerentes a um Plano de Gestão de Riscos. Ao menos, algo consistente e funcional.
Uma barragem, por maiores e mais confiáveis que sejam os cuidados com sua segurança, será sempre uma bomba armada. Pelo que, a áreas do vale a jusante das barragens que teoricamente pudessem ser atingidas pelas águas e detritos liberados por uma eventual ruptura devem ser sempre consideradas, na classificação internacional de riscos, como de Muito Alto Risco (risco 4, o mais elevado). Esse nível de preocupação com as áreas a jusante de barragens foi especialmente aguçado após a catástrofe de Banquiau. Em agosto de 1975, na província de Henan, na China, ocorreu um dos mais graves e espetaculares acidentes em obras e engenharia da história humana. O rompimento das barragens de regularização de cheias de Banqiao, no rio Ru, e Shimatan, no rio Hong, provocou a morte de mais de 230.000 pessoas, 145.000 diretamente e 85.000 em conseqüência de uma série de desgraças que se seguiram (fome, falta de atendimentos de emergência, doenças…).
Isso posto, salta aos olhos o absurdo da inexistência de um Plano de Gestão de Riscos que levasse em consideração as atividades humanas e os fatores ambientais no vale atingido, com especial atenção para a ocupação urbana representada pelo o distrito de Bento Rodrigues.
Houvesse atenção para esses cuidados e de há muito a empresa SAMARCO deveria ter providenciado a desocupação das áreas potencialmente mais vulneráveis, com o deslocamento de seus ocupantes para áreas próximas garantidamente seguras. Essas áreas então desocupadas, e que coincidem hoje com a mancha de lama que pode ser vista em imagens aéreas pós-rompimento, seriam então utilizadas para funções de baixa presença humana, como bosques florestados e parques. Ou seja, inaceitável que nessas áreas de extremo risco tenha-se convivido todo esse tempo com a instalação urbana de residências, escolas, comércio, etc.
Da mesma forma chama a atenção a ausência de um Plano de Contingência que envolvesse, devidamente para tanto treinada, a população do referido distrito. Um Plano de Contingência pelo qual cada cidadão saberia de antemão o que fazer de imediato e urgente na eventualidade de um sinal combinado que indicasse qualquer evidência de acidente com a barragem.
De imediato, talvez essa a maior lição que situações similares que se espalham por todo o território brasileiro possam tirar do doloroso desastre de Mariana: com a maior urgência possível estruturar Planos de Gestão de Riscos que, por determinações de caráter preventivo de relativamente fácil implementação, possam ao menos evitar que vidas humanas sejam tão gratuita e estupidamente ceifadas.
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Rompimento da barragem de rejeitos da Samarco em Mariana: além de tudo, um clássico exemplo de irresponsabilidade na gestão de riscos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU