Por: Cesar Sanson | 15 Junho 2015
Há um muro que divide o PT. Ao mesmo tempo em que tenta se reaproximar de seus militantes e eleitores, lideranças petistas desenham um diagnóstico sobre a situação da legenda que se distancia do que pensam e querem muitos de seus filiados. O fosso entre os dois grupos era claro no V Congresso Nacional e se tornou concreto no documento final do encontro, que poupou críticas ao Governo Dilma Rousseff.
A reportagem é de Afonso Benites e publicada por El País, 15-06-2015.
Nos últimos três dias, o EL PAÍS ouviu dez participantes do evento que ocorreu até este sábado, em Salvador. Os cinco líderes entrevistados, entre deputados e senadores, fizeram discursos bem semelhantes entre si e culparam, em parte, a mídia brasileira pela má avaliação da sigla diante da população. Só um deles reforçou que o partido precisa agir independentemente do Governo. Já os cinco militantes, todos delegados petistas, vindos de diferentes Estado brasileiros, são mais diretos na autocrítica e, quase que em uníssono, pediram uma maior aproximação da cúpula do PT com os movimentos sociais e suas bases.
Na “Carta de Salvador”, nome dado ao documento que vai pautar as ações dos petistas nos próximos meses, nenhuma crítica dura ao Governo Rousseff foi aprovada pelos delegados das diversas correntes da legenda —a única no Brasil a realizar um congresso com essas dimensões. Além disso, a única medida que parecia ser consenso entre os representantes das tendências, a renovação da CPMF (imposto sobre transações financeiras para financiar a saúde pública), acabou sendo excluída do texto final. O líder governista na Câmara, José Guimarães, e o deputado Carlos Zarattini foram dois dos principais defensores da estratégia do “deixa como está”. Assim, a presidenta conseguiu impedir que o fogo amigo de seu próprio partido desse munição para a oposição atacá-la. A tensão entre ser e sustentar um Governo de coalizão —especial um em dificuldades— e se manter um corpo dinâmico promotor de políticas públicas estava por todos os lados.
A maioria dos deputados e senadores ouvidos pela reportagem disse que parte do que ocorre com o PT hoje é culpa da mídia brasileira oposicionista e tem como objetivo influenciar nas eleições presidenciais que ocorrem daqui a quatro anos, quando o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pode concorrer à sucessão de Rousseff. “Massacrar o PT, fazer com que Dilma e Lula sangrem é única chance para evitar o retorno de Lula”, diz a deputada baiana Moema Gramacho.
O argumento também é usado por alguns militantes, mas a maioria deles diz que o principal erro do partido foi se distanciar de suas origens. “Temos de ir para uma ofensiva, resgatando a militância fazendo com que ela possa ser reanimada e fazer a transformação que esse país precisa e o PT já faz há 12 anos”, diz Írio Correia, microempresário em Santa Catarina que milita no PT desde sua fundação, há 35 anos.
A Central Única dos Trabalhadores (CUT), o braço sindical petista, foi outro grupo interno do partido que criticou o posicionamento da legenda. Em um documento apresentado no Congresso, a entidade dizia que não admitia a retirada de direitos trabalhistas prevista no pacote de ajuste fiscal e reclama que há um distanciamento entre o Governo e as centrais sindicais. A entidade tentou incluir na “Carta de Salvador” uma crítica contra o ministro Joaquim Levy, mas na prática só conseguiu acrescentar que a política econômica precisava ser orientada no sentido garantir mais empregos.
Boa parte dos militantes que se manifestou no encontro do PT pedia uma alteração na política de alianças e uma guinada governamental para a esquerda. Essa tese também não evoluiu, apesar de até dos defensores dos aliados hostilizarem um de seus principais líderes, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). “Não é porque um oportunista de ocasião conseguiu se alçar à presidência da Câmara que vamos perder as conquistas de doze anos de governo”, disse Zarattini ao defender a manutenção da atual base governista.
Uma das poucas lideranças críticas à legenda é o deputado paulista Arlindo Chinaglia. Ex-presidente da Câmara e ex-líder dos governos Lula e Dilma no Congresso, Chinaglia diz que o PT acostumou-se a ser Governo. “O problema é que o PT perdeu o vigor da divergência. Ele se habituou a apresentar um rol de realizações governamentais”. Ao lado de 34 dos 66 deputados petistas, o parlamentar assinou uma carta pedindo que a legenda tenha em seu programa uma reavaliação das alianças eleitorais visando os pleitos de 2016 e 2018. As municipais do ano que vem são o desafio mais imediato, ao qual a legenda chega abalada pelo escândalo da Petrobras e titubeando sobre a questão das doações empresariais, no cerne tanto do escândalo atual como o do mensalão, que completou uma década.
Caravana petista
A cobrança feita pelos delegados petistas se refletiu no discurso que o ex-presidente Lula fez na sexta-feira durante o lançamento de uma campanha de arrecadação de fundos para o partido. Lula cobrou que os deputados e senadores não doem apenas dinheiro para a agremiação, mas também os seus tempos. “Os nossos deputados, os nossos senadores poderiam dar um final de semana por mês para viajar pelo PT”, disse Lula com um claro tom de insatisfação. “O deputado e o senador são autoridades. Quando eles chegam numa cidade fora do Estado dele, ele vai dar entrevista para a rádio local, para o jornal e vai ajudar o PT a voltar a ser o que era quando tínhamos só 20 caras rodando esse país”.
Segundo o ex-presidente, foi com o contato olho no olho, mesmo em período não eleitoral, que o partido foi forjado a partir da década de 1980 e assim se fortaleceu nos anos seguintes. “Naquele tempo [anos 1980] a gente fazia PT com mais intensidade do que a gente faz hoje”. A fala dele chegou aos militantes, mas ao que parece, desagradou aos parlamentares.
“Acho que esse momento é o do ressurgimento de nosso partido enquanto força política. Temos que colocar isso como questão de honra”, reforçou o ex-presidente.
Desânimo
Com participação de 756 de seus 800 delegados, foi visto como um dos encontros de mais baixo envolvimento da militância de sua história recente, conforme três observadores que desde os anos 1990 participam dos debates da sigla.
O esvaziamento, de fato, não foi numérico, afinal 94,5% dos inscritos participaram. O desânimo apareceu no campo de debates de ideias e até na falta de empolgação nos discursos de seus líderes. Na abertura do Congresso cinco oradores falaram, mas apenas um deles teve a atenção total do público: Lula.
Enquanto o presidente do diretório baiano, Everaldo Anunciação, e o presidente do diretório nacional, Rui Falcão, falavam, dezenas de delegados conversavam como se estivessem em uma mesa de bar. Era até difícil ouvi-los, mesmo pelos alto-falantes. O anfitrião do encontro, o governador da Bahia, Rui Costa, enfrentou uma situação pior, enquanto discursava um grupo da juventude petista o vaiava e gritava a palavra Cabula, nome do bairro onde houve uma chacina praticada por policiais militares em fevereiro deste ano. Costa defendeu a atuação dos policiais.
Mais revelador ainda foi o caso de Dilma Rousseff, que falou por mais de 50 minutos e se deparou com uma situação constrangedora. Vários militantes deitaram no chão. Alguns cochilaram enquanto ela defendia seu Governo e pedia o apoio de seu partido —uma relação que nunca foi fácil para a ex-militante do PDT. Mais de uma centena deixou o local do evento antes mesmo do fim do discurso da presidenta, ainda que a maioria dos delegados estivesse hospedada no mesmo hotel do encontro. Apesar dos esforços de acomodação, o muro apareceu de novo.
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O muro que divide o PT - Instituto Humanitas Unisinos - IHU