21 Mai 2014
"A falta de comunicação geral entre os interessados, a burocracia e o despreparo de parte do setor público dificultam a adoção no ritmo desejado das políticas previstas no Plano Nacional de Resíduos Sólidos. Pior para a sociedade: o fim dos lixões, previsto para 2014, não sairá do papel."
A reportagem é de Márcia Pinheiro, publicada por CartaCapital, 20-05-2014.
Há uma discrepância entre a letra morta da lei e a prática na gestão dos resíduos sólidos. Embora a legislação determine as “responsabilidades compartilhadas”, o peso das operações recai quase absolutamente sobre os municípios, muitos deles despreparados para enfrentar o desafio. E há ainda a desinformação dos cidadãos médios sobre como fazer mais pela preservação do meio ambiente.
A falta de comunicação geral entre os interessados, a burocracia e o despreparo de parte do setor público dificultam a adoção no ritmo desejado das políticas previstas no Plano Nacional de Resíduos Sólidos. Pior para a sociedade: o fim dos lixões, previsto para 2014, não sairá do papel.
Essas foram algumas das principais conclusões do evento Resíduos Sólidos – Embalagens Pós-Consumo, realizado em São Paulo em 7 de maio. Mais um seminário da série Diálogos Capitais, o debate nasceu de uma parceria entre CartaCapital, o Instituto Envolverde e o Compromisso Empresarial pela Reciclagem (Cempre) e reuniu autoridades, representantes do setor privado, ONGs e movimentos sociais.
Convidada para proferir a palestra de abertura, Izabella Teixeira, ministra do Meio Ambiente, criticou a falta de diálogo entre os setores envolvidos na adoção do plano de resíduos. Segundo a ministra, deveríamos estar mais avançados a esta altura, com as cidades dedicadas à discussão sobre a maior eficiência na agenda ambiental. “É urgente compreender o funcionamento do sistema de logística reversa de resíduos, quem são seus atores e como ele deve ser administrado pelos municípios.”
O setor privado, os gestores públicos e as cooperativas de catadores precisam, diz a ministra, se organizar para oferecer um serviço de coleta seletiva e capacidade de logística reversa para garantir a segurança ambiental das cidades e dos ecossistemas afetados pela má gestão do lixo. Teixeira enfatizou a importância dos catadores em todo o processo de reciclagem. “Não faço uma reunião sem a presença deles. Hoje, tê-los à mesa é precondição de negociação.”
Victor Bicca, presidente do Cempre, listou os três objetivos principais da instituição: promover o conceito de Gerenciamento Integrado do Resíduo Sólido Municipal e a reciclagem pós-consumo e difundir a educação ambiental com foco na teoria dos três R (Reduzir, Reutilizar e Reciclar).
O também diretor de sustentabilidade da Coca-Cola Brasil para a Copa do Mundo citou outros cinco pontos principais para o avanço da política de resíduos sólidos: coleta seletiva, educação ambiental, inclusão social, instrumentos econômicos e política industrial para o setor reciclador. A reciclagem, ressalta, é uma oportunidade para integrar setores marginalizados da sociedade, entre eles os catadores de lixo.
O executivo criticou o peso dos impostos sobre a cadeia produtiva. A cobrança de tributos como o ICMS, afirma, precisa ser repensada. “Hoje, se comparar uma camisa de algodão e outra de pet reciclável é melhor comprar uma de algodão, que é mais barata. Ela usa, porém, uma matéria-prima não renovável, enquanto descartamos um material que poderia ser reutilizado”. A saída? “A gente precisa deixar a zona de conforto. As empresas realmente são muito reativas”.
Paulo Pompilio, diretor do Grupo Pão de Açúcar, diz que o varejo está muito envolvido no tema. O engajamento teve início em 2001, quando foi criada uma parceria com a indústria. As diretrizes do grupo varejista se concentram na valorização dos indivíduos, consumo e oferta consciente, transformação na cadeia de valor, gestão do impacto ambiental e envolvimento da sociedade.
O Pão de Açúcar tem um programa de coleta seletiva que atende a 200 lojas e centros de distribuição desde 2008. Firmou ainda uma parceria com a AES Eletropaulo para oferecer a troca voluntária de materiais recicláveis por descontos na conta do cliente. O material recebido é doado para 67 cooperativas de reciclagem parceiras e promove a geração de renda e a inclusão social. Mais de 8 mil trabalhadores são beneficiados direta e indiretamente a cada ano, detalhou o executivo.
André Chevis, gerente de Marketing de Multivarejo do Grupo Pão de Açúcar, aponta o poder transformador do varejo. Desde 2001, destacou, mais de 72 mil toneladas de papel foram reaproveitadas. O consumidor compra, e leva o descarte para as estações de reciclagem e as caixas verdes. O GPA separa o material e o reaproveita, transformando-o em novas embalagens, que têm preço menor.
Fernando Von Zuben, diretor de Meio Ambiente da Tetra Pak, traçou uma radiografia do setor de reciclagem, baseado em pesquisas com cidadãos latino-americano. A poluição é um problema sério para 92% dos habitantes da região, mas 72% não sabem como fazer mais pelo meio ambiente. Nem sequer conhecem as técnicas de separação dos resíduos sólidos urbanos.
O ciclo de vida das embalagens Tetra Pak, explica Von Zuben, está focado na preservação do meio ambiente, da produção da embalagem à educação do cliente, da relação com o varejo, o consumo e a coleta seletiva à triagem e reciclagem. A empresa trabalha atualmente com 600 cooperativas. “A reciclagem gera renda, emprego, impostos e menor impacto ambiental.”
Em agosto de 2014 se encerra, ao menos na lei, o prazo para o fim dos lixões. O cenário real está, porém, bem distante das determinações da lei. Por qual motivo? Um deles, descreve o secretário de Recursos Hídricos do Ministério do Meio Ambiente, Ney Maranhão, é a falta de gestores preparados nas cidades para imaginar alternativas menos poluentes. Maranhão prega uma mudança radical na forma de encarar e administrar os problemas. “Não podemos gerar resíduos de forma irresponsável ou consumir desenfreadamente.”
Os representantes das cadeias produtivas de plástico, papel, alumínio e garrafas pet presentes no evento reivindicaram medidas governamentais capazes de auxiliar as empresas a elevar os níveis de reciclagem da cadeia produtiva. Segundo as entidades patronais, não há mais espaço para burocracia, demora na tomada de ações ou falta de direcionamento nas instâncias legislativas.
“Monitoramos perto de 285 projetos de lei. Desses, 90% são estapafúrdios. Não servem para nada”, disparou o presidente da Associação Brasileira da Indústria do Pet, Auri Marçon.
Pedro Vilas Boas, diretor da área de produtos e reciclagem da Indústria Brasileira de Árvores, novo nome da antiga Bracelpa, reafirmou as reclamações.
“O poder público parece não fazer a sua parte nessa responsabilidade compartilhada. O fim dos lixões que deveria ser em 2014 não acontecerá. Temos aí os sistemas de coleta seletiva e a necessidade da desoneração da cadeia. Se isso não acontecer, poderemos ter recuo na reciclagem.”
Diretor do Cempre, André Vilhena afirmou que ficou para trás o tempo em que o governo se queixava de falta de recursos dos municípios para realizar a coleta seletiva de resíduos sólidos. “Não há falta de dinheiro hoje. Temos prefeituras que fazem ótimos trabalhos. Porto Alegre faz coleta seletiva há 25 anos. Com bons trabalhos, a iniciativa privada se sente motivada a criar ações.”
Aa companhias acumulam vários bons exemplos. Atualmente, 500 empresas estão envolvidas na reciclagem de pet. O faturamento anual do setor chega a 1,6 bilhão de reais. “Reciclamos quase 60% do material, ou 400 mil toneladas. A boa notícia é que a reciclagem de pet cresceu mais do que o pet virgem. O desafio é continuar a crescer. O maior gargalo é a coleta. Em certas épocas do ano, as recicladoras trabalham com mais de 30% de ociosidade”, descreve Marçon.
São Paulo, ao menos, promete se esforçar na melhora desse indicador. A prefeitura estuda uma forma de remunerar os trabalhadores responsáveis pela coleta dos materiais recicláveis na cidade, garantiu o secretário municipal de Serviços, Simão Pedro Chiovetti. “Temos um investimento aprovado pelo BNDES no valor de 42 milhões de reais para a capacitação e a qualificação dos trabalhadores. ONGs, universidades e entidades vão gerenciar as melhoras das condições das cooperativas. Entendemos tratar-se de um modelo ousado, novo.”
A prefeitura tem a intenção de reduzir de 98,2% para 20% o volume de resíduos despejado nos aterros sanitários da cidade nos próximos 20 anos. A medida atende ao pedido de Roberto Laureano, representante do Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis, outro participante dos debates. “Precisamos de investimento na ponta.”
Além de chamar atenção para o aumento de recursos, Laureano afirmou que a maior efetividade da reciclagem depende da ampliação do processo de formação técnica dos catadores, segundo cada área de atuação ou produto com o qual trabalham.
A capital paulista, garante Simão Pedro, tem um plano de coleta seletiva para os próximos 20 anos, com produção média de um quilo de resíduos por habitante ao dia. O secretário afirmou ainda que há dois grandes aterros em São Paulo, 22 cooperativas de catadores e 40 pontos de recepção de coleta seletiva de lixo, que atendem 40% dos bairros.
Diretor da Associação Brasileira de Fabricantes de Latas de Alta Reciclabilidade, Renault Castro afirma que o índice de reciclagem de latas de bebidas, de 3% em 1991, saltou para 98% no ano passado. É o maior percentual do mundo. Os principais consumidores são a indústria automotiva e o setor de siderurgia. O investimento desde o início dos anos 1990 chega a 1 bilhão de dólares.
Paulo Henrique Rangel Teixeira, diretor-superintendente da Associação Brasileira da Indústria de Plástico, enxerga muitos desafios para o setor. Existem atualmente 815 empresas, que geram 23 mil empregos, com faturamento de 2,5 bilhões de reais. O índice de reciclagem mecânica é de apenas 2%, embora o plástico represente 20% do resíduo sólido urbano. O potencial econômico da reciclagem, calcula Teixeira, é de 5,8 bilhões de reais. Prova de que, além de melhorar o meio ambiente, a boa gestão dos resíduos sólidos é um excelente negócio.
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