04 Agosto 2011
Existem muitas concordâncias entre Jesus e Sócrates, também sobre os "elementos de grecidade em Jesus de Nazaré". A questão, de fato, da hipotética comparação Jesus-Sócrates pode ser seriamente posta apenas em âmbito contextual.
A análise é de Gianfranco Ravasi, cardeal e presidente do Pontifício Conselho da Cultura, em artigo publicado no jornal Il Sole 24 Ore, 31-07-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Tentem clicar no Google o blog http://fiak.wordpress.com e, com surpresa, descobrirão nove concordâncias entre Jesus e Sócrates. O fato de elas serem confiáveis é outra história, mas é o indício de uma curiosidade que viu entrar nas nossas livrarias, no passado, dentre outros, dois ensaios sobre o assunto, os de Anne Baudart (2002) e de Francesco Tomatis ( 2007).
Lapidar era Kierkegaard que, em 1841, no seu Diário, anotava: "A semelhança entre Cristo e Sócrates se encontra na sua dessemelhança". No entanto, mesmo na última edição de uma importante revista científica como a Ricerche Storico Bibliche, destinada a reunir os trabalhos da XIII Conferência de Estudos Neotestamentários realizada em Ariccia, em 2009, nos deparamos com uma relação agradabilíssima, mas rigorosa, de um dos maiores exegetas italianos, Romano Penna, justamente sobre os "elementos de grecidade em Jesus de Nazaré", título que, no entanto, é acompanhado por um ponto de interrogação.
A questão, de fato, da hipotética comparação Jesus-Sócrates pode ser seriamente posta apenas em âmbito contextual. O primeiro círculo, o maior, desse horizonte se refere à Galileia, a região sede do ministério público mais relevante de Cristo, muitas vezes considerada precipitadamente, como escreve o evangelista Mateus (4, 15), "Galileia dos gentios", citando o profeta Isaías (8, 23) que falava de uma Galileia dos goyim, na prática, dos pagãos. Na realidade, as acuradas pesquisas realizadas por Mark A. Chancey (The Myth of a Gentile Galilee, de 2002, e Greco-Roman Culture and the Galilee of Jesus, de 2005, em terceira edição em 2007, ambos publicados pela Cambridge University Press) desferiram um duro golpe contra uma visão multicultural dessa área geográfica.
Certamente, a arquitetura greco-romana havia se estabelecido por obra do rei Herodes, o Grande, como atesta a arqueologia. Alguns discípulos de Jesus tinham nomes gregos, André e Filipe (e talvez Bartolomeu e Simão). O grego era conhecido e usado pelas classes judaicas ricas. Mas esse horizonte continuava sendo substancialmente judaico, e para Jesus pode-se afirmar com certeza só o que observa o estudioso catalão Armand Puig i Tàrrech, no seu Gesù, la risposta agli enigmi (Ed. San Paolo, 2007): "Não é de se excluir que Jesus tinha um conhecimento elementar da língua grega oral, que lhe permitia fazer um uso coloquial dela, mas não para falar em público [...] e não parece que ele escrevia ou lia o grego". Isso, porém, não descarta que os documentos capitais para conhecer as suas palavras e os seus atos, isto é, os Evangelhos, tenham sido escritos em grego, às vezes até em um bom grego, como reconhecia São Jerônimo a propósito do evangelista São Lucas, "graeci sermonis peritissimus".
De fato, não faltam nessas páginas reflexos socioculturais greco-romanos, como por exemplo na formulação da crítica de Jesus ao divórcio, claramente registrada por Marcos (10, 11-12), com base no direito helênico, dado que se introduz surpreendentemente também o caso do repúdio do marido por parte mulher e não só o repúdio judaico tradicional que via o marido como único ator.
Curioso – só para dar outro exemplo – é o uso posto na boca de Jesus por Mateus (16, 18) do sintagma "as portas do Hades". O círculo menor é o que se refere diretamente à figura do Jesus histórico. A entusiástica comparação que Gerald F. Downing havia desenvolvido entre Jesus e os filósofos cínicos em dois estudos, Christ and the Cynics (Sheffield Academic Press, 1988) e Cynics and Christian Origins (T&T Clark, Edimburgo, 1992), foi muito redimensionada por outros estudiosos. Os nexos paralelísticos eram, de fato, muito genéricos: a itinerância, a opção pela pobreza, a sobriedade, a simplicidade, a prática do celibato, a generosidade, a piedade pelos miseráveis, a rejeição dos privilégios e da opinião dominante, o perdão. Entre outras coisas, surpreendentemente, Jesus convida os seus discípulos a não levar consigo nem um bastão, nem uma sacola (Lucas 9, 3) que, ao contrário, eram os traços distintivos dos filósofos cínicos itinerantes.
Restrinjamos ainda mais o nosso círculo de análise, detendo-nos finalmente nas palavras de Cristo. Poder-se-ia lançar alguma ponte entre alguns dos seus ditos e os paralelos greco-romanos. Deixando de lado os temas mais vagos como o domínio sobre a ira e a rejeição à vingança, podemos citar dois exemplos mais circunscritos. Sobretudo, a "regra de ouro" enunciada no Sermão da Montanha: "Tudo o que quereis que os homens vos façam, fazei-o vós a eles" (Mateus 7, 12). Ela recorre negativamente em Heródoto e, positivamente (como Jesus faz), em Sêneca. Depois, há o lóghion ou "dito" sobre o "profeta desprezado na sua pátria" (Marcos 6, 4) que também está presente no Dion de Prusa ("A todos os filósofos é difícil a vida em sua pátria") e em Epicteto ("Os filósofos convidam a se afastar da sua pátria").
Porém, com Penna deve-se concluir que também nesses casos e em outros afins Jesus compartilha "um patrimônio comum em âmbito grego, fruto de um extenso intercâmbio intercultural". Entre outras coisas, não se trata nem de categorias capitais do pensamento de Cristo, que permanece firmemente ancorado na sua matriz judaica, seja com uma originalidade tão notável, seja com uma liberdade e até com uma deformidade que, no fim, fizesse da figura do homem de Nazaré um caso em separado.
E, então, o que dizer, voltando a Jesus e a Sócrates? Como afirmava Luciano Canfora, embora sobre outro tema, trata-se de uma comparação que pertence "ao lado da retórica, em vez do lado da pesquisa".
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Sócrates ou Jesus, fatos ou retóricas? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU