Hannah Arendt, 50 anos após sua morte. Artigo de Eugenio García-Huidobro

Foto: Münchner Stadtmuseum | Wikimedia Commons

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05 Dezembro 2025

Sua perspectiva oferece uma alternativa mais generosa e humana: a política como um espaço criativo, não apenas um campo de batalha.

O artigo é de Eugenio García-Huidobro, professor na Faculdade de Direito da Universidade Católica e faz parte do Centro de Estudos Latino-Americanos e Ibero-Americanos da Universidade de Yale, publicado por El País, 04-12-2025.

Eis o artigo.

Nos últimos anos, tenho me visto retornando repetidamente aos escritos de Hannah Arendt. Não tanto em busca de respostas (ela sabia melhor do que ninguém o quão ilusória seria essa expectativa), mas como uma forma mais lúcida de fazer as perguntas certas e compreender o mundo. Em tempos em que os debates públicos parecem concebidos para punir a nuance ou recompensar a concordância instantânea, e a academia muitas vezes parece capturada por tendências e métricas, revisitar Arendt tornou-se um pequeno ato de resistência intelectual.

Retorno a ela não apenas pela inegável e incômoda relevância de suas ideias, mas por algo mais pessoal: o exemplo de modelo intelectual que ela representa. Uma pensadora que abraçou a solidão do pensamento independente, que rejeitou as lealdades tribais do mundo político e acadêmico e que viveu o pensamento não como uma profissão, mas como uma forma exigente — e profundamente humana — de estar no mundo.

Por que Arendt continua a nos falar hoje, cinquenta anos após sua morte, que ocorreu em 4 de dezembro de 1975?

Ela compreendeu as tentações da política de massas antes que muitos estivessem dispostos a enxergá-las. Em As Origens do Totalitarismo, ela descreveu com uma clareza perturbadora como a solidão social — essa mistura de desconexão, ressentimento e vulnerabilidade — abre as portas para líderes que oferecem narrativas coerentes, mesmo quando falsas. Sua intuição de que as ficções políticas podem ser mais sedutoras do que a realidade tem uma relevância inquietante em uma época em que as mídias sociais transformam qualquer desconforto em certeza instantânea. Anos depois, em seu ensaio Verdade e Política, ela levaria essa intuição um passo adiante: alertou que os atores políticos raramente atacam a lógica de frente; o que fazem é criar ambientes onde a fronteira entre fato e ficção se torna tênue. Nem todas as mentiras são totalitárias, sugeriu ela, mas a mentira sistemática corrói o terreno comum sobre o qual a vida política se apoia. Em uma era de falsidades virais e desconfiança institucional, esse diagnóstico da fragilidade da verdade nas democracias soa menos como um alerta teórico do que como uma crônica do presente.

Mas o que realmente tornou Arendt uma pensadora indispensável foi seu foco no maior perigo da vida moderna: não o fanatismo, mas a falta de reflexão. Quando cobriu o julgamento de Adolf Eichmann em 1961, sua conclusão — a banalidade do mal — não tinha a intenção de trivializar os crimes do nazismo, como muitos alegavam, mas de desmistificar suas origens. Grandes atrocidades não exigem monstros. Exigem apenas pessoas comuns, como aquele burocrata austríaco, incapaz de parar para pensar, devotado a regras e obediente a ponto de cegueira. Em um mundo governado por algoritmos, indicadores e burocracias complexas que diluem a responsabilidade até torná-la imperceptível, sua lição é mais urgente do que nunca: o verdadeiro perigo não é o mal, mas a ausência de discernimento.

A esse compromisso de compreender o mundo em que vivemos, devemos acrescentar algo que sempre me fascinou: Arendt rejeitava tanto as panelinhas ideológicas quanto as acadêmicas. Ela irritava e escandalizava sionistas e antissionistas, liberais e marxistas, conservadores e progressistas. Gershom Scholem a acusou de falta de solidariedade com a causa judaica, mas ela respondeu apelando ao Selbstdenken, o pensamento independente. Em tempos de polarização e lealdades instantâneas, seu exemplo pessoal — e não apenas sua teoria — é extraordinariamente inspirador. A independência pode ser desconfortável, até dolorosa. Mas é o único lugar a partir do qual se pode pensar honestamente.

Essa independência não nasceu em uma sala de aula universitária ou na torre de marfim que ela frequentemente fomenta, mas na experiência crua da história. Arendt fugiu do nazismo, viveu no exílio, foi internada no campo de concentração de Gurs, reinventou sua vida em Nova York e sempre escreveu com a consciência de que a política poderia ruir da noite para o dia. Essa biografia, marcada pela vulnerabilidade e pelo desenraizamento, permeia toda a sua obra: a lucidez de quem conhece a fragilidade da humanidade, mas também sua capacidade de recomeçar. Sua ideia de nascimento — a possibilidade de iniciar algo radicalmente novo no mundo — não é uma metáfora abstrata, mas a história profunda de sua própria vida.

Talvez seja por isso que sua escrita combine um rigor incomum com uma humanidade surpreendente. Arendt podia dissecar a engrenagem do totalitarismo ou as contradições da política contemporânea com precisão cirúrgica, mas jamais sucumbiu ao cinismo. Ela denunciava o mal sem abandonar a esperança. Reconhecia a gravidade da política sem perder de vista a dignidade inerente à ação coletiva. Para aqueles de nós que trabalhamos no mundo do direito, das instituições ou das políticas públicas — onde é fácil deslizar para a tecnocracia, a nostalgia ou o fatalismo —, Arendt oferece outra maneira de abordar a política: pensar não apenas como um exercício intelectual, mas como um ato de cuidado para honrar a pluralidade humana.

Sua disposição para pensar publicamente também é inspiradora. Arendt não se refugiou no conforto acadêmico ou em suas convenções bizantinas. Ela escreveu relatórios, ensaios e interveio em controvérsias que a expuseram a críticas ferozes. Eichmann em Jerusalém não é um livro escrito para a mesa de escritório; é jornalismo filosófico. Sua decisão de publicar o que viu e pensou — mesmo sabendo que teria um custo pessoal e profissional — é uma lição de coragem. Para aqueles de nós que acreditamos na importância de participar do debate público sem sacrificar o rigor, Arendt nos lembra que a opinião não é um refúgio, mas um risco assumido como um compromisso com os outros.

Tudo isso tem uma raiz comum. Arendt compreendeu que a política é, acima de tudo, a arte de conviver. Em A Condição Humana, ela defendeu brilhantemente a pluralidade, a ideia de que a política existe porque somos diferentes, e não apesar disso. Hoje, quando algoritmos nos confinam a bolhas, a política busca disciplinar a ponto de sufocar, e os debates públicos se reduzem a escolhas binárias, sua perspectiva oferece uma alternativa mais generosa e humana: a política como um espaço criativo, e não apenas um campo de batalha.

Talvez, no fim das contas, a qualidade mais admirável de Arendt tenha sido sua coragem. Ela cometeu erros, pediu desculpas, defendeu seus argumentos quando acreditava estar certa, rompeu amizades e construiu novas. Algumas de suas posições foram controversas e problemáticas, como demonstram suas reflexões sobre os conselhos revolucionários durante a revolta húngara de 1956 ou seus escritos sobre a integração racial nas escolas do sul dos Estados Unidos. Mas, acima de tudo, ela teve a coragem de pensar em voz alta. Sua vida demonstra que a honestidade intelectual não é um estilo, mas um compromisso. Pensar livremente implica pagar certos preços, e ela os suportou com uma serenidade que permanece exemplar. E sua coragem se revela não apenas em suas controvérsias públicas, mas também em episódios menos conhecidos, como quando, em 1940, ela escapou do campo de internação de Gurs depois de encorajar e ajudar outras mulheres a se organizarem. Arendt compreendeu então que a ação exige não poder, mas determinação: uma percepção que marcaria toda a sua filosofia.

Cinquenta anos se passaram desde sua morte, mas Hannah Arendt não envelheceu. Pelo contrário, somos nós que, tardiamente e com dificuldade, finalmente estamos compreendendo a profundidade de suas ideias. Em uma época marcada por ruído, suspeita e vertigem, retornar a Arendt é um convite para redescobrir a lucidez, a dúvida e o diálogo. Um convite, como ela mesma sugeriu, para pensar sem amarras.

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