Quantos soldados russos e ucranianos morreram na frente de batalha? É segredo militar. Artigo de Gianluca Di Feo

Foto: Muhammed Enes Yıldırım/Anadolu Ajansi

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28 Novembro 2025

"Agora, porém, a dispensa desses soldados é assustadora. E há um forte temor de que isso possa influenciar o resultado da guerra ainda mais do que a demografia", escreve Gianluca Di Feo, jornalista italiano, em artigo publicado por La Repubblica, 27-11-2025.

Eis o artigo.

Desde o início da invasão, esses têm sido os dados mais inacessíveis. Tentamos obter respostas por meio de jornais, sites especializados, blogueiros, agências de inteligência. E cemitérios.

É o segredo mais inacessível da guerra, o único defendido com igual rigor por ambos os lados: durante 45 meses, resistiu a manobras de espionagem e investigações jornalísticas. Moscou e Kiev estão fazendo tudo o que podem para garantir que permaneça oculto. É fácil entender por que é tão ferozmente guardado: é uma verdade terrível. Estamos falando do número de mortos nos campos de batalha ucranianos, uma carnificina sem fim.

A única certeza é que continua a aumentar a cada semana.

A única maneira de entender isso é visitar qualquer cemitério em qualquer um dos dois países. O primeiro que você encontra ao chegar à Ucrânia vindo da Polônia fica nos arredores de Lviv: os túmulos dos soldados estão adornados com as bandeiras e estandartes das unidades em que serviram. Os sepultamentos da primavera de 2023 estão misturados com os de civis; os posteriores transbordaram, ocupando cada espaço disponível por centenas e centenas de metros.

Uma cidade como Milão

Agências de inteligência e centros de estudos divulgam periodicamente estatísticas, sempre baseadas em dados frágeis e sempre igualmente dramáticas. Em junho passado, o Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais (CSIS), que ganhou grande notoriedade por suas análises deste conflito, publicou uma estimativa assustadora: um total de 1,4 milhão de mortos e feridos graves. Para se ter uma ideia da dimensão do problema, é como se toda a população de Milão tivesse sido dizimada. Um milhão de russos seriam mortos; um quarto deles. Entre os 400 mil ucranianos, as baixas variam entre 60 mil e 100 mil. Se acreditarmos em Donald Trump, que supostamente é uma das autoridades mais bem informadas do planeta, a cada mês desde junho, outros 20 mil homens foram sacrificados pelos planos do Kremlin e 5 mil pela defesa da Ucrânia. A isso, devem ser adicionados os feridos e, mesmo utilizando critérios mínimos, o número final ultrapassa 1,65 milhão. Uma vasta extensão de cadáveres e corpos mutilados, com mais de 350 mil russos mortos.

As fontes do CSIS são principalmente os serviços de inteligência dos EUA e do Reino Unido. Por sua vez, o jornal online Meduza, fundado na Letônia por dissidentes russos, examinou uma série de dados objetivos, em particular os do Rosstat, o equivalente moscovita do Istat. A equipe editorial exilada estima que entre 200 mil e 220 mil soldados russos perderam a vida até meados de 2025. A esses, devem ser adicionados outros 30 mil a 40 mil desaparecidos, cujas famílias iniciaram processos judiciais para que suas mortes sejam reconhecidas. Desde a primavera passada, a distribuição dos boletins do Rosstat foi suspensa e não há mais parâmetros. No entanto, existe uma lista com 140 mil nomes de soldados russos mortos em combate, identificados em obituários e nos sites de associações de combatentes: ela é compilada pelo Mediazona — jornal fundado após a libertação das integrantes do Pussy Riot, Maria Alyokhina e Nadezhda Tolokonnikova —, pela BBC News Rússia e por um coletivo de voluntários.

Nenhuma esperança

E os ucranianos? A única comunicação do presidente Zelensky data de fevereiro de 2025: ele escreveu que "mais de 46 mil soldados morreram". Os sites Lostarmour.info e UALosses.org, dois sites pró-Putin, vasculharam obituários e sites de veteranos para compilar uma lista de 70 mil soldados mortos em Kiev: verificações neutras consideram-na confiável. No entanto, atenção: há também 80 mil desaparecidos, cujo destino é complexo de avaliar. Yurii Butusov, um blogueiro de Kiev com boas conexões nas forças armadas, afirma que 35 mil deles morreram em combate. Imagens da frente de batalha mostram desprezo pelos cadáveres inimigos, muitas vezes abandonados por semanas: sinal de uma ferocidade especialmente encontrada em guerras civis, onde o ódio mútuo apaga até mesmo a compaixão pelos mortos.

Em junho passado, durante negociações em Istambul, foi acordada uma troca de corpos. Os ucranianos receberam até agora 6.057; Moscou lamenta que apenas 78 tenham sido entregues. Não se pode descartar a possibilidade de que alguns dos ucranianos desaparecidos em combate sejam, na verdade, desertores que fugiram para o exterior: desde o início da invasão, o sistema de justiça militar abriu 65 mil processos por esse crime. Na Rússia, estima-se que menos de 20 mil tenham abandonado seus uniformes, apesar de batalhões inteiros terem sido sacrificados como bucha de canhão. As punições lá são implacáveis ​​e sumárias: alguns vídeos gravados por drones mostram soldados de infantaria em fuga sendo mortos por seus camaradas. Esses métodos remetem à frase atribuída a Stalin: "No exército soviético, é preciso mais coragem para recuar do que para atacar".

Todos os observadores acreditam que, desde o início do verão, o massacre se tornou ainda mais sangrento. Os combates se alastraram de norte a sul, de Kharkhiv a Zaporíjia, estendendo-se por mil quilômetros. Relatos da linha de frente, no entanto, descrevem uma rarefação dos combates. Os russos têm evitado ataques frontais, privilegiando a infiltração de pequenas equipes. Essa tática é a resposta a uma mudança radical nos combates: o uso de milhares de drones assassinos, que transformaram uma faixa de terra de vinte a quarenta quilômetros de profundidade próxima à linha de frente em um campo de extermínio. Dia e noite, esses insetos mecânicos voam em busca de presas : há um ano, atacavam apenas veículos; agora, atacam alvos humanos. Hoje, os drones são responsáveis ​​por 80% das baixas em ambos os lados.

O primeiro efeito desse pesadelo é a impossibilidade de salvar os feridos. Os exércitos ocidentais têm um mantra sobre a "hora de ouro", o tempo disponível para transportar as vítimas a um centro médico: helicópteros e veículos blindados especialmente equipados são usados ​​para estabilizar as vítimas antes da cirurgia, sem perder tempo. Nesta guerra, porém, os veículos aéreos não tripulados impedem qualquer movimento, lançando-se contra ambulâncias e socorristas para eliminar qualquer esperança de resgate rápido. Poucos dos atingidos sobrevivem: a proporção de mortos para feridos, todos muito graves, é de um para um. Como as tropas de Putin lideram a ofensiva, avançando sem cobertura, sofrem as maiores perdas. O comandante ucraniano Robert "Magyar" Brovdi, considerado o criador da zona de morte, afirmou que somente em outubro, seus drones alvejaram 8.060 inimigos, dos quais 4.729 foram mortos: "Cada ação é documentada em vídeo". Em Kiev, observadores perspicazes estão convencidos de que, durante grandes ataques, Moscou deixa trezentos homens em terra todos os dias. O Ministério da Defesa ucraniano publica números dramáticos, quase propagandísticos, com um recorde em dezembro passado: 1.570 mortos e feridos russos por dia, o triplo do número registrado em 2022.

A Grande Fuga

O custo humano é aterrador: no Vietnã, os americanos enterraram 58 mil soldados e, no Iraque, 4.431. Putin colocou mais de 300 mil de seus cidadãos em caixões, estabelecendo um recorde de derramamento de sangue sem precedentes desde 1945. Um massacre sem paralelo na história recente da Rússia: a invasão soviética do Afeganistão custou a Moscou 16 mil mortes, e as duas longas guerras na Chechênia, 25 mil. Há algo talvez ainda mais terrível. Por trás do horror, as estatísticas de baixas escondem uma observação alarmante: esse imenso moedor de carne beneficia a Rússia, que tem 33 milhões de homens elegíveis, em comparação com os teóricos seis milhões da Ucrânia. O Kremlin continua recrutando 30 mil voluntários por mês, enquanto Kiev é incapaz de repor suas perdas. O novo czar está ensinando ao mundo uma lição cínica de crueldade, continuando o conflito apesar da carnificina. Relatórios oficiais, no entanto, afirmam que, desde o início do ano, 162.500 soldados ucranianos desertaram de suas unidades "sem motivo". No passado, a maioria dos desaparecidos abandonava as brigadas de recrutamento para se juntar a tropas de elite — como o Regimento Azov, os paraquedistas e os fuzileiros navais — e, até agora, apenas 9 mil foram acusados ​​de deserção. Agora, porém, a dispensa desses soldados é assustadora. E há um forte temor de que isso possa influenciar o resultado da guerra ainda mais do que a demografia.

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