25 Novembro 2025
25N — Dia Internacional para a Eliminação da Violência contra as Mulheres
A forma mais disseminada e frequente de brutalidade em escala global tem consequências devastadoras tanto para as vítimas quanto para a sociedade como um todo.
O artigo é de Marta Fraile, publicado por El País, 25-11-2025.
Marta Fraile é professora pesquisadora no Instituto de Bens e Políticas Públicas do CSIC (Conselho Superior de Investigações Científicas da Espanha).
Eis o artigo.
Houve um tempo, não muito distante na Espanha, em que o silêncio em torno dos abusos sofridos por muitas mulheres em seus lares era comum. Esse silêncio tinha raízes profundas. As normas sociais da época pressupunham que as mulheres deveriam satisfazer os desejos sexuais de seus maridos e que os homens tinham o direito de decidir quando ter relações sexuais. Essa ordem aceitava a violência física e psicológica como forma de resolver conflitos familiares, reforçando o poder íntimo dos homens sobre as mulheres.
Desde então, muitos progressos foram alcançados. A convergência gradual de papéis entre homens e mulheres na vida social, política e econômica é uma das conquistas mais significativas das últimas décadas. No entanto, a violência de gênero continua sendo uma ameaça persistente e universal ao bem-estar das mulheres. Segundo dados do Instituto Nacional de Estatística da Espanha (INE), com base no cadastro central do Ministério da Justiça, 34.684 vítimas de violência de gênero foram registradas em 2024.
O mais recente inquérito europeu sobre violência de gênero (2022) também apresenta números alarmantes: entre as mulheres dos 16 aos 74 anos residentes em Espanha que já tiveram um parceiro, estima-se que 28,7% (aproximadamente 4.806.054 mulheres) sofreram alguma forma de violência por parte do seu parceiro ao longo da vida. A incidência é ainda maior entre as mulheres jovens: 38,4% (909.941 mulheres entre os 18 e os 29 anos). Por fim, foram registados 38 feminicídios até ao momento em 2025. Entre 2003 e 2025, o número total de vítimas atingiu 1.333, segundo dados do Ministério da Igualdade.
No entanto, a preocupação pública com esse problema continua mínima. No barômetro da CEI, em junho passado, apenas 1% dos entrevistados identificou a violência de gênero entre os três principais problemas do país, um número que nunca ultrapassou 8% na última década.
Embora alguns meios de comunicação e líderes políticos tendam a minimizar esse problema, é importante lembrar que a violência de gênero continua sendo a forma de violência mais disseminada e frequente em todo o mundo. Para compreender sua magnitude, o livro de Anke Hoeffler e James D. Fearon, "Pior que a Guerra: Os Custos Globais da Violência", mostra que agressões perpetradas por parceiros íntimos, predominantemente homens contra mulheres, ocorrem com mais frequência do que homicídios e mortes ou ferimentos graves resultantes de guerras e ataques terroristas. A violência de gênero tem consequências devastadoras não apenas para as mulheres, mas também para o bem-estar e o desenvolvimento das sociedades como um todo.
Compreender as causas da violência de gênero é particularmente complexo porque o que as vítimas consideram violência é condicionado por fatores culturais, o que dificulta a comparação de resultados entre diferentes sociedades. Além disso, sabemos que as vítimas enfrentam fortes desincentivos para denunciar o abuso, de modo que as estatísticas podem, em alguns casos, refletir uma maior confiança no sistema de justiça criminal em vez de um aumento real da violência. Mesmo assim, nos últimos 30 anos, a comunidade científica avançou nos métodos de mensuração e incorporou módulos específicos sobre violência doméstica em pesquisas domiciliares em um número crescente de países. Um bom exemplo é o extenso relatório da Organização Mundial da Saúde.
A pesquisa em ciências sociais identificou inúmeros fatores de risco associados a agressores, incluindo exposição à violência na infância, falta de apoio social, pobreza e abuso de substâncias. No entanto, menos atenção tem sido dada à complexa interação entre leis, normas e cultura, relegando elementos fundamentais como instituições políticas e movimentos sociais a um segundo plano.
Estudos recentes mostram que a legislação que estabelece sanções penais para comportamentos abusivos ajuda a transformar normas sociais relacionadas à violência de gênero, fomentando atitudes críticas em relação a essas práticas.
Da mesma forma, campanhas de conscientização na mídia e programas implementados em escolas e locais de trabalho têm apresentado resultados positivos em todo o mundo. Um excelente exemplo é o programa SASA!, uma intervenção iniciada em Uganda e adaptada em mais de 50 países, que demonstrou sua capacidade de mudar atitudes e comportamentos em relação à violência contra a mulher.
A pesquisa também destacou o papel do movimento feminista como um fator decisivo nas mudanças legais e políticas relativas à violência de gênero. Esses movimentos não apenas contribuíram para a reforma de leis e políticas públicas, mas também disseminaram informações sobre novas normas de tratamento para as mulheres e fomentaram um aumento nas taxas de denúncia.
O comovente romance autobiográfico de Cristina Rivera Garza, "O Verão Invencível de Liliana", narra a história de sua irmã Liliana, assassinada em um feminicídio no México dos anos 1990, aos 20 anos, por seu ex-companheiro. O crime foi silenciado na época, deixando o perpetrador impune e ainda à solta. A autora relata como, 30 anos depois, encontrou forças para escrever este livro, forças inspiradas por movimentos feministas como a Onda Verde na Argentina, os protestos na Espanha e as marchas de jovens mulheres no México contra os feminicídios, cujo ímpeto a convenceu de que vale a pena continuar lutando para acabar com essa violência atroz.
No entanto, ainda há muito a ser feito. É crucial compreender melhor as dificuldades que as mulheres enfrentam ao interagir com as instituições às quais recorrem para denunciar os abusos, especialmente quando esse processo envolve a polícia e o sistema de justiça criminal. As vítimas de violência muitas vezes se sentem sozinhas e com medo, e denunciar o abuso à polícia exige não apenas muita coragem, mas também recursos adequados e a força para navegar pelo labirinto burocrático e pelas rigidezes impostas pelos protocolos.
Denunciar a violência doméstica pode ter efeitos devastadores no lar, e as vítimas enfrentam incertezas quanto à resposta institucional e à reação da própria comunidade. Mesmo quando uma mulher deseja pôr fim à violência que sofre, o medo de dificuldades — por exemplo, uma queda drástica na renda familiar caso o agressor seja punido — é totalmente compreensível. Ainda sabemos muito pouco sobre as condições que tornam as mulheres mais propensas a denunciar o abuso, e é necessário investir mais tempo e recursos em pesquisas para entender melhor como as vítimas de violência abordam essa decisão.
Combater a violência de gênero é um imperativo moral. Viver sob violência, ou sob sua constante ameaça, dentro de casa prejudica seriamente a saúde e o bem-estar de milhões de mulheres em todo o mundo e tem consequências devastadoras para seus filhos, bem como para os sistemas políticos, sociais e econômicos em que vivem. Desconfie daqueles que minimizam esse problema: embora possa parecer que fizemos grandes progressos, a verdade é que ainda há um longo caminho a percorrer até que a igualdade possa realmente existir, em paz e sem medo, na privacidade de cada lar.
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