25 Outubro 2025
O sol era um olho malévolo no céu de Turkana. A irmã da Misericórdia Selina Mbui observava o horizonte tremeluzir, não de calor, mas do próprio ar, espesso com a lembrança de uma chuva que nunca veio.
A informação é de Gitonga Njeru, publicada por National Catholic Reporter, 24-10-2025.
A comunidade estava definhando: corpos magros, mas espíritos ainda mais ressecados. Esta era a frente invisível da mudança climática. Era ali que elas atuavam.
O impacto físico da seca, que há anos castiga Lokori, um povoado a 150 quilômetros de Lodwar, no condado de Turkana, é evidente: colheitas perdidas, gado morto, crianças desnutridas.
Mas Mbui e suas companheiras, que administram um centro de capacitação e um posto de saúde das Irmãs da Misericórdia em uma região remota, identificam algo mais profundo, uma doença da mente. A comunidade local chama de roho kavu, “espírito seco”.
“Não é apenas falta de água, é falta de esperança”, disse Mbui ao Global Sisters Report. “A terra está morrendo, e também os corações. Sentem-se abandonados, até mesmo por seu próprio governo”, acrescentou.
O estresse constante corroeu a resiliência da comunidade. Pais que antes eram provedores agora se sentem impotentes.
Phillip Kibokong, pai de três filhos, disse a Mbui: “Minhas mãos estão vazias. Minha terra é poeira. Meus filhos olham para mim, e não tenho nada a oferecer. Eles veem um fracassado. Tornei-me alcoólatra. Mas o trabalho das irmãs católicas aqui está lentamente nos devolvendo a esperança.”
“Elas nos deram mais esperança do que o governo”, acrescentou.
Esse sentimento de inutilidade se espalha, levando ao aumento da ansiedade e da depressão. Jovens, cuja identidade estava ligada ao rebanho, agora vagam sem rumo. As mulheres, tradicionalmente o pilar da família, são as mais vulneráveis. Sua rotina diária de buscar água e comida se tornou uma tarefa brutal e inútil.
“O estresse sobre as mulheres é imenso”, observou Irmã Josephine Mwenda, conselheira em Lokori. “Elas carregam o peso da fome da família e o medo do futuro. Temos visto um aumento preocupante nos relatos de pensamentos suicidas, especialmente entre mães jovens.”
Pesquisas científicas confirmam as observações. Estudos locais mostram uma correlação direta entre longos períodos de seca em regiões áridas e semiáridas e um aumento significativo de transtornos mentais. O impacto psicológico, segundo os pesquisadores, é muitas vezes mais debilitante a longo prazo do que a própria dificuldade física.
Um ministério de presença
O trabalho das irmãs sempre foi o cuidado. Mas a crise climática exigiu uma nova abordagem, elas não alimentam apenas corpos, mas também almas. Seu pequeno complexo se tornou um refúgio.
As pessoas não procuram apenas farinha de milho, mas um ouvido que escute.
“Chamamos isso de ministério da presença”, explicou Mbui. “Às vezes, a coisa mais importante que podemos oferecer é simplesmente estar presente na vida delas, sentar em seu sofrimento sem tentar consertá-lo.”
As irmãs seguram as mãos das pessoas. Ouvem suas histórias de perda. Permitem que chorem.
“Dizemos que está tudo bem chorar”, contou Mwenda.
A assistência pastoral é simples, mas profunda. Grupos de oração se transformam em grupos de apoio. As pessoas compartilham seus medos e angústias.
“Eu era uma vergonha para minha família”, confessou Charles Ekwam, um jovem participante. “Perdi tudo. Achei que Deus nos havia abandonado. Mas aqui, com as irmãs e meus amigos, sei que não estou sozinho no sofrimento.”
As aulas de catecismo também incluem lições sobre resiliência e fortaleza espiritual. As irmãs falam da presença de Deus no sofrimento e ajudam a comunidade a redescobrir sentido nas Escrituras.
“Usamos a história de Jó”, disse Mbui. “Seu sofrimento foi imenso, mas sua fé resistiu. É uma mensagem poderosa para uma comunidade que se sente testada além dos limites.”
Sementes de esperança
As freiras também coordenam pequenos projetos de resiliência. Ensinam mulheres a cultivar grãos resistentes à seca, como sorgo e milheto, esquecidos por causa do milho, que exige mais água. Promovem cursos de apicultura e criação de aves.
Esses projetos não tratam apenas de comida, mas de esperança. Dão às pessoas um senso de autonomia.
“Quando você planta uma semente, está fazendo uma declaração”, disse Mwenda. “Está dizendo, ‘Acredito que existe um futuro’. É um ato de desafio contra o desespero.”
“O sentimento de produzir algo, de nutrir a vida no solo seco, é um poderoso antídoto contra a sensação de impotência”, acrescentou.
Eunice Adong, que havia perdido todo o seu rebanho, agora cultiva uma pequena horta. “Cada folha que nasce é uma pequena vitória”, contou. “É um sinal de Deus de que Ele não nos esqueceu. As irmãs nos mostraram como lutar, não com armas, mas com nossas mãos e nossas mentes.”
O peso da missão
O trabalho tem um custo pessoal para as irmãs. O desespero de uma comunidade é um fardo pesado.
“Carregamos suas dores”, disse Irmã Agnes Kamau. “Às vezes o peso é insuportável. Choramos em silêncio.”
Elas encontram força na oração e no apoio mútuo. “Lembramos que nossa missão não é consertar o mundo, mas ser uma luz na escuridão”, afirmou Mwenda.
As irmãs também lutam com as mesmas perguntas teológicas da comunidade: por que um Deus criador permite isso? Como um Deus bondoso pode deixar a terra fracassar?
“A teologia com o estômago cheio é fácil”, disse Kamau. “Aqui, é uma luta constante. Passamos a acreditar que Deus não está ausente, mas presente no sofrimento, nas lágrimas, no pão compartilhado, nos pequenos gestos de bondade.”
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