21 Outubro 2025
"O convite para moderar os tons é jogado de uma facção para outra, todos os dias, como um objeto contundente", escreve Flavia Perina, jornalista italiana, em artigo publicado por La Stampa, 20-10-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
Eis o artigo.
O vídeo mais recente de Donald Trump, com a coroa de rei, pilotando um caça e jogando esterco nos manifestantes do "No King", deve abrir nossos olhos para o debate sobre o ódio que há muito tempo grassa na Itália. Essa tão discutida política do ódio, essa onda do excesso rancoroso e vingativo, talvez não passe de uma moda estadunidense e de sucesso, a prova de uma hegemonia EUA que nunca esmoreceu, nem mesmo no viés cultural. Quando Barack Obama estava no cargo, a tendência era ser agradáveis, joviais, se possível bons dançarinos, oradores impecáveis, e quase todos tentaram parecer obamianos, mesmo que ninguém jamais tenha conseguido plenamente. O amor vencendo o ódio era a onda do momento, adotada até mesmo por Silvio Berlusconi, que fazia questão de ser retratado como líder generoso e benévolo com todos. Agora, a prepotência está vencendo. No segundo vídeo do dia, Trump se representa como Carlos Magno ou talvez o Rei Arthur diante de um grupo de súditos que dobram os joelhos e a cabeça em submissão ao soberano. Ou se curvam ou cocô na cabeça: a mensagem é muito clara. Os Magas ficarão em êxtase.
"Nas urnas, a escolha é entre amor e ódio", diz o candidato trabalhista que, na série Slow Horses, enfrenta um populista do tipo Nigel Farage.
We realize he is coming for us next. They are using intimidation to silence us. Every time we take to the streets, we bring more with us. You won’t silence us. Ever. So quit with the BS bullying tactics. pic.twitter.com/lm8cyYmSlM
— MAGA Cult Slayer🦅🇺🇸 (@MAGACult2) October 20, 2025
Fomos muito além, porque a escolha agora parece ser apenas entre dois tipos de ódio. Aqueles que odeiam a direita, que ameaça "a liberdade e a democracia" — como disse Elly Schlein no palco dos Socialistas Europeus — e aqueles que odeiam a esquerda porque é pior que o Hamas, segundo uma famosa citação de Giorgia Meloni. Não meio disso não existe mais nada. A análise política convenceu todos os envolvidos em política de que o segredo do sucesso está na radicalização da mensagem. Só no último mês, pela ordem: da direita, a celebração de Charlie Kirk, uma das vozes mais extremistas do trumpismo. Da esquerda, a beatificação de Francesca Albanese, porta-bandeira do extremismo palestino. Da direita, o pedido por prisão perpétua para os membros da Flotilha por colocarem a Itália em risco de guerra. Da esquerda, o chefe do principal sindicato chamando a primeira-ministra de cortesã.
Parece um fenômeno novo, mas nos Estados Unidos, a espetacularização política do ódio é comum há muito tempo. Brigas na TV entre pessoas que se odeiam estão no topo do ranking — "Um conservador contra 10 feministas" ou "Um progressista contra 20 conservadores de extrema direita" — mas também "Cientistas contra terraplanistas".
Canais do YouTube ganham dinheiro incitando brigas de esquipes compostas por casais com e sem filhos. São debates em que vale tudo, desde tecer louvores a Hitler até pedir a esterilização dos adversários, também porque, ao contrário da Europa e da Itália, os Estados Unidos não fazem distinção entre liberdade de expressão e discurso de ódio: os nazistas de Illinois podem circular com as suásticas e, querendo, até com os capuzes da Ku Klux Klan. Já é sorte que não se tenha chegado aqui na Itália à guerra do cocô sobre os manifestantes ou ao show "um meloniano contra dez amigos de Shlein".
Mas esse parece ser o caminho, tanto que até mesmo o antigo debate sobre a liberdade de expressão parece ser afetado: para o público de direita, o "cortesã" de Landini não parece simétrico ao "orangotango" de Roberto Calderoli a Cecile Kyenge, e vice-versa, porque o que importa é o time pelo qual se está guerreando (e isso também, até certo ponto: o voto do Partido Democrata salvou o ministro da Liga Norte do processo por incitação ao ódio racial). Na esquerda, o "como o Hamas" de Meloni não é percebido como o "direita bombista" que Elly Schlein evocou num trocadilho; pelo contrário, o primeiro justifica o segundo.
Nas candidaturas, todos procuram o extremista que se sobressai, aquele que chamou os gays de anormais, aquela que elogiou as Brigadas Vermelhas, a famosa ocupante de casas, aquele que cospe no cidadão excessivamente curioso. O convite para moderar os tons é jogado de uma facção para outra, todos os dias, como um objeto contundente. É evidente que ninguém mais acredita nisso, ninguém tem a intenção, na verdade, o show segue em frente com sucesso. Evidentemente, tem público garantido.
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