17 Setembro 2025
Campanha Despejo Zero mostra que 2,1 milhões de pessoas estão sob risco de remoção forçada; entre elas, mais de 425 mil são crianças.
A reportagem é de Gustavo Kaye, publicada pro Agenda do Poder, 15-09-2025.
Um levantamento feito ao longo de cinco anos pela Campanha Despejo Zero identificou que 437 mil famílias, o equivalente a cerca de 2,1 milhões de pessoas, estão hoje ameaçadas de remoção forçada no Brasil. O estudo abrange 3.078 casos de conflitos por terra e moradia e revela que os impactos atingem, de forma desproporcional, pessoas negras (66%), mulheres (62%) e populações de baixa renda (75%).
Crianças e idosos entre os mais vulneráveis
Entre os grupos afetados estão 425 mil crianças e 327 mil idosos. Desde 2020, mais de 62 mil famílias já foram efetivamente despejadas, enquanto outras 107 mil vivem com ordens de remoção suspensas.
São Paulo lidera número de ameaças e despejos
O estado de São Paulo concentra a maior parte dos casos: quase 160 mil famílias estão sob risco, e 20 mil já foram despejadas nos últimos cinco anos. Pernambuco e Amazonas aparecem em seguida, com cerca de 40 mil famílias em situação semelhante.
Reintegração de posse é principal causa dos despejos
A justificativa mais comum para os despejos é a reintegração de posse, responsável por ameaçar 201 mil famílias e remover outras 47 mil. Também são citadas como motivações as obras públicas, ocupações em áreas de risco e zonas de proteção ambiental, cada uma impactando cerca de 35 mil famílias. Há ainda registros de ameaças provocadas por ações do crime organizado, afetando aproximadamente 3 mil famílias.
Poder público lidera remoções forçadas
O relatório indica que o poder público foi responsável por despejar 27 mil famílias e ameaçar outras 170 mil. Já agentes privados promoveram a remoção de 21 mil domicílios e pressionaram mais de 124 mil famílias com ameaças de despejo.
Crise habitacional se agrava no país
A Campanha Despejo Zero classifica os dados como reflexo de uma crise habitacional sem precedentes. O Brasil tem hoje um déficit de 6,2 milhões de moradias, além de 26,5 milhões de domicílios considerados inadequados. A situação de pessoas em situação de rua ou desabrigadas por desastres naturais sequer é incluída nesses números.
Maioria dos afetados vive em áreas urbanas e nas regiões Norte e Nordeste
Segundo o relatório, 87% das famílias ameaçadas de despejo vivem em áreas urbanas. As regiões Norte e Nordeste concentram mais da metade do déficit habitacional do país, com grande parte das famílias atingidas sendo de baixa renda.
Aumento da repressão por meio de leis e projetos
Outro ponto preocupante revelado no estudo é o avanço da chamada Frente Invasão Zero, com 108 projetos de lei tramitando em assembleias estaduais e câmaras municipais. As propostas visam endurecer penalidades para ocupações, criminalizar movimentos sociais e facilitar despejos. Algumas medidas aprovadas incluem multas de até R$ 50 mil, remoções sem ordem judicial e até a exclusão de programas sociais para famílias ocupantes.
Judiciário e governo são criticados pela lentidão
Apesar de decisões do Supremo Tribunal Federal que tentaram conter os despejos durante a pandemia, a Campanha Despejo Zero critica a lentidão do Judiciário e do governo federal na criação e execução de mecanismos de mediação de conflitos fundiários. Apenas 37 comissões estaduais foram implementadas até o momento, e muitas decisões judiciais continuam ignorando as diretrizes do Conselho Nacional de Justiça.
“Sem moradia, não há soberania”, alerta especialista
Para Raquel Ludermir, gerente de Incidência em Políticas Públicas da Habitat para a Humanidade Brasil, a crise habitacional brasileira exige ação urgente. “Terra e moradia são pilares fundamentais de uma vida digna; são porta de entrada para outros direitos como saúde e educação. Sem moradia, não há soberania”, afirmou.
Campanha reúne mais de 175 entidades
Criada em 2020, a Campanha Despejo Zero é formada por mais de 175 organizações da sociedade civil, defensorias públicas, movimentos sociais e associações de magistrados. A iniciativa teve papel fundamental na decisão do STF que suspendeu despejos durante a pandemia e, agora, pressiona o governo federal por uma política nacional de mediação fundiária.
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