Historiadora revela como a Tunísia virou base estratégica da flotilha humanitária para Gaza

Foto: Wikimedia Commons | Alpha Bakemono

Mais Lidos

  • Eles se esqueceram de Jesus: o clericalismo como veneno moral

    LER MAIS
  • Estereótipos como conservador ou progressista “ocultam a heterogeneidade das trajetórias, marcadas por classe, raça, gênero, religião e território” das juventudes, afirma a psicóloga

    Jovens ativistas das direitas radicais apostam no antagonismo e se compreendem como contracultura. Entrevista especial com Beatriz Besen

    LER MAIS
  • De uma Igreja-mestra patriarcal para uma Igreja-aprendiz feminista. Artigo de Gabriel Vilardi

    LER MAIS

Revista ihu on-line

O veneno automático e infinito do ódio e suas atualizações no século XXI

Edição: 557

Leia mais

Um caleidoscópio chamado Rio Grande do Sul

Edição: 556

Leia mais

Entre códigos e consciência: desafios da IA

Edição: 555

Leia mais

16 Setembro 2025

Nos últimos meses, a Tunísia voltou a chamar atenção internacional ao se tornar ponto de partida da flotilha humanitária rumo a Gaza e da caravana terrestre organizada em julho. Para a historiadora tunisiana Sophie Bessis, esse envolvimento não é novidade. “Esse apoio tem uma longa história”, afirmou à RFI, analisando como seu país equilibra seu compromisso com a Palestina e os desafios impostos pela geopolítica internacional.

A informação é publicada por RFI, 15-09-2025. 

Reconhecida por abrigar a sede da OLP (Organização para a Libertação da Palestina) por mais de uma década, a Tunísia mantém um posicionamento constante em defesa da Palestina — inclusive sob o governo de Kais Saied, cuja posse em 2019 foi marcada pela presença da bandeira palestina. Mas a historiadora Sophie Bessis alerta: “Trata-se essencialmente de uma postura retórica. Politicamente, não há ações específicas.”

Os portos tunisianos de Sid Bous Saïd e Bizerte tornaram-se, recentemente, pontos estratégicos de concentração para a flotilha humanitária com destino a Gaza. Em julho passado, a Tunísia também foi o ponto de partida da grande caravana terrestre em apoio ao povo palestino. Para muitos, esse protagonismo pode parecer surpreendente, mas para Bessis, trata-se de uma continuidade histórica.

“Esse apoio à causa palestina tem uma longa história na Tunísia, que realmente começa a partir da Primeira Guerra Israelo-Árabe de 1948”, explica a historiadora. Segundo Bessis, entre dois a três mil tunisianos tentaram se juntar à frente árabe naquela guerra, revelando que “a história desse apoio à Palestina não é de hoje”.

Apoio à Palestina

A Tunísia foi também um dos primeiros países a reconhecer a Organização para a Libertação da Palestina (OLP) como representante legítimo do povo palestino, em 1974. E em 1982, após o cerco de Beirute pelo exército israelense, acolheu a sede da OLP, que permaneceu no país até os Acordos de Oslo, em 1993.

Bessis destaca ainda que o presidente tunisiano Habid Bourguiba teve uma postura original já em 1965, ao visitar o Oriente Médio e defender negociações, mesmo mantendo uma posição favorável ao povo palestino. “A Tunísia realmente se envolveu na questão de diferentes maneiras, mas sempre em apoio à causa palestina”, reforça.

Esse envolvimento, no entanto, não foi isento de consequências. “Israel atacou a sede da OLP, que ficava na periferia sul de Túnis, bombardeou essa sede e também assassinou um líder palestino que residia na Tunísia”, recorda a historiadora. Para ela, esses episódios mostram que “há, de fato, por parte da grande maioria dos tunisianos, uma sensibilidade particular à causa palestina”.

Retórica oficial e limites diplomáticos

Desde que assumiu o poder em 2019, o presidente Kais Saied tem mantido uma retórica firme em defesa da Palestina. “A posse do presidente Kais Saied ocorreu também sob a sombra da bandeira palestina”, observa Bessis. No entanto, ela aponta uma contradição. O presidente Kais Saied mantém um discurso firme em defesa da Palestina, mas, segundo Bessis, falta "ação concreta".

Parece que se trata essencialmente de uma postura e de uma posição retórica, pois, politicamente, não há ações específicas em favor da causa palestina, declarou Sophie Bessis à RFI.

Essa distância entre discurso e prática ficou evidente recentemente, quando dois drones atacaram a frota humanitária no porto de Sid Bous Saïd. “As autoridades tunisianas, num primeiro momento, antes de se calarem, negaram a existência desse ataque”, relata Bessis. Para ela, o silêncio oficial reflete uma cautela diplomática. “Mesmo que o chefe de Estado denuncie constantemente as interferências estrangeiras, isso não impede as boas relações da Tunísia com os Estados Unidos, inclusive no plano militar.”

A historiadora é clara ao afirmar que “as autoridades tunisianas não têm nenhuma vontade de provocar a ira dos Estados Unidos sobre este assunto”. E acrescenta: “É difícil para um regime autoritário reconhecer que se pode ser vulnerável a esse tipo de ataque.”

Segundo ela, regimes com discurso soberanista, como o tunisiano, “se apresentam como invulneráveis às influências estrangeiras”, mas, na prática, “a Tunísia é um país pequeno no plano regional e não tem nenhuma vontade de se indispor com a primeira potência mundial”.

Bessis conclui lembrando que “o exército tunisiano tem laços estreitos com seus homólogos norte-americanos” e que “os Estados Unidos continuam hoje a treinar oficiais do exército tunisiano”. A cooperação militar entre os dois países, segundo ela, “não parou”.

Leia mais