06 Setembro 2025
Um estudo mostra as sérias flutuações que o aumento das temperaturas está causando em três das culturas alimentares mais importantes do mundo (milho, soja e sorgo) e alerta para crises alimentares iminentes.
A reportagem é de Antonio Martínez Ron e Cristina G. Bolinches, publicada por El Diario, 03-09-2025.
As mudanças climáticas acelerarão as perdas de safra e afetarão a produtividade de três das culturas alimentares mais importantes do mundo — milho, soja e sorgo —, de acordo com um novo estudo publicado quarta-feira na revista Science Advances. Segundo esses resultados, perdas de safra que ocorrem uma vez por século podem ocorrer a cada década.
O estudo, liderado por pesquisadores da Universidade da Colúmbia Britânica (UBC), mostra que condições mais quentes e secas estão tornando a produção de alimentos mais volátil, com a produtividade agrícola oscilando mais acentuadamente de ano para ano. Com apenas dois graus de aquecimento acima do clima atual, desastres agrícolas podem se tornar mais frequentes.
As perdas na safra de soja, que antes ocorriam uma vez por século, passariam a ocorrer a cada 25 anos. As perdas na safra de milho cairiam de uma vez por século para a cada 49 anos, e as perdas na safra de sorgo para a cada 54 anos. No pior cenário, se as emissões continuarem a aumentar, as safras de soja poderão sofrer perdas a cada oito anos até 2100.
Para o cidadão comum, isso significa compras diárias mais caras, mas em muitos países essa instabilidade pode levar a dificuldades econômicas e fome. "Um grande choque em um ano ruim pode significar dificuldades reais, especialmente em lugares sem acesso suficiente a seguro agrícola ou armazenamento de alimentos", alerta Jonathan Proctor, professor da UBC e principal autor do estudo.
Algumas das regiões mais em risco são também as menos preparadas para lidar com a situação, incluindo partes da África Subsaariana, América Central e Sul da Ásia. Mas as consequências não se limitarão às regiões de baixa renda. Em 2012, observam os autores, uma seca e uma onda de calor no Centro-Oeste dos EUA causaram uma queda de um quinto na produção de milho e soja, custando bilhões aos Estados Unidos e gerando preocupações nos mercados em todo o mundo. Em poucos meses, os preços globais dos alimentos dispararam quase 10%.
Flutuações bruscas
Para entender como esses estresses sobrepostos afetam as plantações em escala global, os pesquisadores combinaram registros globais de plantações com medições de alta resolução da temperatura e umidade do solo de estações, satélites e modelos climáticos.
Um fator-chave é que o duplo golpe do calor e da seca está ocorrendo cada vez mais simultaneamente, diz Proctor. O calor resseca o solo. Por sua vez, o solo seco agrava as ondas de calor, permitindo que as temperaturas subam mais rapidamente. E as mudanças climáticas intensificam esses processos.
Dezenas de estudos sobre a produção agrícola apontam na mesma direção e oferecem sinais de alerta. Em um estudo publicado recentemente que analisa a evolução da umidade do solo na Europa nos últimos trinta anos, por exemplo, a conclusão é clara: o solo está cada vez mais esgotado em água e as secas agrícolas estão se tornando mais frequentes.
No caso específico da soja e do sorgo, a crescente sobreposição entre calor e umidade explica grande parte do aumento da volatilidade, explicam os autores do novo estudo na Science Advances. Para fortalecer a resiliência, eles recomendam investimentos urgentes em variedades de culturas resistentes ao calor e à seca, melhores previsões meteorológicas, manejo otimizado do solo e redes de segurança reforçadas, incluindo seguro agrícola. Mas a solução mais confiável é reduzir as emissões que impulsionam o aquecimento global, concluem.
Rumo à escassez global
A perda cada vez mais frequente de plantações é um risco real, afirma Rosa Porcel, vice-diretora do Instituto de Biologia Molecular e Celular de Plantas (IBMCP-UPV), que não participou do estudo. "É por isso que grande parte dos biotecnólogos de plantas atua nessa área".
Os efeitos das mudanças climáticas, ressalta o especialista, podem gerar insegurança alimentar significativa, já que essas culturas afetadas são pilares da dieta humana, bem como da dieta animal. "Se a produção for reduzida, isso poderá levar à escassez global de alimentos, aumentando os preços e causando crises de fome, especialmente nos países em desenvolvimento que dependem dessas culturas".
Em relação ao aumento de preços, isso afetaria tanto os consumidores finais quanto as indústrias que dependem deles, como a pecuária (para ração animal), a produção de óleos, biocombustíveis e outros alimentos processados.
“A soja e o milho são os principais componentes da ração animal”, observa ele. “Uma produção menor ou mais cara pode encarecer a carne, os laticínios e os ovos, bem como outros alimentos derivados da pecuária”. Ao mesmo tempo, os efeitos das mudanças climáticas aumentam a vulnerabilidade das culturas a pragas e doenças.
Neus Escobar, pesquisadora do BC3 e pesquisadora visitante do IIASA na Áustria, confirma a importância do milho, da soja e do sorgo para a segurança alimentar global. O milho é, juntamente com a cana-de-açúcar, a cultura mais produzida no mundo, e a soja desempenha um papel fundamental na segurança alimentar como importante fonte de proteínas e calorias, observa ela. O sorgo também é um dos cereais mais consumidos em todo o mundo, especialmente em partes da África, América Central e Sul da Ásia.
“Os resultados têm implicações importantes, pois a capacidade de projetar variações de produtividade ao longo do tempo e com alta resolução espacial permite orientar futuras políticas agrícolas e o planejamento de estoques de alimentos para garantir a segurança alimentar durante períodos de menor produtividade”, observa Escobar. “Tudo isso também permite o desenvolvimento de ações de adaptação às mudanças climáticas nas regiões mais sensíveis, com menor acesso aos mercados globais de alimentos”.
Preços que já estão subindo
Para ver os efeitos das mudanças climáticas na cesta de compras, no entanto, não precisamos esperar até 2100. A situação já está afetando os preços dos alimentos em escala global e local. Na Espanha, o exemplo mais claro foi visto há alguns meses com o azeite de oliva. As secas persistentes nas áreas de cultivo de azeitonas durante 2022 e 2023 resultaram em duas das piores colheitas da história e em preços que, meses depois, atingiram níveis sem precedentes. No início de 2024, o preço do "ouro líquido" atingiu mais de 900 euros por 100 quilos. Esse era o custo ao sair do lagar, porque em mercearias e supermercados era comum encontrar garrafas de um litro de azeite extravirgem por mais de 11 ou 12 euros, ou até mais.
O mesmo aconteceu com outros produtos que, a priori, não são tão essenciais, como o café e o chocolate. Há alguns meses, este último atingiu o preço mais alto da história devido à baixa produção em dois dos principais países produtores, Gana e Costa do Marfim. Especificamente, o cacau atingiu o preço de € 12.000,00 por tonelada, um preço historicamente alto. O motivo, segundo a Organização Internacional do Cacau, foram "condições climáticas adversas, doenças e pragas" nos países produtores da África Ocidental.
Algo muito semelhante está acontecendo com o café, onde as colheitas têm sofrido flutuações, seja devido à seca ou a chuvas extremas, especialmente no Vietnã e no Brasil. E não há perspectiva de queda nos preços a curto ou médio prazo. Multinacionais como a Nestlé reconheceram isso. De fato, esse aumento nos preços está mudando todo o cenário das multinacionais, porque elas assumem que pode ser de longo prazo. Há poucos dias, a multinacional americana dona da Dr Pepper lançou uma oferta pública de aquisição para adquirir o controle de marcas europeias como Saimaza e Marcilla, obtendo assim economias operacionais.
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