22 Agosto 2025
"Ao continuarmos a celebrar o aniversário deste tremendo texto medieval, que estejamos abertos às maneiras pelas quais o legado de São Francisco de Assis pode continuar a nos desafiar e inspirar".
O artigo é de Daniel P. Horan, publicado por National Catholic Reporter, 21-08-2025.
Daniel P. Horan é diretor do Centro de Estudos sobre Espiritualidade e professor de Filosofia, Estudos Religiosos e Teologia da Saint Mary's College, Indiana, EUA.
Este ano marca o 800º aniversário da composição do "Cântico das Criaturas" por São Francisco de Assis. A oração poética e teologicamente rica, que os historiadores da língua consideram um dos primeiros poemas escritos em italiano vernáculo (tecnicamente, é composto em um dialeto da Úmbria) e o antecessor de obras como A Divina Comédia de Dante Alighieri, é sem dúvida o mais famoso dos escritos de Francisco.
Fontes antigas nos dizem que o próprio Francisco, ou talvez com a ajuda do músico Irmão Pacífico, projetou o texto a ser cantado. Não é surpresa, portanto, que séculos depois esta obra-prima medieval continue a inspirar composições musicais como "Cântico do Sol", de Marty Haugen, de 1980; Il Cantico delle Creature, de Angelo Branduardi, de 2000; e, claro, o clássico do início do século XX, "Todas as Criaturas de Nosso Deus e Rei", de William Henry Draper.
Por mais popular que o "Cântico" seja, é impressionante a pouca atenção dada ao que ele transmite da visão teológica radical de São Francisco sobre a criação. Isso se deve, em parte, ao que chamo, brincando, de "complexo industrial de bebedouros para pássaros", a tendência de romantizar e domesticar o "Cântico" retratando Francisco apenas como um "amante de animais" que pregava para pássaros, realocava minhocas vulneráveis à beira da estrada e fazia as pazes com um lobo ameaçador na cidade de Gubbio.
Mas o "Cântico" nunca teve a intenção de ser um comercial cartunesco para zoológicos e adoções de animais. Escrito em três partes ao longo de mais de um ano, o "Cântico" transmite insights poderosos que valem a pena refletir durante este ano comemorativo.
Em primeiro lugar, é importante lembrar que Francisco estava gravemente doente na época em que escreveu este belo texto. Fontes contemporâneas e hagiografias medievais nos contam que Francisco sofria de uma terrível infecção ocular, que o deixou com dores incríveis e quase cego nos últimos anos de sua vida. É nesse contexto que ele proclama: "Louvado sejas, meu Senhor, com todas as tuas criaturas, especialmente o Senhor Irmão Sol, que é o dia e por meio de quem nos dás a luz. E ele é belo e radiante, com grande esplendor; e traz à tua imagem, Altíssimo".
O fato de que a exposição à luz solar quase certamente causou dor a Francisco levanta uma questão para contemplação: o que lhe permitiu reconhecer e celebrar a bondade inerente da criação, sua interdependência com ela e sua relação intrínseca com o Criador com tanta alegria em meio ao sofrimento?
O falecido teólogo franciscano britânico, padre Eric Doyle, escreveu: "Todas as belas palavras e músicas vêm do mistério da personalidade, brotando das profundezas interiores. Portanto, não é tão extraordinário que Francisco, embora cego, tenha sido capaz de escrever uma canção sobre a beleza e a unidade da criação".
Não se tratava necessariamente de ver a beleza visual da criação, mas de reconhecer a bondade intrínseca da comunidade de Deus, da qual ele (e nós) já faz parte. Refletindo mais a fundo, Doyle acrescenta:
Ele já era um consigo mesmo e com o mundo, e o mundo era um nele. Pela unidade que experimentou, Francisco se viu dotado do sexto sentido da visão do coração, ou o que ele mesmo certa vez descreveu como "os olhos do espírito". … O sol, a lua e as estrelas, o vento e a terra, o fogo e a água estavam dentro dele. E à luz do sol interior, ele via a beleza de tudo.
Esse senso de unidade e interdependência levou Francisco a chamar cada elemento do mundo criado — senciente ou não — de seu "irmão", "irmã" e "mãe". Ele compreendia de forma intuitiva e mística a verdade do parentesco entre criaturas. Não se via como um administrador ou senhorio da criação não humana, mas sim como um membro da família que cuidava de seus irmãos assim como estes também cuidavam dele.
Apesar da interpretação equivocada do "Cântico" como uma espécie de "nota de agradecimento" poética ao Criador por um presente dado à humanidade para fazer o que bem entendesse, Francisco foi intencional na maneira como se referiu aos aspectos da criação e respeitou sua agência individual.
Muito se fala, com razão, de sua abordagem a criaturas e elementos não humanos com linguagem familiar, mas menos atenção é dada à maneira como ele reconhece a agência individual e coletiva do restante da criação. O "Cântico" é uma celebração do coro de louvor expresso por todo o cosmos. Cada aspecto da criação louva a Deus por ser e fazer o que foi criado para ser e fazer. O sol louva a Deus por nos dar a luz e o dia. O vento louva a Deus por prover "todo tipo de clima". E a terra louva a Deus por nos sustentar, governar e produzir "vários frutos com flores e ervas coloridas".
Essas partes se relacionam como membros de uma família no parentesco cósmico. Se a criação é um coro composto por muitas vozes louvando a Deus, então nós, humanos, estamos frequentemente desafinados.
Algum tempo depois do que ele poderia ter presumido ser a conclusão da primeira parte do "Cântico", Francisco ouviu falar de uma briga política que havia eclodido em Assis entre o prefeito (podesta) e o bispo local. A Compilação de Assis relata que Francisco, ao saber da disputa e da luta pelo poder, "foi movido por compaixão por eles, especialmente porque não havia ninguém, religioso ou secular, que estivesse intervindo pela paz e harmonia entre eles".
A compaixão inspirou Francisco a compor versos adicionais que dizem:
Louvado sejas, meu Senhor, por aqueles que perdoam por Teu amor e suportam enfermidades e tribulações. Bem-aventurados os que perseveram em paz, pois por Ti, Altíssimo, serão coroados.
Assim como Francisco transmitiu que o sol louva a Deus ao brilhar e proporcionar o dia como Deus pretendia, também a humanidade louva a Deus sendo o que Deus nos criou para ser: pacificadores, reconciliadores, amantes. Quando somos egoístas, divisivos, polarizadores, implacáveis e coisas do tipo, não apenas não estamos louvando a Deus, mas, segundo Francisco, também não estamos sendo plenamente humanos.
Ao continuarmos a celebrar o aniversário deste tremendo texto medieval, que estejamos abertos às maneiras pelas quais o legado de São Francisco de Assis pode continuar a nos desafiar e inspirar.