08 Julho 2025
"A elite teme que o aumento do IOF seja o primeiro passo para uma reforma tributária mais progressiva, que tribute patrimônio, lucros e dividendos. Em um país tão desigual quanto o Brasil, qualquer proposta nesse sentido é vista como ameaça aos privilégios dos mais ricos."
Frei Betto é escritor, autor do romance sobre ditadura e indígenas “Tom vermelho do verde” (Rocco), entre outros livros.
Ao completar dois anos e meio de mandato, o presidente Lula enfrenta forte tensão no Congresso Nacional. A base ampla e diversa que o elegeu com margem apertada começa a se desintegrar diante de disputas orçamentárias e da antecipação do calendário eleitoral. Em meio à pressão por responsabilidade fiscal, o governo propôs a elevação do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras), voltado para o topo da pirâmide econômica, mas viu o Congresso rejeitar a medida.
O IOF incide sobre operações como câmbio, crédito, seguros e investimentos. O ajuste sugerido pelo governo era modesto: elevar, por exemplo, de 3,38% para 3,5% a taxa sobre compras internacionais com cartão de crédito. Em 2019, no governo Bolsonaro, este percentual era de 6,38%. O aumento também afetaria a compra de moeda estrangeira em espécie (de 1,1% para 3,5%) e transferências de dinheiro para o exterior. A previsão era arrecadar R$ 10 bilhões em 2025 e R$ 61,5 bilhões até 2026 — recursos que iriam para áreas como saúde e educação.
No entanto, em 25 de junho, a maioria do Congresso votou contra a proposta. Dos 513 deputados, 383 votaram a favor da manutenção de benefícios para cerca de 430 mil milionários brasileiros, em detrimento de uma população de 213 milhões. Apenas 98 deputados votaram a favor do governo.
Diante desse revés, Lula ensaia uma reaproximação com os movimentos sociais. Talvez seja tarde demais para reorganizar essa base de apoio. O gesto sinaliza uma tentativa de resgatar a governabilidade não pelo centrão, mas pela mobilização popular.
Boa parte da elite econômica brasileira adota um discurso liberal que defende menos Estado e mais privatizações. Para esse grupo, qualquer imposto que incida sobre patrimônio ou renda — como o IOF ou o proposto Imposto sobre Grandes Fortunas — é visto como ameaça à “liberdade do mercado”. Ao mesmo tempo, raramente se opõem ao aumento de tributos indiretos como ICMS ou PIS/Cofins, que pesam muito mais no bolso dos mais pobres.
O aumento do IOF afeta diretamente quem realiza operações financeiras de grande porte, como remessas internacionais, aplicações no exterior e viagens com altos gastos. O imposto, com forte caráter regulatório, é visto como intervencionista e barreira para estratégias de proteção de patrimônio em paraísos fiscais — prática comum entre os super-ricos.
Segundo nota técnica do Dieese, o sistema tributário brasileiro é altamente regressivo: 40,2% da arrecadação vêm de tributos indiretos (como ICMS e ISS), enquanto apenas 27,4% de impostos sobre renda. Isso significa que quem ganha menos paga proporcionalmente mais.
Um dado alarmante: os 10% mais pobres destinam 23,4% da renda aos tributos indiretos, enquanto os 10% mais ricos comprometem apenas 8,6% com esse tipo de imposto. Nos tributos diretos, como o IPTU, a distorção se repete: representa 41% dos tributos pagos pelos mais pobres e apenas 9% pelos mais ricos.
Apesar de a carga tributária brasileira representar 33% do PIB — abaixo da média da OCDE, de 35% —, sua distribuição é extremamente desigual.
A elite teme que o aumento do IOF seja o primeiro passo para uma reforma tributária mais progressiva, que tribute patrimônio, lucros e dividendos. Em um país tão desigual quanto o Brasil, qualquer proposta nesse sentido é vista como ameaça aos privilégios dos mais ricos.
Ainda assim, o governo Lula segue tentando avançar. Entre as medidas propostas está a isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil por mês e alíquotas reduzidas para quem recebe até R$ 7 mil. A contrapartida seria o aumento da carga sobre quem ganha R$ 50 mil mensais ou mais — um ajuste considerado justo, mas que enfrenta resistências no Congresso.
Em um parlamento dominado por interesses das elites econômicas, essas mudanças só serão aprovadas com ampla mobilização social. Por isso, é fundamental que a população se engaje em iniciativas como o Plebiscito Popular da Reforma Tributária. Acesse aqui. Participe. Um sistema tributário mais justo depende de sua atuação.