12 Mai 2025
Pesquisa em 26 países mostra que alinhamento político interfere na credibilidade dada à ciência em países como Brasil, EUA, Alemanha e Japão.
A reportagem é publicada por EcoDebate, 12-05-2025.
Um novo estudo publicado no Journal of Environmental Psychology reforça o que muitos já suspeitavam: a confiança nas evidências científicas sobre as mudanças climáticas está profundamente ligada às ideologias políticas.
Intitulada “Trust in Climate Scientists is Associated with Political Ideology: A 26-Country Analysis” (“Confiança em Cientistas do Clima Está Associada à Ideologia Política: Uma Análise em 26 Países”), a pesquisa analisou mais de 50 mil respostas de cidadãos de diferentes partes do mundo e concluiu que posicionamentos políticos influenciam fortemente o grau de confiança na ciência climática.
Os resultados mostram que, em diversas nações, especialmente nos países ocidentais mais industrializados, pessoas com posicionamentos ideológicos à direita tendem a confiar menos nos cientistas do clima. Já aqueles alinhados à esquerda ou ao centro demonstram níveis significativamente mais altos de confiança.
A implicação desse achado é profunda: em tempos de crise climática, a descrença seletiva nas evidências científicas pode minar políticas públicas urgentes e retardar ações coletivas necessárias para conter o aquecimento global.
O estudo não se limita aos Estados Unidos – país onde a polarização política sobre o tema é notoriamente intensa. A análise comparativa entre 26 países permite observar como esse fenômeno se manifesta em diferentes contextos culturais, econômicos e institucionais.
Segundo os autores, a associação entre ideologia política e confiança na ciência climática tende a ser menor em países com menor polarização partidária e onde a questão ambiental é tratada como pauta de interesse comum, não de disputa ideológica.
Confiança é um elemento-chave para a aceitação pública das evidências científicas e para a disposição em apoiar políticas ambientais. Quando indivíduos desconfiam dos cientistas, é mais provável que rejeitem dados sobre o aquecimento global, subestimem os riscos e resistam a medidas como a redução do uso de combustíveis fósseis.
A pesquisa também destaca o papel da mídia e de figuras públicas na formação das percepções sobre a ciência climática. Quando líderes políticos desacreditam a ciência ou promovem teorias conspiratórias, a desconfiança tende a se espalhar entre seus eleitores.
No Brasil, por exemplo, o negacionismo climático ganhou espaço durante o governo Bolsonaro, com ataques a dados oficiais e ao trabalho de instituições como o INPE.
Combater o ceticismo climático não se resume a divulgar dados. É preciso compreender os filtros ideológicos pelos quais as pessoas os interpretam. A comunicação científica precisa ser estratégica, empática e adaptada aos diferentes públicos.
Educação ambiental, reforço ao letramento científico e valorização das instituições de pesquisa são caminhos para restaurar a confiança pública – e ampliar o apoio social a ações para mitigar as mudanças climáticas.
A crise climática exige colaboração entre governos, cientistas e cidadãos. No entanto, a polarização política pode bloquear esse consenso. O estudo publicado no Journal of Environmental Psychology deixa claro: reconstruir a confiança na ciência é tão urgente quanto reduzir as emissões.
Em um mundo onde a ideologia molda a percepção dos fatos, restaurar o papel da ciência como base comum da ação coletiva será decisivo para enfrentar o maior desafio do século.
Remsö, Amanda, Justus Schmidt, Sandra J. Geiger, Bojana Većkalov, Živa Krajnc, Isobel Laughton, Mariam Shavgulidze, et al. 2024. “Trust in Climate Scientists Is Associated with Political Ideology: A 26-country Analysis.” OSF Preprints. March 25. doi:10.31219/osf.io/dvczr_v1