30 Abril 2025
Ministros das Relações Exteriores não emitiram declaração conjunta em encontro no Rio de Janeiro. Sem citar Trump, chanceler brasileiro ressaltou consenso dos membros contra medidas tarifárias unilaterais.
A reportagem é publicada por Deutsche Welle, 29-04-2025.
A reunião dos ministros das Relações Exteriores do Brics terminou nesta terça-feira (29/04) no Rio de Janeiro sem a publicação de uma declaração conjunta do grupo. Segundo o chanceler brasileiro Mauro Vieira, porém, os 11 membros do bloco e os demais convidados concordaram em se opor à guerra tarifária global e ao "ressurgimento do protecionismo comercial".
O encontro funciona como uma reunião preparatória para a cúpula do Brics que acontecerá em julho na cidade. As discussões se concentraram em formas coordenadas de combater a política tarifária do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.
"Eu gostaria de destacar o firme rechaço de todos à ressurgência do protecionismo comercial [...]. A reforma da OMC [Organização Mundial do Comércio] e a plena retomada de seu órgão de solução de controvérsias são essenciais na visão de todos", disse Vieira.
O ministro também afirmou que houve consenso contra o uso de medidas não tarifárias sob pretextos ambientais. O Brasil é um dos países que rechaçam a Lei Antidesmatamento europeia, que afeta a produção de carne brasileira.
O documento final do encontro no Rio de Janeiro foi assinado apenas pela presidência brasileira do Brics, como forma de dar mais peso à Cúpula de Líderes de julho, disse o ministro. Ele reforçou que houve "compromissos e acordos" com os demais ministros.
O Ministro das Relações Exteriores da China, Wang Yi, e seu par russo, Sergei Lavrov, estavam entre os principais diplomatas do grupo de 11 países que participaram dos dois dias de diálogos. A Indonésia participou pela primeira vez de uma reunião como membro efetivo.
O Brics, fundado em 2009 inicialmente por Brasil, Rússia, Índia e China, representa quase metade da população mundial e 39% do PIB global.
O encontro acontece em um momento crítico para a economia global, após o Fundo Monetário Internacional (FMI) reduzir suas previsões de crescimento globais devido ao impacto das novas tarifas impostas por Trump. A expectativa é que o grupo prepare uma declaração conjunta criticando "medidas unilaterais" sobre o comércio.
Desde que voltou à Casa Branca em janeiro, Trump aplicou tarifas de 10% a dezenas de países, enquanto a China, membro do Brics, enfrenta taxas de até 145% sobre seus produtos. Em resposta, Pequim impôs tarifas de 125% sobre mercadorias americanas.
Alguns membros do Brics, porém, evitam o embate direto com Trump. No momento, as exportações brasileiras para os Estados Unidos, por exemplo, estão sujeitas a tarifas de 10%, uma fração das tarifas impostas à China.
Embora a maior economia da América Latina tenha sido atingida pelas tarifas de Trump sobre as importações de aço - o Brasil é o segundo maior fornecedor do material para os EUA - o governo Lula até o momento se recusou a retaliar.
Na abertura do evento, o chanceler brasileiro Mauro Vieira destacou a importância do diálogo em um cenário de "crises humanitárias, conflitos armados, instabilidade política e erosão do multilateralismo". "O papel do Brics como grupo nunca foi tão importante", afirmou.
Vieira também abriu os trabalhos pedindo a "retirada completa" das forças israelenses de Gaza, classificando como "inaceitável" o novo bloqueio de ajuda humanitária ao território, que já dura mais de 50 dias.
Sobre a guerra na Ucrânia, o grupo mantém uma postura mais cautelosa, limitando-se a defender a paz sem condenar explicitamente a invasão russa. Vieira reforçou nesta segunda-feira a necessidade de uma "solução diplomática" que respeite os "princípios e objetivos" da Carta das Nações Unidas.
Outro tema de destaque na agenda é o desafio do Brics à hegemonia do dólar. Na cúpula do ano passado, os membros discutiram formas alternativas de impulsionar transações em moedas locais, o que provocou forte reação de Trump, que ameaçou impor tarifas de 100% caso tentassem enfraquecer a moeda americana.
Em entrevista ao jornal O Globo antes do encontro, o chanceler russo, Sergei Lavrov, disse que os países planejam "aumentar o uso de moedas nacionais nas transações" entre os membros, mas considerou "prematura" a discussão sobre uma moeda unificada para o bloco.
Outro tema que ganhou destaque na declaração conjunta do Brics nesta terça-feira é a mudança climática. O Brasil será o anfitrião da COP30, a conferência climática da ONU deste ano, que ocorrerá em novembro na cidade de Belém, no Pará.