Segunda-feira da Semana Santa. Comentário de Adroaldo Palaoro

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11 Abril 2025

A reflexão bíblica é de Adroaldo Palaoro, padre jesuíta, comentando o evangelho da Segunda-Feira Santa, ciclo C do Ano Litúrgico, correspondente ao texto bíblico de João 12,1-11.

Eis o texto. 

“Maria ungiu os pés de Jesus”

Estamos entrando na Semana Santa, a semana da Páscoa de Jesus, da sua passagem deste mundo para o Pai (Jo 13,1). A liturgia de hoje coloca diante de nós o início do capítulo 12 do evangelho de João, que faz a ligação entre o Livro dos Sinais (cc 1-11) e o Livro da Glorificação (cc.13-21).

Somos convidados a entrar na casa em Betânia: casa de encontro, da comunidade de amor e coração de humanidade:

- Com Jesus Mestre, para nos tornar mais humanos e próximos;
- Com Marta, para professar a fé e a servir na diaconia;
- Com Lázaro, para passar da morte à vida e caminhar na liberdade do Espírito;
- Com Maria, para quebrar os frascos e derramar o perfume da escuta e do amor.

Assim é a vida: amizade, gratidão, refeição, perfume que invade tudo...

Betânia é “casa dos pobres” (Beth-anawim): nela, em primeiro lugar, habitam nossas pobrezas pessoais e comunitárias, nossa pequenez abençoada e nossa fragilidade iluminada; mas, também é lugar onde se fazem visíveis as pobrezas de nosso mundo, da humanidade e da Criação inteira, que afetam nosso estilo de viver, de nos relacionar, de nos confrontar em nosso seguimento de Jesus.

A casa deve ser escola de encontro e fraternidade. A comunicação (comum união) se celebra entre suas paredes que, em seguida, se expande para além de seus limites, despertando uma sensibilidade solidária.

A casa prepara para a vida, pois é ali que os fundamentos de uma personalidade vão se solidificando.

A casa é mais do que uma realidade física, feita de quatro paredes, portas, janelas e telhados.

Casa é uma experiência existencial primitiva, ligada ao que há de mais precioso na vida humana, que é a relação afetiva entre aqueles que a habitam e com aqueles que nela são acolhidos.

A casa nos ajuda a fincar raízes neste mundo e em nós mesmos; ela nos fixa no solo e nos fornece orientação; ela é o lugar seguro que nos possibilita repouso e revigoramento afetivo, bem-estar e proteção...; ela nos oferece um espaço estabilizador e nutridor, suscitando vigor e saúde integral.

Negar casa a alguém é negar-lhe o útero que protege e acolhe, é tirar-lhe a segurança necessária para viver, é fazê-lo um errante sem pátria e sem rumo. Perder a casa é se perder-se a si mesmo.

A casa é também o lugar da nova comunidade inaugurada por Jesus; é a casa do Pai (Jo 14,2).
Para Jesus, ser “humano” é ser casa aberta e acolhedora. Tal atitude pede “mais portas e janelas e menos espelhos”. No espelho nós nos vemos; e o que vemos não é o que somos, mas o que aparentamos ser. Desta percepção não saímos. O horizonte perceptivo é mínimo. O espelho é incapaz de revelar a verdade de nosso ser e de ampliar nosso mundo afetivo e social.

As portas e janelas, pelo contrário, ampliam nosso horizonte. Através delas renova-se o ar denso e irrespirável do interior da casa que geramos fechados em nós mesmos. As portas e janelas nos situam em comunhão com a natureza e com a sociedade, sem a qual não existe relação humana. Elas servem para apontar aos outros que eles fazem parte de nossa vida e que, abertas, indicam que podem entrar em nossas vidas.

Como seguidores(as) de Jesus, habitando em casas construídas sobre a rocha do Evangelho, deveríamos nos preocupar mais com as portas e janelas e menos com os ornamentos dos espaços interiores. É preciso descobrir outros rostos e de maneira especial, rostos feridos, machucados e necessitados de abraço.

É da nossa condição humana buscar um espaço, um lugar hospitaleiro e acolhedor, o lugar onde nos situamos no mundo e onde podemos ser encontrados. São muitos os lugares por onde transitamos, mas o mais importante deles é a nossa casa.

“É preciso que você saiba acolher o outro. Existe uma crise de moradia muito mais grave que
a falta de casas: é a escassez de pessoas interiormente disponíveis para seus irmãos.”

O ícone da “casa em Betânia” revela-se instigante diante do processo destrutivo da Casa Comum:
“Somos terra e esta é nossa casa, nossa irmã e nossa mãe”. Assim começa o Papa Francisco sua encíclica Laudato si’. No fundo desta encíclica, pulsa esta intenção: aspiramos nos salvar juntos, porque tudo nos afeta a todos no único mundo que temos.

A Terra, nossa casa ameaçada por processos de aquecimento e ruptura dos equilíbrios da vida em comum, se converte cada vez mais em um imenso depósito de lixo.

Frente a uma realidade que apresenta múltiplos aspectos, todos intimamente relacionados, o Papa Francisco propõe uma grande virada no discurso ecológico, passando da ecologia ambienta à “ecologia integral”.

Somos, pois, Casa Comum, conectados numa vasta rede de relações no qual vivem, convivem e interagem, muitas outras pessoas e criaturas, muitas delas sobrevivendo em condições de grande penúria, escassez e violência. Cuidar da casa comum supõe, portanto, cuidar da maneira como somos “casa”, como influímos nas vidas de outras pessoas, como contribuímos para que se sintam acolhidas e acompanhadas em seu meio. É descobrir aí um desafio que vai muito mais além do mero cuidado de algo externo: cuidamos de nós mesmos, de nossa humanidade e da rede de relações que nos mantém vivos.

Nosso mundo está inter-relacionado, fazemos parte da única terra, vivemos dentro de ecossistemas, atmosfera, vegetação, animais e seres humanos; fazemos parte dessa vasta rede vital, mas não podemos destruí-la sem afetar a todos; qualquer mudança repercute em todo o cosmo.

Um passo a mais damos quando reconhecemos a Natureza, nosso planeta, como casa comum. Sentimo-nos implicados com ela ao reconhecê-la como nosso habitat necessário, habitat por sua vez compartilhado com outros seres humanos; podemos assim nos posicionar de maneira criativa, reconhecendo a necessidade de não a deteriorar ainda mais e de conservá-la, e inclusive melhorá-la, para as gerações futuras.

Na unção em Betânia, Maria pode ser considerada um ícone da nova sensibilidade que o evangelho nos oferece. Ela está dotada de uma sensibilidade muito superior à dos discípulos, tanto para perceber o que acontece como para expressar seus sentimentos com admirável fineza e liberdade.

Os dirigentes judeus andavam buscando uma ocasião para matar Jesus. Maria certamente havia escutado os rumores que chegavam da vizinha Jerusalém e que circulavam em voz baixa entre as pessoas do povo. Ela sintonizou com este momento dramático. Sua criatividade feminina encontrou no perfume um símbolo para expressar com grande delicadeza o que esse momento transbordava seu coração. Maria investiu num gesto gratuito e desmedido, expressão de um amor exagerado.

O excesso de seu gesto sintoniza perfeitamente com o amor sem medida de Jesus, mas ultrapassa a limitada capacidade de compreensão dos presentes à mesa, sobretudo Judas Iscariotes.

Os perfumes e os aromas estiveram muito presentes na vida de Jesus, em seus momentos de dor e prazer. O perfume revela e oculta ao mesmo tempo, aviva o desejo, a abertura à surpresa de uma presença. Jesus os recebeu agradecido, e sua própria vida tomou o símbolo do frasco, precioso e caro, que se quebra para poder derramar-se em favor de muitos.

Quando a Vida nos unge, estamos potencialmente equipados para anunciar a boa nova, a luz, a cura, o cuidado... Ações que nos plenificam.

Para meditar na oração

A casa “imprime caráter” ou nós imprimimos caráter à casa? Tudo vai depender como se encontra a “casa interior”, o próprio coração.

Nesse sentido a casa torna-se Templo do Espírito pois ela nos ajuda a fazer contato com nossas “moradas interiores”: lugar de intimidade com Deus, espaço de contemplação, ambiente de discernimento e construção de decisões.

- É do “interior habitado por uma Presença” que brota o impulso para a saída de si e viver a “cultura do encontro”.

- Seja “casa cristificada” onde a mão estendida se revela como gesto contínuo, sinal visível de um coração compassivo e acolhedor; quebre o “frasco” do perfume mais original, presente em seu interior, para perfumar os ambientes fétidos de mentiras, ódio, intolerância, preconceito...

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