04 Abril 2021
“Uma oportunidade (...) para ir ao coração da nossa fé e deixar-nos conduzir pelo próprio Jesus para fazer uma leitura pascal, caracterizada pela esperança, da nossa vida, do tempo em que nos encontramos, da comunidade eclesial da qual fazemos parte.” É assim que Francesco Patton, o Custódio da Terra Santa, 58 anos, natural de Trento, na Itália, define, em seu novo livro, as seis reflexões dedicadas aos dias santíssimos da Semana Santa. Na prática, as meditações se concentram nas sete palavras de Jesus proferidas na cruz e uma no relato dos discípulos de Emaús.
O comentário é de Roberto Mela, professor da Faculdade Teológica da Sicília, em artigo publicado por Settimana News, 01-04-2021. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O cardeal Leonardo Sandri, prefeito da Congregação para as Igrejas Orientais, vê as propostas do Pe. Patton como um verdadeiro curso de Exercícios Espirituais para redescobrir o próprio discipulado, contemplando a cruz de Cristo e o amor com que ele a abraçou.
Novo livro de Francesco Patton,
custódio da Terra Santa (Foto: Divulgação)
Desse modo, afirma, “todos podemos acolher a nossa cruz como experiência não de sofrimento como fim em si mesmo, mas como lugar de comunhão profunda com Aquele que escolheu entrar no mistério da dor e da morte de todo ser humano” (p. 8).
Cada meditação começa com uma oração tirada do Missal, à qual se segue o trecho bíblico de referência citado por extenso. A reflexão se articula em alguns pontos bem indicados e titulados, o último dos quais expõe algumas indicações concretas para a reflexão pessoal: perguntas precisas e indicações espirituais pontuais para um crescimento no próprio caminho de identificação com o Cristo pascal. A meditação encerra com uma oração final.
A primeira reflexão é dedicada à paixão e à cruz na vida de Jesus e do discípulo (cf. Mc 15,1-38), com a profissão de fé do centurião que funciona quase como um selo dela. A paixão, morte e ressurreição de Jesus constituem o núcleo central do anúncio cristão, articulado nos Evangelhos segundo quatro perspectivas diferentes: a do catecúmeno (Marcos), do judeu-cristão (Mateus), do missionário (Lucas) e da maturidade cristã, que vê na cruz a glória de Jesus (João).
A cruz é escândalo e loucura, suplício horrível destinado aos escravos e aos rebeldes, que, na morte de Jesus, porém, abraça todo o distanciamento de Deus, todos os crimes, todas as privações de dignidade.
Ninguém é excluído por Deus! Se, no entanto, faz-se memória da cruz é para seguir o Crucificado, e a perspectiva litúrgica é a mais adequada para fazer isso: revivemos o mistério, contemplamo-lo, deixamo-nos envolver de forma pessoal, olhando para os vários personagens nos quais podemos nos encontrar, adoramos, colocando-nos na atitude de fazer a vontade do Pai, experimentando assim os benefícios da paixão e da cruz, ou seja, o amor de Jesus que amou e entregou a si mesmo por cada um de nós, por mim!
A segunda meditação é dedicada à passagem que Jesus faz de se sentir abandonado ao abandonar-se ao Pai com confiança. “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?” e “Pai, em tuas mãos eu entrego o meu espírito” marcam os extremos de um caminho angustiante feito por Jesus, que, embora se sentindo psicologicamente sozinho e abandonado pelo Pai, sabe que nunca está sozinho e, ajudado pela oração dos Salmos, enfrenta a sua morte, confiando-a à fonte da vida, Aquele que, por amor, o enviou ao mundo.
Jesus vive um drama objetivo e subjetivo, que não dá desconto à sua plena humanidade assumida para a redenção. Uma verdadeira descida aos infernos, acompanhada, porém, da confiança e do abandono nas mãos do Deus Abbá.
Ao Pai, Jesus entrega com confiança o seu espírito, a sua vida. Até mesmo os discípulos sabem que vivem e morrem cientes de estarem sempre nas mãos do Pai confiável. A ele pertencem, são dele (Rm 14,8).
Jesus morre dramaticamente, assumindo o drama da morte humana, mas o vive divinamente. Não morre como herói, mas morre como fiel. Estevão, o primeiro mártir cristão, fará precisamente essa atitude de Jesus.
“A experiência do perdão abre as portas da vida plena” é o título da terceira meditação, que comenta as frases de Jesus: “Pai, perdoai-lhes porque não sabem o que fazem” e “Em verdade te digo, hoje mesmo estarás comigo no paraíso” (Lc 23,33-43).
Para Lucas, Jesus é o modelo de bondade, de piedade, de misericórdia e de perdão, de confiança e de oração. A hora da paixão é a do retorno do poder das trevas, do retorno de Satanás, que se serve de vários dos seus capangas. As responsabilidades humanas existem, mas os chefes agem por ignorância (At 13,17), crucificando o Senhor da glória (1Cor 2,8).
Jesus morre na cruz perdoando, como ensinara os seus discípulos a perdoar com belíssimas parábolas. Jesus morre como viveu e como ensinou a viver. Uma oração de perdão para os indivíduos e para o povo. Uma oração de intercessão e de perdão iniciada de forma gratuita e pessoal por ele mesmo, que antecede qualquer sinal de arrependimento por parte dos indivíduos ou do povo.
Intercedendo como Moisés, Jesus morre pelos ímpios e intercede por eles como o misterioso servo de YHWH descrito por Isaías. A reação ao perdão de Jesus é a mais diversa, mas sempre indiferente e zombeteira.
Somente o povo, no fim, se afastará da cena do teatro batendo no próprio peito. Jesus morreu pelos ímpios, enquanto éramos inimigos e pecadores. Foi tornado pecado para que recebêssemos a justiça de Deus, isto é, o retorno à comunhão na aliança rompida.
Lucas é o evangelista do “hoje” da salvação. E “hoje”, como para o “bom ladrão”, é o encontro para cada um de nós com o perdão e a salvação oferecidos por Jesus.
Na quarta meditação, a “protagonista” é Maria, a mãe de Jesus. “Acolher Maria para experimentar a maternidade da Igreja” é o título da reflexão, a partir das palavras: “Mulher, eis o teu filho” e “Eis a tua mãe” (cf. Jo 19,25-27).
Para João, Jesus se revela na paixão e morte como o “Eu sou” que proclama a sua divindade, o rei elevado para atrair todos para si, o juiz que, enquanto é julgado, julga, o cordeiro pascal de corpo íntegro, aquele que cumpre as Escrituras.
Jesus confia a mãe ao discípulo com piedade filial. Maria é constituída mãe espiritual do povo novo de Deus, a partir do momento em que se encontra em um vínculo muito estreito com a cruz do Filho, cuja “hora” chegou definitivamente.
Ao confiar a mãe ao discípulo amado, Jesus faz com que os discípulos entrem na intimidade da sua família de escolha. A “hora” que mostra a glória do amor mostra também a mãe acolhida pela vida do discípulo amado, pela Igreja.
A cena tem um duplo nível de significado: um comunitário e eclesial e outro mais pessoal. A Igreja é apresentada como família, realidade materna (Maria) marcada pelo fato de ser amado (João, o discípulo amado). A Igreja como família tem no seu coração o calor da presença materna, feminina, que, integrando a paterna, exprime acolhida e ternura.
A devoção mariana e a espiritualidade mariana dão vida à dimensão materna, familiar e acolhedora da Igreja. Acolher Maria é acolher Jesus e a sua obra salvífica. Somos convidados a nos colocarmos nas vestes do discípulo amado e a nos sentirmos amados por Jesus até o fim e a estarmos debaixo da cruz junto com Maria, para receber os benefícios da paixão. “Jesus dá Maria a mim como mãe e, por isso, me insere nessa família que nasce do dom do amor do crucificado” (p. 64).
“Da sede ao dom da água viva” é o título da quinta reflexão, que se debruça sobre as palavras de Jesus: “Tenho sede” e “Tudo está consumado” (cf. Jo 19,28-37).
Jesus leva ao cumprimento a obra que o Pai lhe confiou e, assim, glorifica o Pai e o próprio Filho. Jesus leva a cumprimento/perfeição/completamento/plenitude as Escrituras. Sem a morte de Jesus na cruz – parece que João diz – elas “estão vazias, e o seu significado profundo não é revelado e alcançado enquanto Jesus não o revelar com o seu modo de vida, com as suas ações, com a sua morte e (...) também com a sua ressurreição” (p. 72).
Fazem parte do cumprimento a Igreja e a sua maternidade, o dom do Espírito quando a Páscoa já começou, o verdadeiro cordeiro pascal, o lado aberto a partir do qual saem sangue e água, o fato de voltar o olhar para aquele que traspassaram, que, desse modo, começa a atrair todos para si.
A sede de Jesus certamente é física, mas retoma todas as aflições expressadas pelos sofredores nos Salmos (Sl 22; 69,22). A sede de Jesus, porém, é uma sede que sacia (cf. Jo 4, o encontro de Jesus com a Samaritana). Na sua vida, Jesus é aquele que sacia (Jo 6,35; 7,37-39).
Ao expressar a sua sede, Jesus já está oferecendo, ele mesmo, a água verdadeira, o dom do Espírito, a água batismal, o sangue da celebração eucarística. Ap 22,17 apela: “Quem estiver com sede, venha! E quem quiser, receba de graça a água da vida”.
O cumprimento, enfim, está estreitamente ligado ao modo como Jesus assumiu a vontade do Pai. Todo o Evangelho de João lembra o tema do cumprimento da vontade d’Aquele que enviou Jesus: Jesus age em plena sintonia com o Pai, para não perder nenhum dos filhos de Deus dispersos. Jesus reza para que a vontade do Pai se cumpra. E a obra de Deus é única: “Crer naquele que ele enviou” (Jo 6,29).
O livro do Pe. Patton se conclui com a reflexão “O caminho de Emaús: da fuga ao testemunho”, centrada na afirmação de Jesus que apareceu aos dois discípulos: “Não era preciso que o Cristo suportasse esses sofrimentos para entrar na sua glória?” (cf. Lc 24,13-35).
A Páscoa é a grande surpresa, um evento inesperado: para as mulheres, para o apóstolo Pedro, para os discípulos de Emaús, que, depois de uma fuga da comunidade, vivem um retorno a ela, vivendo também uma conversão “da esperança perdida à esperança reencontrada, da tristeza à alegria, da Cruz como escândalo que impede de crer à Cruz como razão para crer” (cit. de B. Maggioni, p. 84).
Os dois discípulos de Emaús fazem um caminho físico e espiritual ao mesmo tempo. A morte de Jesus é uma pedra de tropeço que destrói as esperanças, e isso está bem expressado pelos dois ao viandante desconhecido que se aproxima deles, fazendo-se companheiro de viagem.
Está despedaçada a esperança messiânica, a possibilidade de crer nas palavras que o próprio Jesus havia predito ao falar da ressurreição. Tudo se despedaça sobre os poucos restos deixados no túmulo vazio, que eles são incapazes de ler como indícios da ressurreição e convites para crer.
Jesus oferece aos dois discípulos uma leitura pascal de toda a sua vida à luz das Escrituras. A morte de Jesus não é um fracasso, mas uma passagem necessária para realizar o projeto de Deus.
A morte na cruz é o ponto mais baixo e profundo que Deus alcança para compartilhar a vida dos seres humanos, seus filhos. A Páscoa é a passagem da morte para a vida, depois que todos os sofrimentos, as angústias e a própria morte dos seres humanos foram assumidos até o fim e redimidos com o selo da ressurreição.
As palavras de Jesus aquecem o coração dos discípulos. São o conteúdo fundamental do anúncio cristão, o querigma (cf. 1Cor 15,1-5). Em 1Cor 15,12-20, Paulo nos ensina a fazer uma leitura pascal da nossa vida. Sem a ressurreição, a nossa fé é vã e estamos perdidos, incluindo os nossos entes queridos falecidos.
Jesus é reconhecido pelos dois ao partir o pão. Esse gesto lembra-lhes a totalidade da vida de Jesus, vivida como dom generoso de si, partilha total na vida dos seres humanos, especialmente dos pobres e dos pecadores. Lucas recorda que partir o pão é o “gesto sintetizador que revela a identidade permanente do Senhor: do Jesus terreno, do Ressuscitado e do Senhor presente agora na sua Igreja” (cit. B. Maggioni, p. 91).
Não é mais a hora de segurar Jesus. É a hora de “testemunhá-lo sem demora para prolongar a sua presença, fazendo, como corpo eclesial do Ressuscitado, aquilo que Ele fez como cabeça do mesmo corpo” (ibid.) (cf. At 2,42). Nos Atos dos Apóstolos, narra-se precisamente o caminho do testemunho realizado pelos apóstolos, em todos os lugares e ambientes, até os confins da terra.
Aos seus leitores, o Pe. Patton deixa o compromisso de “colocar novamente em movimento os nossos pés para alcançar todos os ambientes de vida (...) testemunhar sem demora e sem temor, que o encontro com Jesus é aquilo que mudou a nossa vida e dá significado ao nosso viver e enche de esperança até mesmo o nosso morrer” (p. 93).
Agradecemos ao Custódio da Terra Santa por este livro de intensa espiritualidade, enquanto prometemos acompanhá-lo e apoiá-lo com todos os meios também através do site da Terra Santa, à espera de voltar em breve a percorrer a Terra do Santo e de visitar as comunidades cristãs que ali vivem e dão testemunho, em meio a muitas dificuldades, de Jesus morto e ressuscitado.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
O amor é mais forte do que a morte. Reflexões para a Semana Santa - Instituto Humanitas Unisinos - IHU