07 Abril 2025
Líderes da Igreja no Haiti condenaram a inação das autoridades diante da crescente violência no país caribenho, que agora tirou a vida de duas freiras na cidade de Mirebalais, em 31 de março.
A reportagem é de Eduardo Campos Lima, publicada por Crux, 05-04-2025.
Os assassinatos das irmãs Jeanne Voltaire e Evanette Onezaire por homens armados ocorreram quando uma coalizão de gangues criminosas tomou o controle da cidade, localizada a cerca de 50 quilômetros a nordeste da capital, Porto Príncipe.
As duas freiras pertenciam à Congregação das Pequenas Irmãs de Santa Teresinha do Menino Jesus e faziam parte da administração de uma escola chamada Lucienne Estimé.
“Desde 30 de março, toda a região – que corresponde à Diocese de Hinche – vem sofrendo ataques letais de criminosos armados. Muitas pessoas tiveram que fugir da área e abandonar suas casas”, disse o padre Marc-Henry Siméon, porta-voz da Conferência Episcopal, ao Crux.
As quadrilhas armadas invadiram a região e atacaram civis indiscriminadamente, ferindo e matando muitos deles. A escola foi invadida pelas gangues, o que levou as freiras a procurarem abrigo em casas próximas.
“Elas se esconderam em uma casa junto com dois funcionários da escola. Os criminosos descobriram que elas estavam lá e simplesmente mataram os quatro”, disse Siméon.
Como a escola – e toda a cidade – continua sob o controle da coalizão de gangues, os corpos das freiras e dos funcionários ainda não puderam ser recuperados.
Os assassinatos foram recebidos com tristeza pelos católicos de todo o país.
“Estou profundamente chocado. Como não estaria, depois de tantos horrores? Porto Príncipe vive há meses sob o domínio do terror. Mas o que aconteceu em Mirebalais, com o assassinato desprezível de nossas duas freiras, marca um novo patamar de barbárie”, acrescentou Siméon.
“Matar mulheres consagradas, que deram suas vidas para servir, ajudar e educar seus irmãos e irmãs, amando-os incondicionalmente, é profanar o que ainda resta de sagrado numa sociedade já despedaçada”, continuou.
“Ainda acreditávamos que certos lugares, certas vidas seriam poupadas. Mas agora, nem mesmo os símbolos de paz e de entrega total estão mais protegidos. Isso vai além da simples violência: é um ato de ódio contra a própria luz, contra tudo aquilo que eleva a humanidade”, disse o padre.
Porto Príncipe e zonas adjacentes estão sob controle de gangues há vários meses, o que levou à criação da Missão Multinacional de Apoio à Segurança (MSS), liderada pelo Quênia, no ano passado. Há atualmente mil agentes de segurança no país, a maioria deles quenianos.
Mas a força internacional ainda não conseguiu demonstrar sua eficácia. A cada semana, são registrados novos ataques das gangues contra a missão, e o clima na capital permanece o mesmo. Agora, algumas gangues vêm expandindo suas ações para outras partes do país, como foi o caso em Mirebalais.
A Conferência Episcopal divulgou um comunicado em 3 de abril afirmando que o assassinato das freiras “foi um crime odioso que nos lembra a extensão do mal que apodrece nossa sociedade”.
O episcopado expressou sua solidariedade às famílias das vítimas e “denunciou profeticamente a inação das autoridades, que, apesar dos alertas, não tomaram as medidas necessárias para evitar tal tragédia”.
“A ausência de uma reação eficaz diante de uma insegurança persistente é uma grave falha que põe em risco a nação, abandonada às forças destrutivas”, diz a declaração.
Os bispos também condenaram as ações das gangues e pediram que elas cessem imediatamente sua atuação armada.
“Haiti está atravessando o vale da sombra, mas a esperança cristã nos assegura que a luz do Ressuscitado iluminará nosso caminho para dias melhores”.
O padre Gilbert Peltrop, secretário-geral da Conferência dos Religiosos do Haiti, disse ao Crux que ainda não conseguiu entrar em contato com os colegas das freiras assassinadas. Ele afirmou que um crime como esse era inimaginável.
“Nunca pensei que algo assim pudesse acontecer. No entanto, aprendemos ao longo dos anos que não há limites”, disse.
A Conferência dos Religiosos do Haiti também divulgou uma carta pública em 3 de abril condenando os assassinatos e exigindo justiça.
“Queremos expressar nossa profunda gratidão pela presença dessas freiras entre os mais vulneráveis. Elas foram a manifestação dos sinais do Reino de Deus entre os necessitados. Elas estão vivendo sua Sexta-feira Santa com Cristo neste tempo da Quaresma”, diz o documento.
A carta afirma, em seguida, que talvez essa “tragédia possa contribuir para despertar a consciência dos responsáveis pela justiça e pela segurança neste país, para que a impunidade e a violência cega cessem em nossa sociedade”.
Uma declaração divulgada pela Diocese de Hinche, também em 3 de abril, acrescentou algumas informações sobre os ataques na região de Mirebalais. A nota afirma que muitas casas abandonadas foram invadidas, saqueadas e incendiadas. Um presbitério foi invadido após os criminosos matarem um segurança na frente dos padres.
“Um ato tão bárbaro deixa uma cicatriz profunda em nossos corações e em nossa sociedade. A perda dessas vidas preciosas é um crime abominável, não apenas contra as vítimas, mas contra toda a humanidade”, diz a carta, assinada pelo bispo Desinor Jean.
Siméon afirmou que “o que é ainda mais espantoso é a banalização desses crimes”.
“Mata-se, estupra-se, queima-se, e o país continua a afundar numa forma de resignação coletiva, enquanto os líderes políticos e os organismos internacionais se contentam com cálculos frios”, disse o padre.
Ele afirmou que “não devemos perder a capacidade de nos chocar, de nos ferir, de nos indignar”.
“Penso nessas duas irmãs, em seu testemunho silencioso, em sua fidelidade até o derramamento de sangue. E digo a mim mesmo: se elas amaram até o fim, então temos o dever de continuar lutando pela vida. Pela justiça. Pela paz”, concluiu Siméon.