05 Abril 2025
Importante santo popular no nordeste do Brasil, o Padre Ibiapina do século XIX foi oficialmente declarado Venerável pelo Vaticano, de acordo com um decreto divulgado em 31 de março.
A reportagem é de Eduardo Campos Lima, publicada por Crux, 04-04-2025.
Ibiapina é considerado por muitos como um representante vanguardista da Igreja voltada para o exterior do Papa Francisco, devido à sua dedicação contínua às obras sociais e à sua paixão pelos mais pobres da sociedade.
Ordenado padre apenas aos 47 anos, Ibiapina teve uma carreira de muito sucesso como advogado e juiz na primeira parte de sua vida. Como deputado federal, ele notavelmente tentou aprovar um projeto de lei em 1836 para impedir que africanos escravizados desembarcassem em portos brasileiros. Mais tarde, como um missionário incansável, ele criaria as chamadas casas de caridade, onde os pobres seriam abrigados e alimentados, especialmente meninas abandonadas, muitas delas filhas de mulheres escravizadas que foram estupradas por seus senhores.
José Antônio Pereira nasceu em Sobral, Ceará, em 1806. Sua família vivia em diversas cidades do sertão, região árida do nordeste do Brasil.
Por alguns anos, ele viveu na cidade de Ibiapina com seu pai, que mais tarde a incorporou ao seu nome como nome de guerra, quando participou da Confederação do Equador. Uma revolta separatista de natureza republicana encenada no Estado de Pernambuco contra o Império do Brasil, a Confederação foi derrotada pelas forças da monarquia. Seu pai e um tio foram executados em 1825.
Ibiapina teve que cuidar dos quatro irmãos, já que sua mãe havia morrido um ano antes, em 1824, durante o parto. Isso o impediu de prosseguir os estudos no seminário. Em 1828, tentou conciliar a Faculdade de Direito com os estudos para se tornar padre, mas acabou decidindo se tornar primeiro advogado.
Logo após concluir seus estudos, foi nomeado professor de Direito Natural. Teve vários políticos brasileiros de alto perfil como seus alunos e foi considerado um professor brilhante.
Em 1834, foi eleito indiretamente para ser deputado federal no Rio de Janeiro. Assim que chegou à capital, soube que o Império o havia nomeado para ser juiz do Estado do Ceará, função que exerceu por três meses, com foco no combate às disputas entre famílias ricas locais, algo que costumava causar inúmeras mortes. Após concluir os casos mais urgentes, retornou ao Rio para continuar seu mandato como deputado federal até 1837.
Na Assembleia Legislativa Nacional, Ibiapina tinha uma preocupação notória com os mais desfavorecidos. Ele apresentou um projeto de lei visando impedir que africanos escravizados fossem desembarcados no Brasil. O projeto incluía a possibilidade de qualquer cidadão prender e denunciar os traficantes de pessoas responsáveis pela operação.
Entre 1838-1850, trabalhou como advogado criminalista. Em muitas ocasiões, também ajudou os pobres. Aos 44 anos, comprou uma casa num lugar distante do Recife e lá permaneceu por três anos, lendo a Bíblia, um livro de teologia, um livro sobre a vida dos santos e A Imitação de Cristo, de Tomás de Kempis.
“Após três anos de reclusão autoimposta, ele decidiu se tornar padre”, disse ao Crux o padre Demétrio Morais, vice-postulador da causa de Ibiapina.
O bispo local o ordenou em um mês, ignorando vários requisitos canônicos da época devido às virtudes notáveis de Ibiapina.
“Mais uma vez, ele foi rapidamente convidado a assumir cargos importantes e se tornou professor no seminário e vigário geral da diocese”, descreveu Morais.
Mas então uma pandemia de cólera irrompeu no sertão. Ele decidiu desistir de tudo e começou suas viagens missionárias pelos estados da Paraíba, Pernambuco, Ceará, Rio Grande do Norte e Piauí.
“Ele chegou em Soledade, na Paraíba, e viu inúmeros corpos enterrados em covas rasas ou insepultos. Ele decidiu reunir a comunidade e construir um cemitério e uma capela. Foi o começo de tudo”, descreveu Morais.
Em outra cidade, ele descobriu que uma velha conhecida estava doente com cólera. A mulher era uma rica proprietária de terras.
“Ela prometeu a Deus que doaria parte de sua fazenda se fosse curada. E foi o que ela fez. Ela deu as terras ao Padre Ibiapina. A casa principal da propriedade se tornou a primeira de suas casas de caridade”, disse Morais.
Ao longo dos anos, ele continuou viajando por toda aquela região árida no lombo de um jumento e fundando casas de caridade – 22 delas – igrejas, cemitérios e represas. Suas obras salvaram a vida de inúmeras vítimas da pobreza e das secas contínuas no sertão.
Ele também era um pacifista. Para lidar com as disputas comuns entre famílias – conhecidas como rixas, em português – ele chamava as pessoas envolvidas na violência na cidade que estava visitando, dizia para elas abrirem um buraco na frente da igreja, jogarem suas armas lá e cobri-las com terra.
“Ele não apenas pregava. Ele era um homem de ação. Ele costumava dizer que 'a oração mais importante é aquela que dizemos com as mãos' – o trabalho de caridade”, disse Morais.
Nos seus últimos sete anos de vida, Ibiapina teve as pernas paralisadas e não pôde mais frequentar as casas de caridade, mas continuou orientando as irmãs responsáveis por cada uma delas, enviando-lhes cartas. Esses documentos foram recuperados e integrados aos arquivos de sua causa de santidade, aberta em 1992, quase 110 anos após sua morte, ocorrida em 1883.
A fama de santidade de Ibiapina começou quando ele ainda estava vivo. Há registros de alguns supostos milagres que ele praticou como padre. Mais de 140 anos após sua morte, essa fama só cresceu. Ao lado do Padre Cícero Romão Batista, conhecido como Padre Cícero – declarado Servo de Deus em 2022 – Ibiapina se tornou um dos santos populares mais importantes do Brasil.
“Em todo o Nordeste do Brasil – e até em outras regiões – você ainda vê meninos chamados 'João' ou 'José Ibiapina' e meninas chamadas 'Maria Ibiapina', por exemplo”, disse Morais.
Alguns devotos aqui e ali ainda contam histórias sobre um bisavô ou bisavó que conheceu Ibiapina pessoalmente ou até foi ajudado por ele. Mas os anos tornam esses relatos cada vez mais raros, lamentou o padre.
Morais acha que Ibiapina era um padre à frente de seu tempo. “Ele era verdadeiramente 'um pastor com cheiro de ovelha', como o Papa Francisco convida todo o clero a ser. Ele viveu por uma Igreja voltada para fora”, disse o padre.
Em artigo notório no Brasil, o padre jesuíta Luis Araújo Pinto Jr. argumentou que o padre Ibiapina foi um precursor da Igreja da 'opção preferencial pelos pobres no Brasil', formulação que se tornou famosa com as Conferências Episcopais Latino-Americanas de Medellín (1968) e Puebla (1979).
Isso pode ter atrasado o processo de sua causa de canonização ao longo do século XX, quando a Igreja brasileira estava profundamente romanizada e havia um movimento explícito de apagamento da história, das práticas e dos personagens do catolicismo popular dos séculos anteriores, com o qual Ibiapina acabou sendo identificado.
O bispo Aldemiro Sena, de Guarabira, na Paraíba – região onde fica a cidade de Solânea, onde Ibiapina morreu – disse ao Crux que a causa foi retomada em 2018, quando o postulador de origem italiana Paolo Vilotta se envolveu com ela. Vilotta tem trabalhado pelas causas de pelo menos 45 candidatos à santidade que nasceram ou trabalharam no Brasil.
“Ele fez grandes esforços para que a positio [a coleção de documentos e relatórios que confirmam as virtudes heroicas do candidato] fosse publicada. O decreto do papa foi recebido com enorme alegria em nossa diocese e em todas as regiões onde Ibiapina trabalhou”, disse Sena.
Ele disse que a diocese está agora compilando os relatórios de pessoas que alegam ter recebido uma graça com sua intercessão, incluindo documentos médicos. Todos esses materiais serão enviados para Vilotta.
“Esperamos que em breve o Padre Ibiapina possa ser introduzido nos altares de nossas igrejas – embora saibamos que ele já está no coração de muitos irmãos e irmãs”, disse Sena.