22 Fevereiro 2025
Ibama deve apresentar este ano revisão do plano nacional de controle da espécie invasora, onde a caça teria menor peso
A reportagem é de Aldem Bourscheit, publicada por ((o))eco, 19-02-2025.
Mídias eletrônicas têm propagado a suposta necessidade do abate de milhares de javalis para conter sua acelerada disseminação nacional. A proposta vem de caçadores. O Ibama contesta o número e diz que outras medidas serão mais efetivas.
As últimas semanas viram Redes Sociais e outros meios online multiplicarem postagens sugerindo que 1 milhão de javalis precisam ser mortos ainda este ano para evitar a tomada do país pela espécie exótica invasora, presente já em todos os estados.
Nas mesmas publicações, grupos de caça afirmam que o animal se alastra no Brasil por uma série de “retrocessos”, como restrições federais ao uso de armas de fogo, suspensão de licenças de caçadores, atrasos em permissões do Exército para circulação de armas e não atendimento de demandas do setor.
As mesmas fontes afirmam que essas “barreiras burocráticas” crescentes emperram o controle da “praga [o javali]” pelos caçadores e geram “prejuízos incalculáveis ao meio ambiente, à agricultura e risco sanitário iminente à pecuária nacional”.
O animal compete por espaço e alimentos com espécies nativas, destrói ambientes naturais e plantações, ataca rebanhos de animais pequenos e dissemina doenças que podem afetar outras espécies e as pessoas.
Tentando jogar luz sobre esses e outros pontos do urgente controle do javali, consultamos o biólogo Roberto Cabral, agente do Ibama e (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) mestre em Ecologia pela Universidade de Brasília (UnB).
Segundo ele, não é possível apontar um número ideal para abate desses animais porque não há um censo nacional da espécie. Nativa da África, Ásia e Europa, ela foi trazida para o Brasil há mais de 500 anos e se dispersa fortemente há cerca de seis décadas, mostrou ((o))eco.
Contudo, o agente federal lembra que o javali se alastra ainda mais vigorosamente no país desde 2013, quando seu abate com armas de fogo foi regulamentado. “Só isso mostra que esse controle não funciona”, avalia.
Enquanto isso, o surgimento de javalis em pontos isolados de todo o território nacional sugere sua disseminação voluntária e criminosa no país. “O javali não está seguindo de carro ou nadando, na verdade é espalhado”, diz Cabral.
No fim do ano passado, o Governo Estadual de São Paulo abriu uma licitação para capturar e abater estimados 200 javalis e javaporcos [cruza com animais domésticos] no Parque Estadual de Ilhabela. A área protegida fica num arquipélago.
Já um estudo publicado na revista OneHealth indica que caçadores criam e liberam esses animais na natureza. Os crimes acompanham a malha rodoviária, mostra o trabalho, que aproveitamos na reportagem Javali no Brasil: tá tudo dominado.
A soltura do animal serviria à caça esportiva, em busca de troféus e fotos para Redes Sociais, aumentando os números da espécie. O abate sobretudo de machos evidencia isso, pondera o agente federal. “Se fosse caça de controle, era para ter mais fêmeas mortas do que machos”, afirma.
O agente federal também revela que licenças para caça foram suspensas em variadas regiões onde não foi comprovada a presença da espécie invasora. “Isso aconteceu em pontos do Nordeste e de Goiás, por exemplo”, conta.
Crimes também podem levar à perda das autorizações ou ao pagamento de multas. Em 2021, uma liderança de caçadores foi autuada em R$ 15 mil por suposta caça ilegal em Monte Azul Paulista, a cerca de 400 km da capital São Paulo (SP).
Ainda conforme Cabral, uma revisão do plano nacional para conter a disseminação do javali pode ser lançada este ano pelo Governo Federal. Disparado há mais de uma década, ela ainda não surtiu efeitos.
A proposta deve reduzir o peso da caça com armas de fogo e aumentar a importância das armadilhas. Isso pode gerar críticas também do mercado de armas e munições, mas as vantagens incluiriam a captura de grupos inteiros de porcos.
“Quando se atira num javali, o que ocorre na maior parte das vezes é espalhar os demais para outras regiões, para outras fazendas, aumentando os prejuízos”, explica o agente federal. “A caça não foi uma medida que conseguiu controlar o javali”, arremata.