Solenidade Natal do Senhor – Ano C – O testemunho da luz divina em um mundo de pouco brilho

23 Dezembro 2024

 "Jesus veio para dar testemunho da luz, se fez a própria luz se fazendo carne para ser ensinamento, e é tão verdadeiro que é reconhecido existir antes de todas as coisas."

"Cada cristão precisa reconhecer que sua vida é graça e por essa graça deve promover o nascer de um novo dia, de uma nova forma de salvar, de um cuidado com a vida, que gere a luz necessária para salvar nosso novo mundo".

A reflexão é de Perla Cabral Duarte Doneda. Bacharel em Teologia pelo Centro Universitário Claretiano Batatais-EAD (2016) e Bacharel em Ciências Religiosas pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (2007). Viés teológico perpassa pela Teologia da Libertação, com ênfase hermenêutica para a Teologia Feminista. A pesquisa acadêmica compreende o campo da história, especialmente, o período Colonial do Brasil (Sec. XVI), no campo da mariologia de José de Anchieta. Aborda questões de gênero, no campo das violências e injustiças contra as mulheres. Atualmente é sócia da SOTER (Sociedade de Teologia e Ciências da Religião e membra ativa da Rede Brasileira de Teólogas.

Leituras do Dia

1ª Leitura: Is 52,7-10
Salmo 97 (98)
2ª Leitura: Heb 1,1-6
Evangelho: Jo 1,1-18

Eis a reflexão

Na liturgia desse dia, dessa noite maravilhosa, somos convidadas a professar nossa fé no Natal como a celebração do nascimento, então podemos afirmar que o Natal é graça divina. Sim, toda vida que vem ao mundo é símbolo real e concreto da graça divina no humano recebida de Deus. Toda vida traz algo novo e tudo que é novo gera vida pela própria novidade que traz.

Para os cristãos, “os confins do universo contemplaram a salvação do nosso Deus” (Sl 97,1) que, através da vida, nos faz conhecer o bem e o amor. O cristianismo é a maior religião do mundo. Logo, no Natal é a Luz do mundo, com cerca de 2,4 bilhões de adeptos. No entanto, esse testemunho pode ser questionado pelo tamanho da luz que tem propagado, tendo em vista que há muitas trevas contemporâneas. A religião cristã nasce quando nasce o menino Jesus, que se desdobra em sua vida, morte e ressurreição. Nesse sentido, vale refletir nessa noite e nesse dia de Natal o que fizemos com toda essa luz que veio ao mundo.

No ano passado foram notificados 59 conflitos em todo o mundo, 28 deles só na África. A humanidade ainda trava inúmeras guerras e acumula milhões de famintos pelo mundo. De acordo com a ONU, cerca de 733 milhões de pessoas passam fome. Se formos pesquisar os dados das inúmeras violências que a humanidade enfrenta em cada minuto do seu dia, ficaremos incrédulas com os números efetivos e as modalidades de violência que homens, mulheres e crianças sofrem. Esse é um pequeno fecho de luz sob o Natal, testemunho cristão contraproducente, incoerente, já que nossas filhas, filhos, netos e netas são assassinados em uma velocidade que confronta o número de nascidos. A luz cristã é constantemente ofuscada pelos pecados da humanidade. Ainda assim, recitamos as cantigas de Natal e continuamos professando, com o profeta Isaías que “são belos os pés que andam sobre os montes e anunciam a paz e prega a salvação”.

O salmista nos instrui: “cantai salmos ao Senhor ao som da harpa e da cítara suave”. A harpa é um instrumento de 47 cordas paralelas, sua origem remonta o ano 3.000 a. C. e foi aperfeiçoada com pedais, pelos franceses, no século XVIII. A harpa denota louvor, harmonia. Qual seria ou qual será o nosso instrumento de louvor a Deus, nos dias de hoje, diante do plano de salvação? O Filho de Maria está para a grande cítara, ou seja, a grande fonte de inspiração para a humanidade, e juntamente com o povo Hebreu podemos afirmar: “Ele sustenta o universo com o pode de sua palavra”.

No evangelho de hoje, é exatamente isso que faz João: por palavras narra como era desde o princípio. Nesse princípio a palavra tem lugar especial, ela é organizadora e criadora, ou seja, não desorganiza e nem destrói. Dela sustenta o humano e com ela, evolui. Por isso, a palavra é parte fundante do gênero humano, é parte do divino, da Divina Palavra. O físico e o espiritual dos filhos e filhas de Deus se reconhecem, pois, na família de Nazaré está a vida e a luz que veio clarear o mundo, que veio harmonizar as relações entre as pessoas. Então, Jesus veio para dar testemunho da luz, se fez a própria luz se fazendo carne para ser ensinamento, e é tão verdadeiro que é reconhecido existir antes de todas as coisas.

No Natal cristão, essa deve ser a realidade experimentada e vivida. Mesmo que devamos reconhecer o contratestemunho humano diante das tantas misérias humanas, nesse Natal, talvez seja prudente afirmar que se não fosse a história de Jesus nesse mundo, se as harpas e as cítaras não tivessem sido continuamente “tocadas”, poderíamos estar ainda piores em nossa própria história. Sim, o cristianismo é uma grande noite que se fez dia, o Natal que ilumina, mas que ainda precisa iluminar de modo mais intenso, profundo, a vida das pessoas, para que de fato possa ser os pés e a luz da salvação do mundo, onde o amor infinito ultrapasse os interesses da instituição natalina e seja apenas graça, vida nova, cuidado.

Cada cristão precisa reconhecer que sua vida é graça e por essa graça deve promover o nascer de um novo dia, de uma nova forma de salvar, de um cuidado com a vida, que gere a luz necessária para salvar nosso novo mundo, ou seja, que não promova guerras, violências, fome, exploração ou a morte de milhares de inocentes. Nem a destruição da nossa Casa Comum, pois ela é o princípio, veio antes de nós, é nosso útero, é nossa possibilidade única do verdadeiro Natal acontecer, todos os dias! “Ele no-lo deu a conhecer”.
Feliz testemunho e Santo Natal para todas e todos nós!

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