18 Dezembro 2024
“É um paradoxo obsceno manipular o nascimento de Cristo, tradicionalmente associado a valores de humildade e solidariedade, enquanto são perpetuadas práticas de desigualdade e exclusão”, escreve Fernando Buen Abad Domínguez, filósofo mexicano.
“Precisamos desenvolver uma consciência crítica que transforme as relações de produção e a comunicação para repensar e transformar os valores impostos em festividades como o Natal”, opina.
O artigo é publicado por La Jornada, 14-12-2024. A tradução é do Cepat.
Sobre a manjedoura da verdade mercantil, na época do Natal, os mercenários das necessidades afetivas e as indústrias do festim consumista abraçam um plano comercial muito rentável, que milhões de seres humanos celebram religiosamente com os seus salários. Os megaconsórcios e as agências de publicidade, que anualmente mexem com qualquer campo simbólico, ficam embriagados pelo gasto dos consumidores, que representam uma alta porcentagem da atividade econômica de cada país. Nos Estados Unidos, em 2023, por exemplo, alcançou um aumento médio de 12% em comparação com o resto do ano.
Empórios como Amazon, Walmart e Target lideram as vendas no varejo nessas datas. A Amazon, por exemplo, aumenta as campanhas agressivas de descontos desde antes da Black Friday, enquanto Walmart e Target ajustam seus estoques para evitar perdas e otimizar o seu rendimento durante a temporada. São Nicolau ou Papai Noel se movimenta em trenós multimilionários. Levante as mãos, isto é o Natal!
Por outro lado, os monopólios da publicidade desencadeiam orgias de consumismo, como a Omnicom, a Interpublic e a Ogilvy, com campanhas segmentadas e a manipulação da emoção para convencer o público cativo de que o consumo é uma forma amorosa, religiosa, honrosa e inescapável de celebrar e partilhar a fé, a esperança e a caridade, à vista ou em suaves prestações.
A Omnicom, com o seu conglomerado de marcas como a BBDO e a TBWA, lidera muitas das campanhas natalinas mais influentes, enquanto a Interpublic se concentra em estratégias digitais que maximizam a ligação emocional do consumidor com as mercadorias da época, cuidadosamente manipuladas pelos seus especialistas em semiótica do escravismo ideológico.
Além disso, a pressão publicitária sobre os governos e os trabalhadores aumenta significativamente durante os meses de novembro e dezembro, porque se busca alcançar metas e recordes de vendas manipulando a narrativa de que a compra de presentes e produtos de luxo é fundamental para um Natal perfeito. Este bombardeio midiático aliena o consumidor ao associar valores como o amor e a generosidade a produtos e marcas, distanciando-se da sua dimensão cultural ou espiritual original, com objetos desnecessários, suntuosos, caríssimos e alienantes.
Nos Estados Unidos, na temporada natalina de 2023, o gasto total estimado foi de cerca de um trilhão de dólares, segundo a Federação Nacional dos Varejistas. Tal gasto inclui compras realizadas em etapas centrais como a Black Friday e a Cyber Monday, nas quais as promoções preparadas em laboratórios de manipulação psicológica incentivaram os vícios sociais no consumo em massa de mercadorias. Para completar, as compras online representaram um aumento significativo, de 8 a 9% a mais do que no ano anterior.
Ninguém ficou de mãos vazias. Suas empresas e varejistas desempenharam um papel crucial: ajustando suas demagogias comerciais para maximizar as vendas, fingiram descontos antecipados e promoções únicas para o festim do livre mercado. Agências de publicidade como a Ogilvy, a McCann e a Publicis Groupe lideraram campanhas de marketing destinadas a fomentar o consumo emocional e aspiracional, em especial de produtos tecnológicos e de luxo. E repetirão a fórmula entre canções natalinas e renas. As campanhas mais alienantes costumam utilizar um discurso que relaciona presentes materiais à felicidade familiar, consolidando o mito do consumismo como eixo da celebração.
Essas dinâmicas capitalistas que transformam a celebração popular em um fenômeno comercial costumam apresentar um tom otimista, misturado com solidão, luto ou tristezas diversas. Afinal, em sua moral e ética de comerciantes sem escrúpulos, tudo se cura comprando. Possuem especialistas em publicidade e marketing treinados para manipular as tradições e esvaziar os depósitos. Além disso, acompanham o produto natalino com promoções de viagens especiais, eventos temáticos, concertos e espetáculos circenses em parques de diversão, tudo alinhado ao espírito de vender experiências natalinas.
O frenesi natalino também é uma mercadoria na trama que gira em torno do brinquedo da moda, o perfume, o suéter ou qualquer coisa com referência direta e manipulável, segundo o marketing agressivo dirigido às crianças e aos pais. Tudo com uma carga ideológica relevante que anima um espiritualismo da mercadoria, cuja capacidade de alienação é muitas vezes camuflada com sorrisos e o calor do Natal. E a tecnologia ajuda muito o comércio que coopta as ilusões humanas durante essas datas.
Precisamos de uma crítica semiótica emancipatória e contundente contra o abuso mercantilista do Natal sob o capitalismo. Denunciar e derrotar a parafernália natalina que manipula as emoções coletivas para impor um consumo compulsivo que favorece a burguesia, ao mesmo tempo em que explora o proletariado. Desfazer as imagens de fraternidade e espiritualidade que, na verdade, são uma estratégia das empresas para maximizar lucros. Deter bruscamente estas práticas que privam a classe trabalhadora do fruto de seu trabalho por meio de mensagens que criam necessidades artificiais.
Este fenômeno não só reforça as relações de produção capitalistas, como também degrada a cultura ao transformá-la em uma ferramenta de manipulação simbólica. É um paradoxo obsceno manipular o nascimento de Cristo, tradicionalmente associado a valores de humildade e solidariedade, enquanto são perpetuadas práticas de desigualdade e exclusão. Além disso, é necessário denunciar a guerra interburguesa, ou seja, a concorrência entre empresas que, muitas vezes, intensifica as estratégias de manipulação publicitária.
Precisamos desenvolver uma consciência crítica que transforme as relações de produção e a comunicação para repensar e transformar os valores impostos em festividades como o Natal. Eles querem o nosso dinheiro a qualquer custo e querem que o entreguemos felizes da vida. Precisamos de uma luta global contra a hegemonia cultural e econômica capitalista.
Necessitamos de uma crítica contundente à publicidade natalina que manipula as emoções coletivas para ficar com o salário da classe trabalhadora. Precisamos celebrar a fraternidade e a espiritualidade de uma forma diferente, também no Natal, rumo a uma mudança radical do modelo cultural e econômico, rumo a um sistema de valores humanistas em que o trenó da mercadoria natalina, puxado por turbas de publicitários, não adentre.
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Semiótica de uma verdade mercantil na época do Natal - Instituto Humanitas Unisinos - IHU