13 Dezembro 2024
Assim como a Itália, em outubro passado, muitos Estados implementaram legislações para proibir ou limitar o uso da barriga de aluguel (GPA), muitas vezes com o objetivo de combater a exploração e a mercantilização de mulheres e crianças. Mas o “mercado” se move de acordo com os desenvolvimentos legislativos nacionais. Os especialistas pedem a sua abolição universal.
A reportagem é de Allane Madanamoothoo, professora Associada de Direito na EDC Paris Business School, publicada por The Conversation França, 10-12-2024. A tradução é do Cepat.
No dia 16 de outubro, o Senado italiano aprovou uma nova legislação que reforça o crime de barriga de aluguel (GPA), prática que consiste em um acordo pelo qual uma mulher, chamada de “mãe de aluguel”, concorda em gestar uma criança para um casal (ou pessoa solteira), chamados “pais pretendidos” ou “pais comissionados”. A partir de agora, os italianos que recorrerem à GPA, mesmo no exterior, estão sujeitos a uma pena de três meses a dois anos de prisão e a uma multa que pode chegar a 1 milhão de euros.
O objetivo declarado de Giorgia Meloni e de alguns membros do governo italiano é lutar contra a exploração e a mercantilização de mulheres e crianças através do reforço de uma lei de 2004, que proíbe os cidadãos italianos (e qualquer outra pessoa) de realizar, organizar ou fazer propaganda da GPA em território italiano.
Assim que foi votada, a nova legislação italiana suscitou intensos debates. Descrita como uma lei homofóbica por algumas associações, visa, no entanto, todos os cidadãos italianos.
A GPA, um assunto delicado, suscita numerosos debates éticos, legais e médicos em todo o mundo. A nova legislação italiana terá eco em outros países?
Existem duas formas de GPA: a tradicional, quando a mãe de aluguel também é a mãe genética (essa prática é minoritária), e a gestacional, quando a mãe de aluguel não tem vínculo genético com a criança.
Cada uma das duas formas de GPA pode ser altruísta ou comercial. Durante uma barriga de aluguel altruísta, também chamada de “ética”, a mãe de aluguel não é paga diretamente por suas faculdades reprodutivas, mas pode receber outras formas de compensação, vinculadas ou não à sua gravidez (doações em espécie, presentes, viagens, despesas materiais, assistência médica, reposição das perdas salariais). Por outro lado, durante uma barriga de aluguel comercial, a mãe de aluguel recebe uma compensação financeira pela gravidez, além de outras compensações.
Quaisquer que sejam as suas formas e modalidades, a barriga de aluguel é fator de divergências, especialmente na França, onde a prática é proibida. Alguns dos seus defensores, como a filósofa Marlène Jouan, destacaram que a mãe de aluguel é livre para consentir numa GPA em virtude do princípio da autonomia da vontade. A GPA, para outros, oferece a possibilidade de constituir uma família em caso de infertilidade e possibilita ter um filho geneticamente ligado a um dos dois futuros pais, diferente da adoção. Outros, como Elisabeth Badinter, são a favor de uma barriga de aluguel ética, sem remuneração para a mãe de aluguel, mas com direito ao arrependimento caso esta decida ficar com a criança.
Os opositores também têm seus argumentos. Para René Frydman, ginecologista que fez parte da equipe médica que contribuiu para o nascimento do primeiro “bebê de proveta” francês, não pode existir um “direito a uma criança”. As pessoas que se manifestam contra a barriga de aluguel muitas vezes apontam que a mãe de aluguel não tem realmente livre escolha. Dão o exemplo dos Estados Unidos e da Índia, onde a barriga de aluguel é praticada por muitas mulheres por necessidade econômica. São também discutidos os riscos médicos e psicológicos para a mãe de aluguel e para a criança, mas também para a doadora de óvulos, que também pode ser objeto de exploração e mercantilização.
Desde a primeira barriga de aluguel gestacional em 1985 nos Estados Unidos, o uso de mães de aluguel cresceu de maneira exponencial.
A barriga de aluguel gestacional e comercial é a mais praticada e é realizada num mercado mundial a preços que variam entre 120 mil e 150 mil dólares nos Estados Unidos e 40 mil e 50 mil dólares na Ucrânia. Este preço global inclui a remuneração da mãe de aluguel, que pode variar de 20 mil a 55 mil dólares nos Estados Unidos e 13 mil dólares na Ucrânia. O restante do custo é distribuído entre diferentes intermediários: a clínica que pratica a GPA, os doadores dos óvulos, os agentes e advogados que trabalham com os futuros pais pretendidos e a mãe de aluguel para estabelecer e garantir a execução do acordo de GPA. O mercado global de barrigas de aluguel é estimado em 21,85 bilhões de dólares hoje e poderá chegar a 195,97 bilhões de dólares em 2034.
Além dos custos da barriga de aluguel, que variam conforme o país, a diversificação das legislações empurra os futuros pais pretendidos que vivem em países onde a prática é proibida a recorrer a países onde o acesso a uma mãe de aluguel lhes é possível.
Na França, a barriga de aluguel é estritamente proibida. Esta proibição francesa – a primeira jurisprudência remonta a 1991 – foi consagrada pelas primeiras leis de bioética de 1994, cujas sucessivas revisões em 2004, 2011 e 2021 mantiveram o regime proibicionista.
A nível civil, o acordo de GPA é nulo: o contrato de GPA não pode produzir qualquer efeito jurídico. Em caso de conflito entre os futuros pais pretendidos e a mãe de aluguel, nenhuma das partes poderá recorrer à justiça para obter o cumprimento do referido contrato. Além disso, o acordo de GPA não será suficiente para estabelecer a filiação da criança aos pais pretendidos, com exceção das GPA realizadas no exterior. Esta nulidade é também de ordem pública: visa, segundo o legislador francês, proteger o interesse geral e pode ser invocada por qualquer interessado, bem como pelo Ministério Público.
Na esfera criminal, não existe crime que puna especificamente o uso da barriga de aluguel. Apenas determinados comportamentos são suscetíveis de serem criminalizados pela participação em uma barriga de aluguel, tais como os crimes de mediação com vista a uma barriga de aluguel, de incitação ao abandono de criança ou de ocultação que leve a um ataque ao estado civil da criança, quando ocorrem em território francês.
Assim como na França, a Alemanha e a Espanha também proíbem a barriga de aluguel, quaisquer que sejam as formas e os métodos.
Em outras partes do mundo, as legislações relativas à barriga de aluguel variam. Alguns Estados autorizam-na sob determinadas condições (Reino Unido, Índia, Ucrânia, Grécia, Rússia) ou sem condições de nacionalidade, sexo ou estado civil, como é o caso da Califórnia.
Em outros países, a barriga de aluguel não é permitida nem proibida. Nesta hipótese, se certos Estados apenas toleram a barriga de aluguel altruísta (Bélgica e República Checa), em outros, este vazio jurídico levou a que a indústria da barriga de aluguel se estabelecesse ali para exercer e oferecer a barriga de aluguel comercial a um custo menor, com uma remuneração que não passa dos 5 mil dólares para a mãe de aluguel. Este é o caso especialmente da Colômbia.
Diante do afluxo de pedidos de casais estrangeiros, devido à proibição ou restrição da barriga de aluguel em seus países de origem, ou para se beneficiarem da prática a preços mais baixos, alguns países, como a Tailândia, Índia e Camboja proibiram a barriga de aluguel para estrangeiros em seus territórios com o mesmo objetivo que a Itália. Mas o mercado de barrigas de aluguel muda à medida que são impostas restrições legislativas, transferindo assim os riscos de exploração e mercantilização de mulheres e crianças de um país para outro.
Antes da Itália, alguns Estados e territórios da Austrália e da Turquia também estabeleceram um crime de GPA extraterritorial na sua legislação.
Na Europa, uma diretriz europeia de 23 de abril de 2024 que reconhece a barriga de aluguel para fins de exploração reprodutiva como uma forma de tráfico de seres humanos “pode ser interpretada como uma proibição da barriga de aluguel”.
A nível internacional, em 3 de março de 2023, cerca de 100 especialistas de 75 nacionalidades assinaram a Declaração de Casablanca para a abolição universal da barriga de aluguel e propuseram aos Estados um projeto de convenção internacional sobre o tema. Esta declaração convida os Estados a tomar medidas concretas para proteger as mulheres e as crianças dos riscos de exploração e de mercantilização.
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Por uma proibição mundial da barriga de aluguel? Os desafios de um “mercado” de 21 bilhões de dólares - Instituto Humanitas Unisinos - IHU