04 Dezembro 2024
“Vamos trabalhar pela vida de todos. Estamos votando para dar autonomia à mulher, algo tão custoso para nós, homens. Deixar que os úteros deixem de ser controlados pelos homens e pelo Estado” (Alfredo Luenzo, Senador Argentino – 2020).
O artigo é de Fátima Guedes, publicado em Amazônia Real, 03-12-2024.
Fátima Guedes é educadora popular e pesquisadora de conhecimentos tradicionais da Amazônia e Uma das fundadoras da Associação de Mulheres de Parintins, da Articulação Parintins Cidadã, da TEIA de Educação Ambiental e Interação em Agrofloresta. Militante da Marcha Mundial das Mulheres (MMM) e Articulação Nacional de Movimentos e Práticas de Educação Popular e Saúde (ANEPS). Autora das obras literárias, Ensaio de Rebeldia, Algemas Silenciadas, Vestígios de Curandage e Organizadora do Dicionário - Falares Cabocos.
Quando as injustiças mascaradas de leis sociais agridem direitos à vida, o Educador Paulo Freire nos instiga à Indignação: “A história como tempo de possibilidade pressupõe a capacidade do ser humano de observar, de conhecer, de comparar, de avaliar, de decidir, de romper, de ser responsável. De ser ético, assim como de transgredir a própria ética”.
A provocação do Educador chega às mulheres brasileiras no momento em que a ética machista, instalada nos poderes ditos democráticos, ergue a clava forte do patriarcado misógino manifestado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados e aprova, na última quarta-feira, dia 27, a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 164/2012, em cuja pauta nega às mulheres o direito ao aborto legal.
É sabido que, nós, mulheres, independentemente de classe, raça, credo, somos protagonistas de nossas vidas, de nossas histórias e, assim, exercemos o poder de decisão com autonomia e altivez sobre nossos corpos e paralelamente intervimos sobre quaisquer processos abusivos que nos submetam a padrões machistas, religiosos e/ou tradicionalistas.
No Brasil, a questão sob o comando do falso moralismo, legalismo e desinformação tem sido um dos temas mais polêmicos e ao mesmo tempo de legitimação a dogmas inquisidores. Raras vozes de setores governistas e institucionais se manifestam em defesa das mulheres. O testemunho está no resultado da aprovação da (PEC) 164/2012 que tivera o apoio de Caroline De Toni (PL-SC), mulher/deputada que rege aquele colegiado. Sem dúvidas, Caroline De Toni enquadra-se no perfil de neoinquisidora, herdeira de cativeiros dogmáticos, mantida sob mordaças, com olhos vendados, refém da fogueira sistêmica patriarcal.
Apesar da criminalização – independentemente do propósito das mulheres à opção – no Brasil, por ano, cerca de oitocentas mil mulheres recorrem ao aborto. Em média, 250 mil mulheres, com infecções e hemorragias decorrentes de procedimentos inadequados e clandestinos são atendidas pelo SUS.
Afirmamos: mulher nenhuma faz aborto por prazer. É o último socorro à gravidez indesejada. No entanto, a prática varia dependendo da classe social: se a mulher é classe alta, clínicas especializadas (sob as barbas do Estado) atendem com brevidade, segurança e garantia; ou dependendo das boas relações com o serviço público, ali mesmo, as privilegiadas se libertam do indesejado sem traumas ou criminalizações: a força da grana paga o silenciamento hipócrita.
Na contramão das camuflagens estruturais/estruturantes, as desvalidas filhas de Eva (pobres, negras, sozinhas, analfabetizadas, prostituídas, excluídas das farturas do paraíso) pagam preço altíssimo. A estas o Estado impõe a tirania: hemorragia, infecção e morte. As sobreviventes são transformadas em criminosas.
Gravidez indesejada sempre existirá: contraceptivos falham e nunca suprem as demandas dos postos de saúde; maridos ou namorados recusam uso da camisinha… E ainda sujeitam mulheres fazerem sexo contra a vontade destas. Sobre tal violência, até onde buscamos informações, não há referências sobre homens criminalizados por engravidarem mulheres que fizeram aborto.
Ecoa sobre as massas analfabetizadas justificativas infundadas de que a legalização aumentará o número de abortos. Tal justificativa fortalece a insensatez dos 35 parlamentares favoráveis à PEC na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e legaliza institucionalmente a defesa do estupro, de estupradores e a gravidez indesejada.
O mesmo Estado que criminaliza mulheres pelo direito de decidir sobre seus corpos, aborta diariamente categorias marginalizadas quando nega a estas oportunidades de vida digna: crianças, mulheres empobrecidas, indígenas, populações negras, trabalhadores rurais e urbanos, gêneros diversos.
É visível ainda o outro jeito de fazer aborto inocentando o Sistema de quaisquer responsabilidades: aquele mau jeito técnico (o tal parto humanizado) travestido de legalidade nos laudos de natimortos. Além de outras violências às mulheres reféns deste sistema na hora do parto: omissão, gracejos, estupidez, violação da Lei Federal 11.108 de 07/04/2005 (que garante a toda gestante em processo de parto direito a acompanhante sem pagar nada).
A transgressão aqui expressa contra a ética transgressora contida na PEC 164/2012, além do apoio às mulheres, estende-se também à defesa da Mãe Terra – a Fêmea Universal mais violentada no mundo – e à Mátria Brasileira estuprada há mais de 500 anos sem dó ou piedade. Quanta tortura e contaminação disfarçadas em desenvolvimento e legalidade!…
O momento clama por união de forças da classe trabalhadora, manifestação interventiva, independente de gênero, e expansão do olhar crítico sobre as sequelas impostas às populações e territórios vulnerabilizados pelas crueldades do patriarcado instalado nos poderes. É o caminho que se vislumbra para frear o fascismo da Câmara Federal e efetivar a Justiça Popular tão massacrada. Só na pressão a panela estoura!
Portanto, fechemos a cozinha, ocupemos as ruas, agitemos panelas, maracás… Com determinação e autonomia abortemos a PEC 164/2012 que nega às mulheres o direito ao aborto, a autonomia sobre o próprio corpo.
A liberdade nos chama. Sigamos!
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Abortar a PEC 164/2012. Artigo de Fátima Guedes - Instituto Humanitas Unisinos - IHU