30 Novembro 2024
“No contexto da guerra comercial entre os Estados Unidos e a China, muitas empresas deste último país adotaram a estratégia de ‘deslocalização próxima’, montando produtos semiacabados em países estratégicos e rotulando-os como ‘Made in Vietnam’ ou ‘Made in Mexico’. Esta prática permite que sejam reexportados para mercados importantes como os Estados Unidos e a Europa, evitando assim as tarifas elevadas e aproveitando acordos comerciais”. A reflexão é do economista Alejandro Marcó del Pont, em artigo publicado por El Tábano Economista, 27-11-2024. A tradução é do Cepat.
Em 2019, a estatal China Cosco Shipping Ports adquiriu 60% do porto de Chancay de uma mineradora peruana por 225 milhões de dólares. Esta compra marcou o início de um colossal investimento de 3,5 bilhões de dólares – 16 vezes o valor inicial – destinado a modernizar o porto e transformá-lo num centro estratégico para as rotas comerciais entre a Ásia e a América Latina.
A primeira fase do projeto não só reduz o tempo de transporte entre o Peru e a China de 35 para 23 dias, economizando mais de 20% em custos logísticos, mas também fortalece uma estratégia mais ampla: a diversificação das rotas comerciais para driblar o aumento de impostos por parte dos Estados Unidos.
No contexto da guerra comercial entre os Estados Unidos e a China, muitas empresas deste último país adotaram a estratégia de “deslocalização próxima”, montando produtos semiacabados em países estratégicos e rotulando-os como “Made in Vietnam” ou “Made in Mexico”. Esta prática permite que sejam reexportados para mercados importantes como os Estados Unidos e a Europa, evitando assim as tarifas elevadas e aproveitando acordos comerciais.
Por exemplo, a fábrica de móveis Man Wah em Monterrey, México, produz luxuosos sofás “Made in Mexico” destinados a cadeias estadunidenses como Costco e Walmart. Porém, a empresa é de capital chinês e sua fábrica foi construída sob essa lógica estratégica. De acordo com a Associação de Parques Industriais do México (AMPIP), todos os espaços industriais previstos para 2027 já foram vendidos, refletindo a ascensão deste modelo.
O Vietnã, por sua vez, registrou um crescimento similar, em grande parte impulsionado pela reconfiguração das cadeias de abastecimento lideradas por empresas chinesas. Durante os anos da presidência de Donald Trump, o superávit comercial do Vietnã com os Estados Unidos aumentou de 38,3 bilhões de dólares em 2016 para mais de 120 bilhões de dólares em 2023, consolidando o seu papel como uma engrenagem fundamental na rede industrial da China. Este aumento não se deve apenas à competitividade vietnamita, mas também à sua integração como satélite na cadeia de abastecimento chinesa, especialmente em setores como o têxtil, a eletrônica e a indústria fotovoltaica.
A China domina mais de 90% do mercado global de energia fotovoltaica. No entanto, as barreiras comerciais impostas pela Europa e pelos Estados Unidos, incluindo tarifas de 25% sobre produtos chineses ao abrigo da Secção 301 da Lei Comercial de 1974, estimularam a construção de fábricas no Vietnã. Empresas como a Jinko Energy e a Longi Green Energy montam módulos fotovoltaicos semiacabados no Vietnã, que são depois exportados para os mercados ocidentais aproveitando os benefícios alfandegários.
O mesmo acontece com a indústria têxtil. Apesar do seu crescimento, entre 55% e 60% dos insumos têxteis e materiais auxiliares ainda provêm da China, o que destaca a dependência do país como extensão industrial chinesa. Em setores como os têxteis de alta qualidade, o Vietnã carece de autonomia tecnológica e industrial, permanecendo um elo subordinado na cadeia de valor global.
O México e o Vietnã desempenham papéis complementares na estratégia econômica chinesa, mas a partir de perspectivas diferentes. O Vietnã atua como um satélite estratégico na Ásia, profundamente integrado nas cadeias de abastecimento tecnológico e têxtil da China. Em contrapartida, o México, com a sua proximidade geográfica com os Estados Unidos e a sua participação no tratado de livre comércio entre o México, os Estados Unidos e o Canadá, ou NAFTA, torna-se um ponto-chave para fazer chegar os produtos chineses no maior mercado do mundo. Em 2023, o México aumentou as suas exportações em 52,9 bilhões de dólares, muitas das quais ligadas a cadeias de produção chinesas.
No entanto, a relação entre o México e a China também gerou tensões. Embora 20% das importações mexicanas venham da China, o governo mexicano teve de equilibrar cuidadosamente estas relações diante da pressão estadunidense para limitar a influência chinesa na região.
A política tarifária dos Estados Unidos, que inclui taxas até 25% sobre produtos chineses, e propostas para tributar determinados produtos em até 200%, procura travar esta estratégia de evasão. No entanto, estas medidas tendem a repassar o custo para os consumidores estadunidenses, o que aumenta a inflação.
Neste contexto, o México e o Vietnã não representam apenas oportunidades econômicas para a China, mas também desafiam a ordem comercial global liderada pelos Estados Unidos. À medida que Washington reforça as regras de origem e revê tratados, a influência chinesa continua a se adaptar, redefinindo as rotas comerciais e fortalecendo a sua posição num mundo multipolar.
A concorrência entre a China e os Estados Unidos pelo domínio do comércio global não está apenas transformando as cadeias de abastecimento e os padrões de investimento, mas também redefinindo a dinâmica de poder em economias intermediárias como o México e o Vietnã. Nesta nova ordem multipolar, o desafio para estes países será equilibrar os benefícios econômicos da sua integração nas cadeias globais com as pressões políticas e comerciais das duas principais potências do século.
Em todo o caso, no caso mexicano, os Estados Unidos e o Canadá tentam tirar vantagem com dados falsos, acusando o México de ser o maior destinatário de investimento estrangeiro direto do gigante asiático. A verdade é que entre 2016 e 2023, segundo a informação divulgada, a China investiu cerca de 395 bilhões de dólares na América do Norte, dos quais 269 bilhões de dólares (68,1%) foram destinados aos Estados Unidos; 124,6 bilhões (31,5%) ao Canadá e apenas 1,6 bilhão de dólares (0,3%) ao México.
Os Estados Unidos recebem 160 vezes mais investimento estrangeiro direto (IDE) da China do que o México. Isto não convenceu Doug Ford, primeiro-ministro de Ontário, Canadá, que sugeriu que o seu país deveria avançar num acordo comercial bilateral com os EUA, caso o México não reprimisse as importações de automóveis chineses que entram na América do Norte.
A verdadeira razão: a BYD, montadora chinesa que mais vende carros elétricos – concorrente direta da Tesla –, estaria instalando uma fábrica no México. A ação da BYD mostra como as montadoras chinesas de carros elétricos estão procurando formas alternativas de acessar o mercado dos EUA, como dissemos. Se o investimento fosse para os Estados Unidos ou o Canadá, estaria tudo bem.
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As estratégias chinesas para driblar tarifas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU