13 Novembro 2024
Especialistas criticam o manejo inadequado das plantas, alertando para a falta de supervisão técnica nas intervenções.
A reportagem é de Yasmmin Ferreira, publicada por Sul 21, 12-11-2024.
Após um início com baixa ocupação, a linha de ônibus E378 – uma das novas rotas elétricas da Capital – agora enfrenta críticas pela realização de podas severas em árvores ao longo de seu percurso. A medida, adotada para liberar o caminho dos veículos (mais altos do que os transportes públicos “tradicionais”) em áreas arborizadas do Centro Histórico e da Azenha, levanta preocupações sobre o manejo das plantas e o impacto ambiental destas intervenções.
Conforme denúncia do biólogo Francisco Siliprandi, foram feitas podas na região do Hospital de Clínicas para que fosse “aberto espaço” para a passagem da nova linha elétrica, E378 – Integradora. Membro da Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan), especialista em manejo de vegetais no contexto das cidades e integrante do Conselho Municipal do Meio Ambiente, Siliprandi criticou o impacto das podas que, segundo ele, foram realizadas sem critérios e acompanhamento técnico adequado, além de desnecessárias.
“Dá para ver o que ficou mal feito, que são tocos mal podados que têm que ser cortados até o fim. Não dá para deixar o toco, né, ou troncos cortados inteiros. […] São troncos que têm quase a grossura da cintura de uma pessoa, e que foram cortados com essa justificativa, segundo a empresa terceirizada”, expõe o biólogo. Em entrevista ao Sul21, Silipandri também pontuou que, no momento em que as podas ocorreram, não havia supervisão especializada. “Não tinha um responsável técnico no local. Estava, inclusive, com a ajuda da EPTC como único órgão público acompanhando. Não tinha a Secretaria do Meio Ambiente…”, relata.
Segundo Cristiano Martins, especialista em tecnologia para o transporte público, os ônibus elétricos de Porto Alegre são ligeiramente mais altos que os modelos convencionais a diesel devido ao conjunto de baterias acoplado no teto do veículo. Assim, os ônibus elétricos da cidade medem entre 3,55 e 3,64 metros de altura, enquanto um ônibus a diesel tem, geralmente, 3,25 metros. Martins, porém, observa que, embora exista essa diferença, ela não é significativa, pois os transportes elétricos têm altura semelhante à de carretas de combustível (cerca de 3,55 metros), que circulam normalmente pelas ruas. Ou seja, a altura do veículo E738 não representa um grande impacto para o trânsito ou a infraestrutura viária local. Apesar disso, de acordo com Siliprandi, as podas foram realizadas.
“E são podas sempre feitas pela infraestrutura, né? Aí é fio, às vezes é placa, agora é totem de painel de propaganda, depois é totem de Wi-Fi, agora o ônibus, depois a sinalização, depois a ciclovia, etc”, reclama Siliprandi. Para ele, chega a ser “engraçado” que, justamente uma linha promovida pela Prefeitura como sustentável, esteja causando perdas significativas no ambiente natural. “‘O ônibus elétrico sustentável vai salvar o planeta’. É um absurdo total, uma inversão”.
Paulo Brack, biólogo, doutor e professor titular do Departamento de Botânica do Instituto de Biociências da UFRGS, vem há tempos criticando as podas e remoções de árvores em toda a Capital. “Nossa arborização de Porto Alegre está, digamos assim, em uma situação muito triste de ver, com ausência de cuidados e uma certa facilitação para o corte indiscriminado de árvores para favorecer as empresas”, denuncia. Segundo o especialista, uma arborização urbana saudável é fundamental para amenizar os efeitos climáticos e proteger a biodiversidade local.
Um dos líderes da oposição contra o PL 301/24, que flexibiliza normas para manejo arbóreo no Rio Grande do Sul e foi aprovado em 5 de novembro, e presidente do Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais (InGá), Brack apontou que resoluções da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) determinam que entre 80% e 90% da copa das árvores deve ser preservada, sempre, com um limite máximo de 25% de corte permitido em situações específicas. Além disso, ressaltou que as podas excessivas deixam as árvores vulneráveis, aumentando o risco de doenças causadas por fungos, bactérias e outros organismos. “Quanto mais poda, mais risco de ela sofrer doenças e ficar com parte do tronco apodrecendo”, alerta.
Adicionalmente, Siliprandi acentua que a falta de sensibilidade no manejo das árvores pode levar a um declínio acelerado da vegetação urbana. “Com mais de 30% do volume de copa [cortado], tu mata a árvore. Cada espécie tem um tipo de manejo, uma tolerância. Tem umas que, se tu cortar, já é velha, e aí tu corta um galho importante que talvez até tenha que sair, mas nessa idade, tu deveria ter muito mais senso, um tato, um refino, que não tem”, explica. De acordo com o especialista, o respeito às particularidades de cada espécie deveria ser uma prioridade, já que intervenções agressivas comprometem a integridade das plantas e a qualidade ambiental dos espaços.
Ao falar sobre a poda de árvores na região do Clínicas, o biólogo apontou a abordagem imprudente e sem qualificação dos trabalhadores responsáveis, afirmando que muitos deles não possuem qualquer instrução adequada sobre manejo urbano. Siliprandi diz que, sem análise individual das plantas, as equipes acabam fazendo cortes arbitrários e excessivos. “Eles foram lá fazendo o que dava na telha deles, segundo alguém dizia: ‘Ah, tem que fazer isso aqui’, na rua toda. Fazem como se passassem uma régua, sem entrar no mérito caso a caso, e aproveitam para fazer uma limpeza, já que estão ali com a faca e o queijo na mão. Ficou árvore lá, por exemplo, que está morta em pé, só que eles não tocaram, porque daí não é com eles. […] É um absurdo total”, fala.
Além da rota E378, também há denúncias acerca do novo corredor de ônibus da linha azul, ao longo da Avenida Ipiranga. Conforme Siliprandi, árvores naturalmente inclinadas para a rua foram severamente podadas ao longo dos anos, criando uma forma em “Y” que agora interfere diretamente no traçado da nova linha de transporte. Dessa forma, o biólogo alerta que a instalação desse corredor à direita da avenida pressiona ainda mais essas árvores, algumas das quais estão inclinadas em direção à rua para buscar luz e espaço aéreo em meio à urbanização, visto que o lado oposto é ocupado por prédios e fiação.
“A árvore busca o rumo da rua, que é o espaço aéreo que tem, porque do outro lado é prédio e fio. Então, agora é o ônibus que vão colocar ali, que eventualmente fugia das árvores. E agora vão passar uma linha reta. Tem lugares que não foram liberados por causa das árvores e vai ter um arboricídio em função dos corredores de ônibus,” afirma o especialista. Para ele, essa situação reflete a falta de planejamento urbano integrado, em que o crescimento e a preservação da vegetação não são respeitados diante das novas obras viárias.
Siliprandi também aponta outros problemas: “(ocorrem) muitas mortes de árvores por podas excessivas, na conta da Equatorial e de terceirizadas do Melo e da Secretaria de Serviços Urbanos; existem calçadas estreitas e sem canteiro para entrar ar e água no subsolo, na conta do morador, por desmonte do setor de educação ambiental da Secretaria de Meio Ambiente, e por falta de orientação técnica a SMAMUS ao cidadão”, diz ele.
Procurada, a Empresa Pública de Transporte e Circulação de Porto Alegre (EPTC) enviou uma nota conjunta com a Secretaria Municipal de Mobilidade Urbana (Smmu), na qual esclarece que todas as vias públicas com circulação de veículos – como carros, ônibus e caminhões – são monitoradas pela equipe de manejo arbóreo da Secretaria de Serviços Urbanos (SMSUrb).
“A Secretaria de Mobilidade Urbana (SMMU) e a Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC) informam que todas as vias públicas com circulação de veículos (carros, ônibus, caminhões, etc) passam por acompanhamento técnico da equipe de manejo arbóreo da Secretária de Serviços Urbanos (SMSUrb) com a manutenção de poda preventiva para garantir a segurança viária. Isto ocorre principalmente nas aproximações de pontos de parada, sinalização vertical e semáforos em razão da arborização baixa existente que eventualmente pode comprometer a visibilidade e a segurança no trânsito”, defende a nota.
Para Siliprandi, o problema não é a implementação de ciclovias ou a expansão do transporte público, mas sim a forma como isso está sendo conduzido. “A gente não está aqui falando contra ciclovias, contra ônibus, contra transporte público. Justamente isso aí foi desmantelado de uma forma que nem tem volta, tanto é que a matéria está aí: os ônibus estão vazios”, destaca. Ele ainda argumenta que, algumas das novas rotas, como a E378, acabam servindo mais para “exibir o novo modelo de ônibus” do que para atender efetivamente às necessidades de deslocamento da população. “São linhas para o ônibus ficar andando e mostrar ‘olha como é bonito esse ônibus’, mas que não tem serventia nenhuma. Bota nas grandes avenidas, em rotas tradicionais, nas perimetrais, nas transversais, onde a arborização não tem essa questão nova”, sugere.
Em complemento, Brack observa que o cenário atual do município reflete um padrão de cortes cada vez mais frequentes e radicais. “É mais comum acontecer isso em situações que, infelizmente, estamos vendo agora, né, pelo constante e cada vez mais crescente corte da copa das árvores e também algumas supressões, o corte total das árvores”, destaca.
Ele aponta que as plantas estão sendo significativamente impactadas tanto pelas mudanças climáticas quanto pelo aumento das podas, o que fragiliza as estruturas e acelera a queda de exemplares antes saudáveis. E finaliza: “A má conservação das árvores — seja pela poda constante, pela falta de adubação, de irrigação e de fiscalização para evitar a cobertura de cimento na base das árvores — não está sendo tratada adequadamente, né? Não está sendo fiscalizado”.
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Biólogo denuncia extermínio de árvores para passagem de ônibus vazios em Porto Alegre - Instituto Humanitas Unisinos - IHU