31 Outubro 2024
A análise sob a perspectiva de gênero e raça se refere somente ao estado do Rio de Janeiro.
O artigo é de Mayra Goulart, professora do Departamento de Ciência Política da UFRJ, e Giulia Gouveia, doutoranda em Ciências Sociais na UFRRJ, e foi publicada por A Terra é Redonda, 28-10-2024.
A eleição de 2024 foi a mais financeiramente robusta da história, impulsionada por expressivos recursos públicos, distribuídos entre um número reduzido de candidatos e partidos, resultado da diminuição das nominatas imposta pela legislação eleitoral. Esses recursos, amplamente direcionados a candidaturas já estabelecidas e com considerável patrimônio pessoal, visto que quase metade do montante foi destinada a 0,27% dos candidatos com patrimônio superior a R$485 mil, dificultaram a entrada de novos concorrentes. O pleito não foi marcado por discursos de renovação, mas pela reafirmação de figuras já consolidadas em suas respectivas regiões. A “nova política” já não é tão nova.
As novas regras evidenciaram o papel central dos municípios e suas lideranças na reconfiguração do cenário político nacional, onde prefeitos, vereadores e deputados assumiram maior controle sobre os recursos do Tesouro Nacional. O orçamento impositivo e a cláusula de barreira – que exige um número mínimo de deputados federais e senadores para garantir o acesso ao Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), estipulado em R$4,9 bilhões este ano – aumentaram significativamente o peso desses atores. Em especial, os deputados se destacaram como cabos eleitorais e articuladores das nominatas de seus respectivos partidos.
Neste sentido, ao mencionar o financiamento eleitoral, é imperativo tecer uma reflexão a partir da perspectiva de gênero e raça. Assim, no âmbito nacional, as eleições de 2024 registraram os seguintes índices de candidaturas de mulheres: 152.946 (35,40%) para a vereança, 2.381 (15,29%) para a prefeitura e 3.678 (23,25%) para a vice-prefeitura. Em 2020, por sua vez, observou-se os seguintes números: 180.216 (34,76%) candidaturas femininas para a vereança, 2.602 (13,43%) para a prefeitura e 4.203 (21,21%) para a vice-prefeitura. Esses dados representam um pequeno aumento percentual em relação às eleições de 2020, embora os números absolutos tenham diminuído em ambos os gêneros.
Considerando isso, é importante considerar que o estudo organizado por Marcus Vinícius Chevitarese Alves, Thamara, Dutra Ribeiro e David Mercado Fautino para o Observatório Nacional da Mulher na Política (ONMP) revelou que, em 772 municípios (13,9%) ao menos um partido ou federação não cumpriu a cota de gênero. Comparado a 2020, quando 1.304 municípios descumpriram a legislação, houve uma melhora, mas ainda é considerável o número de legendas que continuam violando a regra em dois ou mais municípios.
Entre os estados, no âmbito das candidaturas à vereança, o Rio de Janeiro teve a menor participação de mulheres, com 34,29% de candidaturas, enquanto o Mato Grosso do Sul apresentou a maior proporção, com 36,48%. A participação feminina nas candidaturas variou entre 34% e 36% nos demais estados. Em vista disso, é crucial analisar os dados eleitorais no estado do Rio de Janeiro, realizando uma análise comparativa com as eleições de 2020 a partir dos marcadores de gênero e raça.
A priori, é possível observar que houve uma queda significativa no número absoluto de candidaturas, de 8.626 em 2020 para 5.767 em 2024. Todavia, uma análise dos números proporcionais revela que a porcentagem de candidaturas femininas e masculinas permaneceu praticamente estável entre os dois períodos, com uma leve elevação na porcentagem de mulheres (de 34,08% para 34,30%).
Também, em 2024, não houve candidaturas classificadas como “não divulgável”, ao contrário de 2020, quando 0,19% estavam nessa categoria. Isto pode ser explicado pela inserção da categoria “identidade de gênero”, na qual o candidato pode informar se é cisgênero, transgênero, não-binário, optar por não divulgar ou não informar.
Neste ano, a grande maioria das candidaturas femininas e masculinas se identificou como cisgênero, com percentuais muito próximos entre os dois gêneros (77,37% dentre as mulheres e 77,67% dentre os homens). Uma parte significativa dos candidatos preferiu não informar sua identidade de gênero (21,94% entre mulheres e 22,31% entre homens). Finalmente, há 40 candidaturas femininas transgênero (0,69%) e 3 candidaturas masculinas transgênero (0,03%).
Ao incluir a raça nessa análise, observa-se que a proporção de candidaturas brancas femininas diminuiu de 49,72% em 2020 para 46,97% em 2024. Por sua vez, a porcentagem de candidaturas pretas de mulheres aumentou de 19,07% em 2020 para 22,40% em 2024, bem como as candidaturas pardas femininas, de 28,68% em 2020 para 29,89% em 2024.
Dentre os homens, a proporção de candidaturas brancas masculinas aumentou levemente, de 48,39% em 2020 para 49,17% em 2024. As candidaturas pretas masculinas mantiveram-se estáveis, com uma leve variação (16,79% em 2020 e 16,83% em 2024). Por fim, a porcentagem de candidaturas pardas masculinas também cresceu ligeiramente, de 32,23% em 2020 para 33,38% em 2024. Ainda, tanto para homens quanto para mulheres, o número de candidaturas que não informaram a raça caiu em 2024, de 2,21% para 0,33% entre as mulheres e de 2,32% para 0,33% entre os homens. Por fim, a representação indígena e amarela se manteve baixa em ambos os anos, com pequenas variações numéricas.
Entre 2020 e 2024, observou-se uma diminuição no número total de candidaturas, que caiu de 603 para 382, representando uma redução significativa. No entanto, apesar dessa queda geral, a proporção de mulheres aumentou de 15,42% em 2020 para 17,28% em 2024, sinalizando um leve avanço na representação feminina. Em contrapartida, a proporção de homens manteve-se praticamente estável, passando de 83,42% em 2020 para 82,20% em 2024, enquanto a categoria daqueles que optaram por não divulgar o gênero sofreu uma redução, de 1,16% em 2020 para 0,52% em 2024, possivelmente indicando maior disposição em revelar a identidade de gênero, como sinalizado no caso dos candidatos à vereança.
No que diz respeito à interseção de gênero e raça, a proporção de mulheres brancas aumentou de 66,67% em 2020 para 68,18% em 2024. Em contraste, a proporção de mulheres pardas diminuiu de 19,35% para 16,67% no mesmo período, enquanto a de mulheres pretas teve um leve crescimento, de 12,90% para 13,64%. Apenas 1 mulher declarou-se indígenas em 2020 e 2024, o equivalente a 1,08% e 1,52%, respectivamente. Por fim, tanto em 2020 quanto em 2024, nenhuma se declarou amarela.
Entre os homens, houve um aumento na proporção de brancos, que subiu de 72,17% para 75,16%, e uma ligeira queda na proporção de homens pardos, de 19,68% para 16,88%. A proporção de homens pretos permaneceu quase inalterada, subindo levemente de 7,16% para 7,96%. Vale destacar que a categoria de homens amarelos e indígenas, que havia representado 0,60% e 0,20% das candidaturas masculinas em 2020, desapareceu da amostra de 2024. Finalmente, em 2024, houve uma redução no número de candidatos de ambos os gêneros que não divulgaram seu gênero ou raça, em comparação a 2020.
Entre os anos de 2020 e 2024, a análise dos dados sobre gênero nas candidaturas às vice-prefeituras no estado do Rio de Janeiro revela uma variação significativa nas proporções de candidaturas identificadas como femininas, masculinas e não divulgáveis. Em 2020, o número total de candidatos era de 624, dos quais 163 (26,12%) eram mulheres, 453 (72,60%) eram homens e 8 (1,28%) optaram por não divulgar o gênero. Já em 2024, o total caiu para 387 candidaturas, com uma participação de 113 mulheres (29,20%), 273 homens (70,54%) e apenas 1 pessoa (0,26%) que não divulgou o gênero. Essa mudança reflete um leve aumento na proporção de mulheres. O número de candidatos que optaram por não divulgar o gênero também diminuiu significativamente, de 8 em 2020 (1,28%) para 1 em 2024 (0,26%).
Em relação à distribuição de gênero e raça, os dados de 2020 mostravam que, entre as mulheres, 94 (57,67%) se identificavam como brancas, 36 (22,09%) como pardas, 30 (18,40%) como pretas, 1 (0,61%) como amarela, 2 (1,23%) não informaram a raça e nenhuma indígena foi registrada. Entre os homens, 295 (65,12%) eram brancos, 109 (24,06%) pardos, 46 (10,15%) pretos, 1 (0,22%) indígena, 2 (0,44%) não informaram a raça e nenhum amarelo foi registrado.
Já em 2024, entre as mulheres, 67 (59,29%) se identificaram como brancas, 25 (22,12%) como pardas, 20 (17,70%) como pretas e 1 (0,88%) como indígena. No grupo masculino, 177 (64,84%) eram brancos, 76 (27,84%) pardos, 19 (6,96%) pretos, e 1 (0,37%) não divulgou a raça. Assim, a análise demonstra estabilidade na representação de mulheres pardas, redução na representação de mulheres pretas e um aumento da proporção de mulheres brancas. Entre os homens, a proporção de brancos e pretos diminuiu – com uma redução maior na categoria dos candidatos pretos -, enquanto a de pardos aumentou ligeiramente.
Em 2020, 119 mulheres (10,05%) e 1.065 homens (89,95%) foram eleitos. Já em 2024, 114 mulheres (9,69%) e 1.063 homens (90,31%) foram eleitos. Logo, observa-se que houve uma pequena redução na proporção de mulheres e um ligeiro aumento na participação masculina, embora as candidaturas tenham aumentado, mesmo que timidamente, de 34,08% em 2020 para 34,30% em 2024. Isso indica um agravamento da sub-representação política de mulheres no estado.
No que diz respeito à distribuição de gênero e raça, em 2020, entre as mulheres, 86 (72,27%) eram brancas, 19 (15,97%) pardas, 8 (6,72%) pretas, 1 (0,84%) amarela e 5 (4,20%) não informaram a raça. Já entre os homens, 696 (65,35%) eram brancos, 271 (25,45%) pardos, 66 (6,20%) pretos, 2 (0,19%) amarelos, 30 (2,82%) não informaram a raça e nenhum indígena foi registrado. Em 2024, entre as mulheres, 81 (71,05%) se identificaram como brancas, 17 (14,91%) como pardas e 16 (14,04%) como pretas, sem registros de mulheres amarelas, indígenas ou que não informaram a raça. No grupo masculino, 710 (66,79%) eram brancos, 270 (25,40%) pardos, 80 (7,53%) pretos, 1 (0,09%) amarelo e 2 (0,19%) não informaram a raça.
Esses dados mostram uma leve redução na proporção de mulheres brancas e pardas, mas um aumento na quantidade de mulheres pretas. Entre os homens, a proporção de brancos e pretos aumentou ligeiramente, enquanto a de pardos se manteve praticamente estável. O número de candidaturas que não informaram raça caiu significativamente entre os homens, o que pode indicar um reflexo da modificação das regras para utilização dos fundos de campanha.
Em 2020, 10 mulheres foram eleitas à prefeitura, o equivalente a cerca de 12% do total. Já em 2024, 13 mulheres foram eleitas, cerca de 15% . Mais uma vez, o crescimento da representação política de mulheres é tímido.
Em relação à distribuição de gênero e raça, em 2020, entre as mulheres, 8 (80%) se identificavam como brancas e 2 (20%) como pardas. Já entre os homens, 68 eram brancos, 9 pardos e 1 preto. Por sua vez, em 2024, entre as mulheres, 10 (76,92%) eram brancas e 3 (23,08%) pardas. No grupo masculino, até o momento, 65 (90,28%) homens se identificaram como brancos e 7 (9,72%) como pardos, sem registros de homens pretos nesta amostra. Esses dados indicam um aumento na proporção de mulheres brancas e pardas e uma ligeira redução na proporção de homens brancos e pardos.
A ausência de homens pretos em 2024 contrasta com a presença, ainda que insuficiente, registrada em 2020 e revela a persistência da desigualdade de raça, sobretudo quando consideramos que nenhuma mulher preta foi eleita como prefeita no estado nos pleitos analisados.
Em 2020, as vice-prefeituras contaram com a representação de 15 mulheres (18,07%). Em 2024, o total aumentou para 18 mulheres (21,18%), revelando um crescimento tímido e extremamente distante de uma equidade de gêneros – todavia, é importante destacar que certamente mais uma mulher será eleita, tendo em vista que no município de Niterói, ambas as chapas que disputam o segundo turno contam com mulheres na posição de vice.
No que diz respeito à distribuição de gênero e raça, em 2020, entre as mulheres, 11 (73,33%) se identificaram como brancas, 2 (13,33%) como pardas e 2 (13,33%) como pretas. Entre os homens, 56 eram brancos, 14 pardos, 2 pretos e 1 não informou a raça. Em 2024, entre as mulheres, 13 (72,22%) se identificaram como brancas, 4 (22,22%) como pardas e 1 (5,56%) como preta. Entre os homens, até o momento, 51 (76,12%) são brancos, 12 (17,91%) pardos, 3 (4,48%) pretos e 1 (1,49%) não informou a raça.
Logo, as mulheres brancas observaram uma redução mínima em seu contingente, enquanto as pretas sofreram uma redução brusca. As perdas, por seu turno, expandiram sua representação. No caso dos homens, vice-prefeitos brancos e pardos observaram uma pequena redução, enquanto os pretos expandiram sua representação de modo extremamente tímido.
A priori, os dados demonstram que as eleições municipais de 2024 representaram uma descontinuidade com a tendência das eleições nacionais, que apresenta expansão na quantidade de eleitas, mesmo que ainda abaixo de um valor que indique equidade de gênero, a cada pleito. Destarte, constata-se que, embora na prefeitura e vice-prefeitura tenha ocorrido um avanço demasiadamente modesto, no caso do legislativo, registrou-se uma regressão. Sendo assim, é possível concluir que a conjuntura da representação política de mulheres no estado fluminense revela um cenário de estagnação, como revela o Gráfico 1, abaixo:
Fonte: elaboração própria (2024)
Ainda, a sub-representação política de mulheres e de pessoas pretas continua significativa, tanto no número de candidaturas quanto nos resultados eleitorais, sobretudo quando consideramos que as eleições municipais no estado fluminense não foram marcadas por grandes mudanças no perfil racial dos eleitos. Portanto, a análise deste pleito revela um ambiente político que, apesar de algumas pequenas variações, permanece amplamente dominado por elites tradicionais, persistindo os desafios para diminuir as disparidades de gênero e raça.
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As eleições de 2020 e 2024 sob a perspectiva de gênero e raça. Artigo de Mayra Goularte e Giulia Gouveia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU