01 Agosto 2024
Governo federal detalha cortes de R$ 15 bilhões para cumprir as regras do arcabouço fiscal e da meta de déficit zero. Proporcionalmente, pasta das Mulheres é a mais afetada, com corte de 17,5%.
A reportagem é de Gustavo Queiroz, publicada por DW, 30-07-2024.
O corte previsto há duas semanas de R$ 15 bilhões das despesas da União em 2024 vai afetar o orçamento de 30 dos 31 ministérios, além do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e de emendas parlamentares, de acordo com publicação extra do Diário Oficial da União (DOU) desta terça-feira (30/07). O Meio Ambiente é o único que não foi afetado. As pastas têm até o dia 6 de agosto para detalhar quais programas serão reduzidos para acomodar o congelamento.
Com o maior orçamento acumulado, o Ministério da Saúde será o mais prejudicado em números absolutos, com um corte de R$ 4,4 bilhões - equivalente a 9,4% de suas despesas previstas para o ano. A pasta das Cidades aparece na sequência, com R$ 2,1 bilhões reduzidos. Já a suspensão no Ministério dos Transportes foi de R$ 1,5 bilhão e na Educação, R$ 1,3 bilhão.
Carro-chefe do governo federal, o PAC terá R$ 4,5 bilhões suspensos, distribuídos entre os ministérios. Já as emendas parlamentares de Comissão e de Bancada foram reduzidas em menor medida, em R$ 1,2 bilhão.
Proporcionalmente, o Ministério das Mulheres foi o mais afetado, com um corte de 17,5% de seus recursos previstos para 2024. Pesca, Turismo e Igualdade Racial tiveram 14% de seu orçamento congelado.
Os recursos são suspensos do orçamento discricionário, ou seja, gastos que não são obrigatórios, como os investimentos. É o maior corte realizado de uma só vez pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva desde o início de seu terceiro mandato, que pode ser revertido se houver alteração na arrecadação nos próximos meses.
A medida visa cumprir as regras do arcabouço fiscal e a meta de déficit zero. Segundo o Relatório Bimestral de Receitas e Despesas do Ministério da Fazenda, a projeção de gastos obrigatórios dispararam e a receita enxugou no último bimestre.
Os valores compreendem um total de R$ 11,2 bilhões em despesas bloqueadas - para compensar o excesso de gastos obrigatórios - e R$ 3,8 bilhões contingenciadas - vinculadas à queda na arrecadação de receitas.
O bloqueio acontece quando o governo gasta mais do que o teto previsto na regra do arcabouço fiscal, aprovada em 2023. As despesas não podem ultrapassar 70% do crescimento da receita. Dentro deste limite, elas também não podem crescer mais de 2,5% ao ano, já desconsiderada a inflação.
Segundo a Fazenda, gastos obrigatórios com a Previdência e com o Benefício de Prestação Continuada, destinado a pessoas com deficiência e idosos, aumentaram. Em seu relatório bimestral, a pasta aponta que houve um "comportamento inesperado" na entrada de novos pedidos, além de mudanças nos fluxos internos que reduziram a fila para o recebimento dos benefícios.
Já o contingenciamento está diretamente relacionado ao cumprimento da meta fiscal. A lei estipula que o governo alcance um déficit zero. Ou seja, não pode gastar mais do que arrecada.
A estimativa de arrecadação, porém, diminuiu após o Congresso derrubar o veto da desoneração da folha de pagamentos. O projeto aprovado diminui a alíquota previdenciária paga por 17 setores sobre a folha dos funcionários e, agora, o governo tenta encontrar um meio-termo por meio de uma Medida Provisória.
O equilíbrio fiscal tem sido um dos maiores desafios enfrentados pelo governo na relação com o Congresso, em um vaivém de medidas que tentam ampliar a receita e evitar o rombo nas contas públicas.
Mesmo com os cortes, o governo agora opera no vermelho, no limite da margem negativa do rombo das contas públicas autorizada pelo novo arcabouço fiscal. A meta para 2024 era alcançar o déficit zero, mas há margem de tolerância de 0,25 pontos percentuais do PIB, o que permite à União finalizar o ano com R$ 28,8 bilhões negativos.
Estes cálculos não levam em conta a dívida pública e os valores aplicados para combater a emergência climática que atingiu o Rio Grande do Sul.
Para o economista Marcos Mendes, um dos criadores do extinto teto dos gastos, a projeção de receitas e despesas do governo está subestimada, uma vez que os gastos obrigatórios foram pressionados sem um cálculo real do impacto que eles teriam nos demais programas. Isso pode levar a um novo contingenciamento até o final do ano.
"Se criou um problema sério de grande dimensão, que come espaço de todo o resto do orçamento", disse. "Não resta margem para investimentos. A gente não tem um processo de avaliação de políticas públicas para descartar aquelas que não estão funcionando mais ou para moderar aquelas que podem ser moderadas", disse à DW.
A economista e professora do Insper Juliana Inhasz entende que o desequilíbrio fiscal afeta diretamente o consumidor, já que o aumento de gastos pressiona a dívida pública e a taxa de juros, cujo valor alto, criticado pelo próprio governo, prejudica investimentos e o consumo das famílias.
Ela acredita que o governo precisa definir prioridades, para evitar a redução do investimento em pastas importantes. A dificuldade de negociação no Congresso também vira um fator para a definição do que será prorizado.
"Você vê o governo tendo que cortar um monte e, por outro lado, temos aqui financiamento de campanha e emendas parlamentar para coisas que, no geral, não são tão nobres. Ele vai ter que, de alguma forma, cortar dos outros lados. E aí isso vai fazer a sociedade sentir bem mais", disse.
O total de emendas previstas em 2024, por exemplo, é de R$ 44,67 bilhões, valor maior que o orçamento da maior parte dos ministérios.
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Ministério da Saúde perde R$ 4,4 bi com cortes do Orçamento - Instituto Humanitas Unisinos - IHU