30 de julho marca o Dia Mundial de Combate ao Tráfico de Pessoas. A data visa conscientizar a sociedade para o crime que afeta aproximadamente 2,5 milhões de pessoas por ano
O tráfico de pessoas é uma atividade criminosa altamente rentável, que se tornou a segunda cadeia ilegal mais lucrativa do mundo. “A indústria do tráfico de pessoas gera aproximadamente 150 bilhões de dólares por ano”, informa Isabel do Rocio Kuss. Segundo a entrevistada, que é coordenadora nacional da Rede um Grito pela Vida, “desse valor, cerca de 99 bilhões de dólares provêm da exploração sexual e os outros 51 bilhões de dólares são gerados pelo trabalho forçado em diversos setores, como agricultura, construção e serviços domésticos”, complementa.
A atividade, que está intrinsecamente ligada à desigualdade social, econômica e de gênero, faz com que grupos vulneráveis da população, como as mulheres e crianças pobres, migrantes, entre outros, sejam aliciados com mais facilidade. “Traficantes frequentemente estão de olho para pessoas em situações de vulnerabilidade, como aquelas que vivem na pobreza extrema, refugiados, migrantes, e pessoas deslocadas por conflitos ou desastres naturais”, explica a Irmã Catequista Franciscana. Essas pessoas se tornam “alvos fáceis devido à sua necessidade desesperada de uma saída para suas condições precárias”, justifica.
Na entrevista a seguir, concedida por e-mail ao Instituto Humanitas Unisinos – IHU, Isabel comenta também sobre o tráfico humano no país. “As formas predominantes de exploração no Brasil são a exploração sexual e o trabalho escravo. O país é um dos principais destinos e pontos de origem para o tráfico sexual”, esclarece.
Segundo o último Relatório Global sobre Tráfico de Pessoas do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC), 70% das vítimas de tráfico humano no mundo são mulheres e crianças. Enquanto os dados do Brasil são ainda mais assustadores. “O tráfico de mulheres e meninas é uma questão alarmante, há dados que indicam que uma grande maioria das vítimas são do sexo feminino, muitas vezes destinadas à exploração sexual. De acordo com o mais recente Relatório de Avaliação de Necessidades sobre o Tráfico Internacional de Pessoas (2022), realizado pela OIM, CNJ e UFMG, 96,36% das vítimas identificadas são mulheres, com a finalidade principal de exploração sexual (83%)”, indica Isabel.
No fim, a entrevistada convida a todos a participarem da Rede que combate o tráfico de pessoas. “Venha ser ‘Rede um Grito pela Vida’. Para isto, basta que seja sensível à dor do outro, da outra; que esteja disposta/o a anunciar e defender a vida e denunciar o mal do tráfico de pessoas, um crime que fere a dignidade humana”, propõe.
Isabel do Rocio Kuss (Foto: Vatican Media)
Isabel do Rocio Kuss é Irmã Catequista Franciscana e coordenadora nacional da Rede um Grito pela Vida.
IHU – Em primeiro lugar, eu gostaria que a senhora descrevesse o que é e como se caracteriza o tráfico de pessoas?
Isabel Do Rocio Kuss – Optei por mudar a linguagem das perguntas “tráfico de seres humanos”, pois no Brasil adotamos a expressão “tráfico de pessoas” e não de “seres humanos”. É uma decisão estratégica que visa alinhar-se às convenções internacionais, facilitar a cooperação global, ser inclusiva e abranger todas as formas de exploração, além de promover uma linguagem mais acessível e humanizadora.
Voltando à pergunta. O tráfico de pessoas é uma forma extrema e grave de violação dos direitos humanos, caracterizada pela venda e compra de pessoas. Exatamente, um “mercado e feira de gente”. Esta prática desumana destrói vínculos familiares, gera um profundo sofrimento, reduz a pessoa a uma mercadoria e viola os direitos mais fundamentais, como o direito à vida, à liberdade e à dignidade. Além disso, afeta negativamente comunidades e sociedades, minando a segurança, a justiça e o desenvolvimento socioeconômico.
A prática do tráfico de pessoas tem raízes profundas na história, ocorrendo em diferentes contextos sociais e culturais ao longo dos séculos. Está intimamente ligada ao capitalismo, à ganância e ao lucro de redes criminosas mundiais, como bem declarou o Papa Francisco na mensagem aos participantes da Assembleia da Rede Talitha Kum em 24-05-2024: “O tráfico de seres humanos é um mal sistêmico e complexo, para tanto temos que agir com atitudes igualmente sistêmicas e integradas. Normalmente as redes de aliciadores se aproveitam de situações de vulnerabilidade, guerras, migração, questões climáticas para iludir suas vítimas de uma forma sutil e enganosa, oferecendo-lhes melhores condições de vida e outras vantagens”.
O Protocolo de Palermo, em seu artigo 3º, define o tráfico de pessoas como: "O recrutamento, transporte, transferência, alojamento ou acolhimento de pessoas, recorrendo à ameaça ou uso da força ou outras formas de coação, rapto, fraude, engano, abuso de autoridade ou situação de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tenha autoridade sobre outra para fins de exploração".
As vítimas são frequentemente recrutadas através de promessas falsas de emprego, educação ou melhores condições de vida. Elas podem ser transportadas dentro de um país (tráfico interno) ou entre países (tráfico transnacional). Os traficantes usam várias formas de coerção e engano para controlar suas vítimas, incluindo ameaças, violência física, abuso psicológico, dívida, retenção de documentos e isolamento.
A exploração é o objetivo final do tráfico de pessoas. As vítimas podem ser forçadas a trabalhar em condições desumanas, exploradas sexualmente ou submetidas a outras formas de abuso e exploração. Elas frequentemente provêm de contextos vulneráveis, como pobreza, falta de educação, desemprego, instabilidade política ou conflitos. Os traficantes exploram essas vulnerabilidades para manipular e controlar suas vítimas.
IHU – Quais são as especificidades do Brasil em relação a outros países?
Isabel Do Rocio Kuss – O tráfico de pessoas é um problema global, mas cada país apresenta características específicas que influenciam a forma como esse crime se manifesta e é combatido. No Brasil, algumas particularidades devem ser destacadas, como as que apresento a seguir.
Nosso país tem uma enorme extensão territorial, com fronteiras longas e porosas com dez países. Essa vasta fronteira facilita o trânsito ilegal de pessoas e dificulta o monitoramento eficaz pelas autoridades. A região da Amazônia, por exemplo, é especialmente vulnerável devido à dificuldade de acesso e fiscalização. Essa extensa fronteira terrestre, que totaliza mais de 16 mil quilômetros, contribui para os desafios no combate ao tráfico de pessoas no país.
A profunda desigualdade socioeconômica no Brasil torna muitas pessoas vulneráveis ao tráfico de pessoas. Pessoas de comunidades pobres, com baixa escolaridade e poucas oportunidades de emprego são alvos fáceis para os traficantes que oferecem falsas promessas de trabalho e melhores condições de vida.
Além do tráfico transnacional, o Brasil enfrenta um problema significativo de tráfico interno. Pessoas são traficadas de áreas rurais para áreas urbanas, especialmente para grandes centros como São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília. Nessas cidades, as vítimas são exploradas em trabalhos forçados em prostituição e outras formas de exploração, como construção civil, confecções de roupas entre outras.
As formas predominantes de exploração no Brasil são a exploração sexual e o trabalho escravo. O país é um dos principais destinos e pontos de origem para o tráfico sexual. O tráfico de mulheres e meninas é uma questão alarmante, há dados que indicam que uma grande maioria das vítimas são do sexo feminino, muitas vezes destinadas à exploração sexual. De acordo com o mais recente Relatório de Avaliação de Necessidades sobre o Tráfico Internacional de Pessoas (2022), realizado pela OIM, CNJ e UFMG, 96,36% das vítimas identificadas são mulheres, com a finalidade principal de exploração sexual (83%).
As mulheres e as meninas são a maioria das vítimas do tráfico de pessoas para fins de exploração sexual no Brasil. Nos últimos dez anos, 96% das vítimas desse crime em ações penais com decisão em segunda instância na Justiça Federal eram mulheres, conforme agência Senado em julho 2023.
Paralelamente, o trabalho escravo é uma prática ainda presente, especialmente em setores como agricultura, pecuária e construção civil. Conforme o relatório da Comissão Pastoral da Terra – CPT só em atividades rurais foram 2 mil 663 pessoas resgatadas em situação análoga à escravidão em 2023. O maior número em 10 anos. E no meio desses números quantas pessoas não foram traficadas?
Este fenômeno continua a ser um desafio significativo para o país, exigindo uma combinação de políticas públicas robustas, aplicação rigorosa da legislação e conscientização contínua da população.
O Brasil possui legislação específica para combater o tráfico de pessoas, como a Lei 13.344/2016, que prevê medidas de prevenção, repressão ao tráfico e atendimento às vítimas. Além disso, o Brasil é signatário de diversos acordos internacionais que visam combater o tráfico de pessoas. Apesar das leis a aplicação efetiva enfrenta desafios significativos. A corrupção, a falta de recursos e treinamento adequado para as forças de segurança, e a dificuldade em proteger e reintegrar os sobreviventes são obstáculos importantes. Muitas vezes, as vítimas têm medo de denunciar os traficantes devido à ameaça de retaliação.
IHU – Como são os métodos de aliciamento de pessoas para o tráfico humano?
Isabel Do Rocio Kuss – Os métodos de aliciamento de pessoas para o tráfico humano são variados e sofisticados, frequentemente explorando a vulnerabilidade e a falta de conhecimento das vítimas.
Traficantes frequentemente aliciam suas vítimas oferecendo-lhes promessas atraentes de emprego bem remunerado, educação ou melhores condições de vida em outra cidade ou país. Essas promessas são feitas através de anúncios falsos, agentes de recrutamento enganosos e redes de contatos.
Em alguns casos, os traficantes usam relacionamentos amorosos para ganhar a confiança das vítimas. Este método, conhecido como "lover boy", envolve um aliciador que finge um relacionamento romântico, só para depois explorar sexualmente ou forçar a vítima a trabalhar em condições de escravidão.
A internet e as redes sociais são ferramentas poderosas para os traficantes. Eles podem criar perfis falsos para enganar e aliciar vítimas, usando plataformas populares para atrair jovens com promessas de oportunidades para serem modelos, atores, jogadores e outros empregos atrativos.
Algumas vítimas são diretamente sequestradas ou forçadas a trabalhar por meio de ameaças, violência física e psicológica. As vítimas podem ser isoladas, ter seus documentos confiscados e ser ameaçadas de danos a si mesmas ou a suas famílias se tentarem escapar.
Traficantes frequentemente estão de olho para pessoas em situações de vulnerabilidade, como aquelas que vivem na pobreza extrema, refugiados, migrantes, e pessoas deslocadas por conflitos ou desastres naturais. Essas populações são alvos fáceis devido à sua necessidade desesperada de uma saída para suas condições precárias.
Alguns traficantes usam o método da dívida para controlar suas vítimas. Eles oferecem empréstimos ou adiantamentos de salário para cobrir despesas de viagem, alimentação ou acomodação, e depois forçam as vítimas a trabalharem em condições de escravidão para pagar uma dívida que continua a crescer, tornando impossível a sua quitação.
Em muitos casos, os traficantes usam documentos falsificados para transportar suas vítimas entre fronteiras internacionais. Passaportes, vistos e outros documentos de identidade são frequentemente alterados ou falsificados para evitar a detecção por parte das autoridades.
Em algumas situações, indivíduos com poder e influência, como empregadores, autoridades locais ou policiais corruptos, podem abusar de sua posição para coagir ou forçar pessoas a entrar em situações de tráfico de pessoas.
Algumas agências de recrutamento operam como frentes para atividades de tráfico humano. Elas atraem trabalhadores com ofertas de emprego legítimas, mas depois os exploram em condições de trabalho forçado ou escravidão.
IHU – Por que jovens de grupos indígenas têm sido, ao menos no Brasil, alvos para estes traficantes?
Isabel Do Rocio Kuss – Os jovens indígenas no Brasil têm sido particularmente vulneráveis ao tráfico de pessoas devido a uma combinação de fatores sociais, econômicos e culturais que são explorados pelos traficantes.
Muitas comunidades indígenas vivem em condições de pobreza extrema, com acesso limitado a oportunidades de emprego e recursos econômicos. Essa situação cria um terreno fértil para traficantes que oferecem falsas promessas de emprego, educação ou melhores condições de vida para atrair jovens indígenas.
Comunidades indígenas frequentemente vivem em áreas remotas e de difícil acesso, o que dificulta a fiscalização e intervenção por parte das autoridades, bem como de trabalho de conscientização por parte de entidades que trabalham na sensibilização contra o tráfico de pessoas. Esse isolamento facilita a ação dos traficantes, que podem operar com maior impunidade nessas regiões.
O acesso limitado à educação de qualidade em comunidades indígenas torna os jovens mais suscetíveis a serem enganados por falsas promessas de oportunidades educativas ou de trabalho. A falta de conhecimento sobre os direitos humanos e os riscos do tráfico também contribui para essa vulnerabilidade. Conflitos territoriais, desmatamento e grandes projetos de infraestrutura, como barragens e estradas, muitas vezes resultam no deslocamento forçado de comunidades indígenas. Esses deslocamentos criam situações de vulnerabilidade, onde os jovens podem ser facilmente aliciados por traficantes.
Embora existam leis destinadas a proteger os direitos dos povos indígenas, a implementação e aplicação dessas leis frequentemente são inadequadas. A falta de proteção eficaz deixa os jovens indígenas expostos ao tráfico e exploração.
Muitos jovens indígenas são atraídos para as cidades com promessas de uma vida melhor. No entanto, ao chegarem, encontram-se em situações de exploração e abuso, muitas vezes sem os meios ou o apoio necessário para escapar.
IHU – Pode nos falar do caso dos 15 indígenas de São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas, que foram para a Turquia? O que se sabe sobre eles?
Isabel Do Rocio Kuss – Caso delicado de comentar, mas passo o que podemos compartilhar e que foi pauta na imprensa local e nacional, como o Fantástico.
O caso dos jovens indígenas de São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas, envolve um esquema de suposto tráfico pessoas que chamou atenção em 2023. Esses jovens foram aliciados por uma organização que prometia oportunidades de estudo e uma vida melhor na Turquia, mas ao chegarem lá, encontraram uma realidade muito diferente.
Os jovens, provenientes de uma das áreas mais vulneráveis e remotas do Brasil, foram aliciados pela Associação Solidária Humanitária do Amazonas (Asham). Eles receberam lições de árabe e turco e foram introduzidos ao Alcorão antes de serem enviados para a Turquia com a promessa de estudos. A Polícia Federal e outros órgãos como a Fundação Nacional dos Povos Indígenas – Funai e conselhos tutelares realizaram uma operação conjunta para resgatar esses jovens.
Ao chegarem na Turquia, cinco dos jovens foram detidos em Istambul por falta de visto de permanência. Eles passaram três semanas detidos antes de serem deportados de volta ao Brasil. Esses jovens relataram que, ao invés de receberem a educação prometida, foram submetidos a servidão e doutrinação religiosa forçada.
Os indígenas de São Gabriel da Cachoeira são especialmente vulneráveis devido a fatores como a pobreza extrema, isolamento geográfico e a falta de proteção legal eficaz. A cidade, que possui o maior número de indígenas do Brasil, enfrenta uma série de desafios socioeconômicos que tornam seus jovens alvos fáceis para traficantes. O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da região é baixo, e a atuação do poder público tem sido insuficiente para coibir esses problemas.
Esse caso destaca a necessidade urgente de maior vigilância e ação por parte das autoridades brasileiras. É essencial abordar as vulnerabilidades das comunidades indígenas e garantir que os jovens tenham acesso a oportunidades seguras e legítimas em seus territórios.
IHU – Por que Roraima se tornou o epicentro do problema no Brasil? Quais são as peculiaridades locais?
Isabel Do Rocio Kuss – Respondo com base nas reflexões da Dra. Marcia Oliveira que pesquisa a temático no território de Roraima. Três questões tornam Roraima o epicentro do tráfico humano:
1) por estar em uma região de fronteiras e com intensa circulação migratória (migrantes internos e internacionais). Isso faz com que as rotas do tráfico estejam muito atentas e com muita atuação na região. A pessoa em situação de deslocamento se torna alvo preferido dos aliciadores/as por causa da fragilidade da condição social e econômica dos migrantes;
2) O Estado não possui um plano de enfrentamento ao tráfico humano e não integra a Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas. A omissão das instituições públicas facilita a atuação dos grupos especializados no tráfico de pessoas;
3) Roraima atualmente integra a região transfronteiriça com maior incidência de garimpo ilegal. Apesar dos esforços do governo federal para a desintrusão dos garimpeiros em Terras Indígenas, a garimpagem continua desafiando a ordem pública e se espalha por todo o território com interligações com a Guiana, o Suriname, a Venezuela e a Guiana Francesa. Isso faz com que os aliciadores circulem por todos os garimpos. De modo especial as mulheres são requisitadas para exploração sexual comercial para garimpeiros em todas as frentes de garimpagem.
A situação do tráfico de pessoas em Roraima só ganhou destaque na imprensa nacional devido aos esforços da Igreja Católica e outras organizações da sociedade civil que têm realizado trabalhos de enfrentamento local. A recente missão que Comissão Especial para o Enfrentamento ao Tráfico Humano da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), da qual fazemos parte, fez em Roraima, tem sido fundamental para chamar a atenção sobre o problema.
IHU – O que o Estado e a sociedade civil podem fazer para enfrentar essa prática que é a terceira atividade ilegal mais rentável em nível mundial?
Isabel Do Rocio Kuss – Começo dizendo que o Tráfico de pessoas não é mais a terceira atividade mais rentável, mas a segunda, como demonstrado a seguir.
Estimativas sobre os lucros gerados pelo tráfico de pessoas variam, mas de acordo com o Relatório Global sobre Tráfico de Pessoas do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC), a indústria do tráfico de pessoas gera aproximadamente 150 bilhões de dólares por ano. Desse valor, cerca de 99 bilhões de dólares provêm da exploração sexual e os outros 51 bilhões de dólares são gerados pelo trabalho forçado em diversas indústrias, como agricultura, construção e serviços domésticos.
Campanha das Irmãs Catequistas Franciscanas (Card cedido pela entrevistada)
Esses valores impressionantes mostram como o tráfico de pessoas é uma atividade extremamente lucrativa para as redes criminosas, o que torna ainda mais desafiador o combate a esse crime. A alta lucratividade incentiva os traficantes a continuarem explorando pessoas vulneráveis. Depois do tráfico de drogas, o tráfico de pessoas está empatado com a indústria de armas ilegais como a segunda maior indústria criminosa do mundo.
O combate ao tráfico de pessoas exige uma resposta coordenada e multifacetada que envolva todos os setores da sociedade. A colaboração entre o Estado, a sociedade civil, e a comunidade internacional é crucial para erradicar essa prática e proteger os direitos humanos.
Por parte do Estado é necessário ações mais eficazes e eficiente no enfrentamento ao tráfico de pessoas como:
Já a sociedade civil tem que ser envolvida e ser parceira do Estado no enfrentamento ao tráfico de pessoas, caso contrário, seria como uma motocicleta de apenas uma roda, não anda, e o contrário também é verdadeiro, não adianta a comunidade fazer bonitas pesquisas e toda a prevenção se o Estado não fizer sua parte. Seria necessário ações como: promover eventos e campanhas comunitárias para informar principalmente os jovens e pessoas mais vulneráveis sobre os perigos do tráfico de pessoas e como identificar sinais de alerta; envolver líderes comunitários e religiosos na disseminação de informações e no apoio às vítimas e sobreviventes; garantir a inclusão e participação de lideranças comunitárias em espaços de definição de políticas públicas para o enfrentamento ao tráfico de pessoas.
IHU – Como tem sido o trabalho da Rede "Um Grito Pela Vida" e quais são seus principais desafios?
Isabel Do Rocio Kuss – A Rede Um Grito pela Vida tem a missão de resgatar a humanidade perdida, de trazer de volta, de ir em busca, e não deixar ninguém para trás ... A REDE já nasceu com essa visão Evangélica: “buscar e salvar o que estava perdido” (Lc 19,10), oferecer proteção a quem foi enganado, iludido e preso nas malhas da rede do crime.
Haverá, na Igreja, missão mais objetiva e sinodal? Haverá engajamento mais comprometedor, na contramão do sistema, que ajudar uma pessoa a desenredar-se do mercado humano, estender-lhe a mão para que possa voltar a viver livre e dignamente?
Acreditamos na força de nossa ação, renovando nossa esperança e audácia, na convocação dos cristãos e cristãs, de todas as pessoas empenhadas na promoção e defesa da vida! É uma exigência do seguimento de Jesus que veio “para todos tenham vida e a tenham em plenitude” (Jo 10,10).
Perto de completar 18 anos de missão, a Rede “Um Grito pela Vida” cresceu e atualmente é um espaço de articulação e ação profético-solidária, vinculada à Conferência dos Religiosos do Brasil (CRB). É composta por aproximadamente 250 pessoas, entre religiosas, alguns religiosos de diversas congregações, além de leigas e leigos.
A Rede atua em mais de 30 núcleos em 22 estados, permitindo ampliar alianças intercongregacionais em prol da vida ameaçada e ferida, das pessoas traficadas e violentadas em seus direitos. Desenvolve um conjunto de atividades, como: prevenção, sensibilização, formação, informação, capacitação de multiplicadores, incidência política e denúncia desse crime grave contra a vida.
Definimos como prioridades para 2023-2025:
Alguns desafios enfrentados na missão do dia a dia: apesar das várias iniciativas de mobilização e sensibilização, ainda há uma necessidade urgente de maior visibilidade e conscientização sobre o tráfico de pessoas. Muitas vezes, esse problema é tratado como um assunto distante e de pouca relevância pela sociedade; somos um grupo pequeno, com cerca de 250 pessoas, composto majoritariamente por mulheres religiosas e leigas que, mesmo tendo outras áreas de missão, nos dedicamos com afinco para dar visibilidade ao crime do tráfico de pessoas; nosso trabalho é totalmente voluntário, incluindo as coordenações, o que restringe o tempo disponível para desenvolver as atividades; a rede não possui fundos financeiros próprios, depende de doação de parceiros do exterior. Isso exige que os participantes invistam financeiramente em despesas como transportes e materiais para as atividades; a maioria do trabalho da rede é realizada em escolas estaduais e municipais, porém, enfrentamos maior dificuldade para a inserção da temática nas escolas de cunho religioso; apesar de termos muitas parcerias com comunidades eclesiais, vários núcleos têm dificuldade de atuar nos espaços eclesiais, como se o tráfico de pessoas não pudesse ser discutido nas igrejas.
IHU – Deseja acrescentar algo?
Isabel Do Rocio Kuss – Um convite especial: Venha ser “Rede um Grito pela Vida”. Para isto, basta que seja sensível à dor do outro, da outra; que esteja disposta/o a anunciar e defender a vida e denunciar o mal do tráfico de pessoas, um crime que fere a dignidade humana.
Venha, se você tem compaixão e solidariedade para com cerca de 40 milhões vítimas do comércio de gente. São mulheres, são meninas, são crianças, são homens e jovens… pesados, medidos, vendidos e comprados.
“Voltemos a sonhar um mundo no qual as pessoas possam viver com liberdade e dignidade” – Papa Francisco.