24 Mai 2024
Um livro de Sarah Brown nos introduz no mundo mágico da inteligência felina.
A opinião é de Roberto Marchesini, etólogo e filósofo italiano, fundador da zooantropologia, em artigo publicado em Rewriters, 16-05-2024. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Acho que todos concordam que o gato manifesta uma inteligência aguçada, um alto nível de curiosidade, uma engenhosidade desperta e criativa, uma grande capacidade de memorizar as diversas situações e uma propensão evolutiva que daria inveja a um enigmista.
Porém, quando se trata de avaliar suas capacidades cognitivas de modo objetivo, as coisas ficam mais complexas.
Os gatos são animais com uma engenhosidade viva e criativa, mas, ao contrário dos cães que se prestam a desempenhar os testes comuns baseados na recompensa, eles estão mais inclinados a aprender por meio da experiência exploratória livre. Isso também se deve ao fato de os gatos serem dotados de uma curiosidade aguçada, de uma tendência relevante a interagir com os objetos, de sondar suas propriedades, de manipulá-los de diferentes maneiras e de estudar a consequência de suas ações, muitas vezes batendo em um objeto para fazê-lo cair, colocá-lo em movimento, agir sobre um rolo para fazê-lo girar, tentar puxar um objeto de uma fenda.
Poderíamos dizer que, no pequeno felino, se escondem os talentos de um enigmista, interessado nos problemas, mas apenas quando ele os procura. A dimensão lúdica tem uma relevância particular na vida do gato, que mantém a virtude de ser brincalhão também na vida adulta.
Por meio da brincadeira, ele desenvolve comportamentos eficazes em relação às diversas situações, aprende a conhecer o próprio corpo, testa suas capacidades atléticas, muitas vezes ousando mais do que o recomendável em termos de desempenho.
Por outro lado, é errando que se aprende! O aspecto interessante é que o gato não só aprende com facilidade as características específicas de um jogo, mas também as regras subjacentes a essa atividade lúdica em particular. Por essa razão, apresentando-lhe um jogo diferente em relação às características específicas – ou seja: as conotações do alvo, as circunstâncias, as ações a serem executadas –, mas com as mesmas regras, notamos que o gato consegue resolver o problema em tempos muito mais curtos.
Um livro que nos ajuda a entrar no mundo mágico da inteligência felina é Tutti i segreti del gatto [Todos os segredos do gato], de Sarah Brown (Ed. Aboca, 2023).
Entre as vocações cognitivas do gato, é preciso lembrar de modo particular a concepção do espaço e a capacidade de discriminar intervalos de tempo, que demonstram como o aspecto do timing da resposta é fundamental para o gato.
As pessoas que convivem com um gato sabem muito bem que o gato está dotado com uma espécie de relógio interno que lhe permite saber, a qualquer momento, a hora exata em que ocorrem coisas importantes para ele, como a administração dos alimentos.
“Todos os segredos do gato”, em tradução livre, de Sarah Brown. (Foto: Divulgação)
A prova de que os gatos têm uma ótima capacidade de detectar os intervalos de tempo foi desenvolvida por meio de uma experiência curiosa. O gato era colocado dentro de uma transportadora por um curto período e, quando era solto depois de cinco segundos, encontrava a recompensa em um recipiente da direita, mas, depois de 20 segundos, encontrava-a no recipiente da esquerda. O resultado revelou-se extraordinário, pois os gatos demonstraram escolher o recipiente certo em mais de 80% das situações.
Experimentos subsequentes mostraram que era possível reduzir ainda mais as diferenças de tempo a serem discriminadas, obtendo igualmente bons resultados.
O gato é muito dotado na capacidade de elaborar as informações que dizem respeito à posição do próprio corpo no espaço, graças a um grande número de receptores nas patas, por meio de pelos especializados, as vibrissas, presentes particularmente nas partes frontais do corpo, de canais semicirculares responsáveis pelo equilíbrio, também estes extremamente aperfeiçoados, de almofadas plantares e espaços interdigitais muito sensíveis.
As áreas do córtex responsáveis pela sensibilidade somática e pelo esquema corporal, como a área frontal do córtex parietal, e as áreas responsáveis pela organização motora, como a área caudal do córtex frontal, também são particularmente desenvolvidas, assim como o cerebelo responsável pelos comportamentos finos.
No que diz respeito à orientação e à escolha dos objetos gratificantes, parece que o gato é pouco propenso a discriminar elementos simbólicos através da visão, como um círculo e uma estrela, preferindo a orientação espacial.
Em um teste de escolha, se eu colocar a recompensa debaixo de um copo que tem um símbolo de estrela e está posicionado à esquerda do gato, quando o copo é movido para a direita, o gato não se orientará pela imagem, mas sim pelo lugar ocupado, de modo que irá procurá-lo à esquerda e nas proximidades.
No livro Nella mente del tuo gatto [Na mente do seu gato], de Bo Söderström (Ed. Express, 2019), o autor mostra que, ao contrário daquilo que comumente se acredita, o gato tem uma inteligência social acentuada, e isso foi evidenciado por meio do teste de violação de expectativa.
“Na mente do seu gato”, em tradução livre, de Bo Söderström (Foto: Divulgação)
Essa prova se baseia no fato de que, quando o evento ocorrido é contrário às expectativas do indivíduo, este mantém a atenção nele por um período de tempo maior e demonstra expressões de surpresa. Um exemplo pode ser o de mostrar a foto do dono e inserir sua voz a ser comparada com a foto do dono e a voz de um estranho: neste segundo caso, o gato fica surpreso, demonstrando conhecer perfeitamente o rosto e a voz da pessoa.
Outro teste ainda mais interessante foi o de comparar a foto do dono pronunciando seu nome com a foto do dono com outro nome. Mais uma vez, o gato manifestava uma maior atenção ao par incongruente.
Utilizando novamente a técnica da comparação e da violação de expectativa, descobriu-se também que, se o gato convivia com outros gatos, ele sabia perfeitamente como costumavam ser chamados seus companheiros felinos.
Para completar o nosso quadro sobre a inteligência felina, devemos lembrar seus altíssimos dotes de memória, tanto em termos de memória de trabalho, que pode superar até o limiar de algumas horas, quanto de memória de longo prazo, que chega ao incrível intervalo de tempo de cerca de dez anos.
Portanto, se o nosso felino não se adapta aos testes comuns, também pela personalidade particular do gato, que é a de um solista inveterado, ele sabe muito bem nos fazer entender que estamos diante de uma inteligência vívida altamente respeitável.
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Todos os segredos sobre a inteligência do gato. Artigo de Roberto Marchesini - Instituto Humanitas Unisinos - IHU